A decisão acertada do BC ao barrar a venda do Banco Master para o BRB
Banco Central se manteve firme contra a chantagem de parte do Congresso, que ameaçava sua autonomia. O caso, porém, está longe do fim

Nos últimos tempos, as instituições brasileiras têm travado batalhas intensas para preservar suas prerrogativas. No topo da lista está o próprio estado democrático de direito, abalado pela tentativa de golpe que resultou na invasão das sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em Brasília em 8 de janeiro de 2023. Soma-se a isso a pressão externa: o presidente americano, Donald Trump, vem tentando dobrar o Supremo Tribunal Federal para evitar a condenação de seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado como mentor da ofensiva contra a democracia. Nem mesmo órgãos tradicionalmente poupados da artilharia política escaparam. É o caso do Banco Central, que tem sido alvo de alta pressão para autorizar a compra de metade do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB), controlado pelo governo do Distrito Federal. A ofensiva chegou ao ponto da chantagem explícita. Deputados do Centrão favoráveis ao negócio ameaçaram votar um projeto de lei que daria ao Congresso o poder de exonerar diretores do Banco Central sempre que agissem contra os chamados “interesses nacionais”. O principal alvo era Renato Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução, responsável pelo parecer que orientaria a decisão da diretoria colegiada. O Banco Central, porém, mostrou firmeza ao resistir à pressão política, preservar sua independência e adotar uma decisão técnica. Na quarta-feira 3, rejeitou a proposta de compra do Master pelo BRB. A postura da autarquia rendeu reconhecimento no mercado. “Foi uma decisão importante, corajosa e correta”, afirmou a VEJA Arminio Fraga, ex-presidente do BC.
Até quinta 4, ainda não havia sido divulgado o parecer com as justificativas do BC para a decisão. Em uma nota, o Master informou que “aguarda ter acesso à íntegra do documento para avaliar seus fundamentos e examinar as alternativas cabíveis”. Enquanto isso, as especulações correm. A hipótese mais imediata é a de um recurso, mas o BRB dá sinais de não ter apetite para seguir adiante. O banco da capital federal declarou que, diante do resultado, “o contrato será rescindido”. Firmado em março, o acordo já havia surpreendido o mercado financeiro e dividido opiniões, atraindo tanto defensores quanto críticos ferrenhos.
No centro da polêmica está a fórmula que impulsionou o crescimento vertiginoso do Master nos últimos anos. Diferentemente dos grandes bancos, que contam com múltiplas fontes de financiamento, as instituições pequenas e médias dependem fortemente dos recursos de seus clientes. Para isso, recorrem à venda de Certificados de Depósito Bancário (CDBs). O dinheiro captado financia linhas de crédito e a compra de títulos que servem de lastro para os próprios CDBs, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários. Quando o investidor pede o resgate, parte desses papéis é vendida para gerar liquidez. O Master, no entanto, adotou uma estratégia mais agressiva. Para atrair depósitos em volume superior ao dos concorrentes, passou a oferecer CDBs com remuneração muito acima da média do mercado. E, para dissipar desconfianças, propagandeia que os papéis contam com a proteção do Fundo Garantidor de Crédito, mecanismo criado para reembolsar clientes em casos de falência ou inadimplência da instituição emissora de um título.

O modelo foi introduzido em 2018, quando Daniel Vorcaro assumiu o controle do Master. Sem trajetória prévia no setor bancário, ele vem de uma tradicional família de empreendedores imobiliários de Belo Horizonte e gosta de se apresentar como um “forasteiro” na Faria Lima, avenida de São Paulo que é o coração financeiro do país. Seu estilo extravagante logo chamou atenção. Em 2023, ganhou as redes sociais ao promover uma festa de debutante para a filha que custou 15 milhões de reais — com direito a transportar o bolo em seu jatinho particular de São Paulo para a capital mineira. O comportamento, classificado por colegas como de “bilionário ostentação”, incomoda parte do mercado. “Pedíamos para que fosse mais discreto, mas ele dava de ombros”, contou a VEJA um ex-sócio, sob anonimato.
Desde meados do ano passado, porém, o banqueiro passou a atrair atenção por um motivo menos glamouroso: a crescente desconfiança em relação ao destino dado ao dinheiro captado por meio dos CDBs. Uma fatia relevante dos recursos foi aplicada em precatórios, dívidas reconhecidas de União, estados e municípios que são pagas quando cabem no Orçamento. Na prática, isso expôs o Master ao risco de calote do poder público, nada desprezível diante da crise fiscal. Outra aposta de risco foi a aquisição de créditos tributários. Em tese, o mecanismo é simples: se um cliente solicita o resgate de um CDB, o banco vende parte dos papéis para devolver o dinheiro. Mas tanto precatórios quanto créditos tributários têm baixa liquidez, porque são ativos difíceis de negociar rapidamente. Assim, o modelo funciona apenas enquanto o volume de resgates permanece limitado. Na virada do ano, ficou evidente que o banco não tinha fôlego para conciliar a saída de recursos com a venda dos ativos e precisaria de uma injeção de capital.

Foi nesse contexto que Vorcaro buscou socorro com o BRB, em janeiro, oferecendo 49% das ações com direito a voto por 2 bilhões de reais. Em março, o acordo foi assinado e, daí em diante, a pressão sobre autoridades e órgãos reguladores para aprová-lo aumentou na mesma proporção em que cresciam as críticas. Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, a oposição ao governador Ibaneis Rocha bateu forte nos riscos de o banco público se associar ao banqueiro. “O BRB tem um papel importante na promoção de políticas públicas”, afirmou o deputado distrital Fábio Felix (PSOL), que ingressou com representações no BC e no Ministério Público contra a transação. “Comprar o Master prejudica sua credibilidade.”
Do outro lado, atua a tropa de choque de Vorcaro, que transita com desenvoltura entre partidos de esquerda e de direita. Coube ao Centrão assumir a linha de frente, munido de um descabido projeto de lei que daria ao Congresso o poder de cassar diretores do Banco Central. Mas a iniciativa gerou forte reação no mercado. “A tentativa de reduzir a autonomia do Banco Central é uma excrescência”, afirma Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor da instituição. O engajamento de políticos apenas reforça a desconfiança da Faria Lima quanto às reais motivações para salvar o negócio e, de quebra, afugenta potenciais compradores. “A situação do Master é única, devido ao seu modelo de operação de alto risco”, afirma Luis Santacreu, analista da agência Austin Rating. É legítimo buscar proteger o sistema financeiro para garantir que o crédito continue irrigando a economia, desde que a saída encontrada não produza novos problemas. Sem o negócio com o BRB, a salvação do Banco Master fica mais difícil. Um cenário possível é que sofra uma intervenção da autoridade do setor financeiro, ou pior, uma liquidação — que equivaleria a uma falência. Resolver o imbróglio exigirá, portanto, decisões firmes e corretas — como as que o Banco Central tomou.
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960