Os planos de Guedes e Tarcísio de Freitas para incentivar a infraestrutura
VEJA teve acesso aos planos do ministro para melhorar o ambiente de negócios do país e evitar um descalabro fiscal passada a pandemia de Covid-19
“O melhor programa econômico de governo é não atrapalhar aqueles que produzem, investem, poupam, empregam, trabalham e consomem”. A máxima poderia ter sido entoada por qualquer liberal inglês do século XIX, ou um seguidor ferrenho de Milton Friedman pelo campus da Escola de Chicago. O autor, porém, é brasileiro e responsável por uma revolução do sistema econômico de um Rio de Janeiro atrasado pelo colonialismo. O industrial Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá, liderou um processo de industrialização do Brasil e a construção da primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro Mauá, em Magé, no estado fluminense. Se não tivesse falecido em 1889, provavelmente Visconde de Mauá morreria de desgosto com a corpulência burocrática formada pelo Estado brasileiro nos quase 150 anos que se seguiram. E, para retomar o crescimento depois da crise do coronavírus, o Brasil deveria recorrer aos livros de história.
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Clique e AssineChancelado pelo presidente Jair Bolsonaro como o “homem que decide a economia”, Paulo Guedes começou a se movimentar para engendrar políticas para encampar, como vem defendendo, a saída do descalabro das finanças do país, passada a pandemia, pela iniciativa privada, para não jogar por terra seu projeto de redução do tamanho do Estado e organização das contas públicas. Em parceria com sua secretaria de Infraestrutura, sob a tutela de Diogo Mac Cord, Guedes desenhou o programa Pró-Infra, listando uma série de projetos que, se aprovados pelo Congresso Nacional, teriam a capacidade de atrair recursos privados para projetos de infraestrutura. Publicamente, o ministro vem defendendo que os gargalos logísticos existentes no Brasil permitiriam que o país virasse um destino interessante para investidores estrangeiros atrás de projetos a longo prazo. Por isso, além de medidas orquestradas em conjunto com o Ministério da Infraestrutura, o ministro ratificou em um estudo o apelo pela aprovação de medidas legislativas que melhorem o ambiente de negócios do Brasil e calcifiquem os caminhos para mitigar os impactos da pandemia.
O relatório aponta ainda que, atualmente, o esgoto de aproximadamente 150 milhões de brasileiros é lançado em lagos e rios sem tratamento, o que vem se apresentando como um dos maiores problemas ambientais do país — e um prato cheio para empresas que se proponham a investir em um grave problema de infraestrutura brasileiro. Segundo estudos do próprio Ministério da Economia, a aprovação do Marco Legal do Saneamento propiciaria investimentos na ordem de 700 bilhões de reais para o setor até 2033, o que, de acordo com a pasta, seria suficiente para gerar cerca de 700 mil empregos na construção civil ao longo dos próximos 14 anos. O ministério calcula ainda em cerca de 140 bilhões de reais o valor de mercado destas empresas, caso privatizadas pelos governos estaduais – o que poderia ser decisivo para o balanceamento das contas públicas destes entes passada a pandemia.
O robusto texto compreende ainda a atração da iniciativa privada para obras do programa Minha Casa, Minha Vida. Chamado de Programa Aproxima, o objetivo da iniciativa é ampliar a oferta de moradias acessíveis para famílias com renda entre dois e cinco salários mínimos nos grandes centros urbanos, a partir do aproveitamento de imóveis da União subutilizados, localizados em áreas urbanas. A iniciativa consistiria em matar dois coelhos numa só cajadada. Guedes vem defendendo publicamente a venda dos terrenos e imóveis da União, como forma de fazer caixa. Segundo a proposta, estes espaços seriam oferecidas ao mercado por meio de edital para apresentação de propostas e poderiam ser comercializados pelas empresas que abarcarem os empreendimentos.
A estimativa de investimentos privados a partir da implementação do programa, segundo a Economia, é da ordem de 114 bilhões de reais em quatro anos. “Há uma série de incentivos para aumentar a concessão na área de energia, como a privatização da Eletrobrás, e o marco regulatório na área de óleo e gás”, diz o presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, a Abdib, Venilton Tadini. Para o segundo semestre deste ano, porém, estavam previstas quatro desestatizações via BNDES, entre elas a da Eletrobras. Agora, estão previstas duas e a Eletrobras passou para o segundo semestre de 2021.
Outro setor abraçado pelo programa é o de telecomunicações. O texto defende a publicação de um decreto que e libera imediatamente mais de 2 bilhões de reais em investimentos represados no setor e gerar mais de 2.500 empregos, além de reduzir o custo de instalação de novas fibras em 30% quando da execução conjunta de obras públicas, por meio da regulamentação da Lei Geral de Antenas. Sancionado pela ex-presidente Dilma Rousseff, a medida unifica regras para instalação e compartilhamento de torres de telecomunicações, hoje determinadas por governos estaduais e municipais. Com a consolidação do projeto de 2015, o governo espera atrair investimentos para a instalação do sistema 5G no país.
Visando resolver gargalos de infraestrutura e reduzir a dependência do país no sistema rodoviário, Guedes inseriu no programa um apelo pela desregulamentação do setor ferroviário e de cabotagem. De acordo com a proposta, a partir de sua aprovação, qualquer empreendedor poderá tomar a iniciativa de construir sua própria ferrovia privada e transportar carga própria ou de terceiros, com liberdade de oferta e de preços. O Ministério da Economia defende ainda que ferrovias ociosas sejam oferecidas, em procedimento público, a operadores privados interessados. “Ademais, ferrovias públicas operantes, após o fim do contrato de concessão, poderão ser leiloadas para a livre exploração privada, caso operem em mercados logísticos competitivos”, disserta a proposta. O programa defende ainda a aprovação do projeto BR do Mar, para ampliar a matriz logística do país.
Como alternativa à atração do investimento privado, o governo prevê a injeção de recursos públicos em fundos de administração privada, para garantir a maior profissionalização da gestão dos aportes — além de permitir que o Governo Federal realize investimentos em infraestrutura, a longo prazo, sem colocar em risco o equilíbrio fiscal, como o possível descumprimento a amarras orçamentárias. “A União continuaria destinando recursos ao fundo, obedecendo a todos os princípios orçamentários e regras fiscais. No entanto, a execução das obras não estaria sujeita aos efeitos de contingenciamentos ou bloqueios dentro dos exercícios”, aponta o relatório.
Para colocar em prática a proposta, o Ministério da Economia deve apresentar ao presidente Jair Bolsonaro uma medida provisória que autorize a União a aportar recursos em fundo de natureza privada, e a publicação de um decreto estabelecendo critérios para contratação do gestor destes recursos, assim como “suas atribuições e forma de remuneração”. Ao final da apresentação, mais uma alfinetada. Guedes e Mac Cord dissertam sobre “o fracasso dos investimentos públicos no passado” e apresentam motivos para o fracasso do PAC idealizado por Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O Ministério da Economia aponta que relatório de obras paralisadas do programa mostrou que, em 30 de junho de 2018, 4.738 empreendimentos se encontravam paralisados, ou seja, 41% da carteira de todas as obras do PAC. O volume de recursos destinado a essas obras entre 2007 e 2018 foi de 69 bilhões de reais e, segundo a pasta, não gerou nenhum benefício para a sociedade.
Dentro do Ministério da Infraestrutura, o ministro Tarcísio Gomes de Freitas vem repetindo à equipe que há ambiente político para o avanço de medidas para desburocratizar os investimentos no setor. Ele relata a procura dos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, para que o governo desenhe propostas para facilitar a atração de dinheiro estrangeiro. Apesar da articulação claudicante do Governo Federal, o Congresso mostra-se responsável e propositivo em matérias de natureza econômica. Em outro ponto da Esplanada, Guedes vem repetindo ao secretariado que o momento nem seria de se discutir saídas para a crise econômica propiciada pela pandemia, mas de engendrar políticas de aporte aos cidadãos mais necessitados e liderar os processos pela manutenção de empresas e, consequentemente, empregos. O Brasil terá que trabalhar muito para transpassar o momento duro. Que seja com responsabilidade — e que, em vez de atrapalhar, o Estado crie condições para que o país saia dessa o mais rápido possível.