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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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O pênalti decisivo de Haddad

Obter apoio de Lula e do mercado para nova âncora testa futuro do ministro da Fazenda

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 fev 2023, 11h48

O destino do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se decide nos próximos 40 dias. Ao antecipar para março o anúncio da nova regra fiscal que vai substituir a atual Lei do Teto de Gastos, Haddad se colocou na posição do centroavante que toma para si a responsabilidade do último pênalti. Se entregar um projeto que sobreviva simultaneamente ao crivo do presidente Lula da Silva, do mercado financeiro e do Congresso, Haddad se consagra e poderá executar a sua política econômica gradualista. Se perder o aval de Lula ou a confiança do mercado, sua gestão fica ameaçada.

Designado pelo ministro para colocar a nova âncora de pé, o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, deu entrevista ao Valor onde o mais importante foi o que não falou. Primeiro o que ele disse:

“O governo vai sinalizar os limites da conduta na área fiscal, seja em termos de crescimento das despesas, seja o resultado primário. Está caminhando para sinalizar uma melhora ao longo do tempo, um equilíbrio entre receitas e despesas que garanta uma solvência de longo prazo, ou um não crescimento explosivo da trajetória de endividamento”.

“Há duas variáveis que determinam todas as outras: receitas e despesas, e a dinâmica entre elas. Elas determinam qual vai ser o resultado primário e a trajetória da dívida, dado o restante das variáveis constantes. Na trajetória da dívida, importa o custo de rolagem da dívida. Dependendo do patamar do custo de rolagem da dívida, tem exigência de um superávit primário maior ou menor para garantir uma trajetória sustentável.   Vamos colocar enfoque no crescimento da despesa, ela vinculada à variação da receita, tudo isso está sendo discutido”.

Como toda fala pública de alguém de segundo escalão sobre um tema em estudo pelo primeiro escalão, a entrevista deve ser lida como um balão de ensaio. É um teste para checar o que o mercado topa sem que o ministro precise se expor em caso de um recuo. Ceron fala de um sistema de superávit primário com uma fórmula anticíclica, permitindo aumentar despesas na recessão e compensá-las na bonança.

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Não perguntado, o secretário não respondeu a uma questão básica, o que acontece caso o governo não cumpra as metas desta nova âncora? Isso é fundamental. Num mercado arisco com o PT, uma regra sem uma punição será vista com um ‘no pain, no gain’. Em caso de descumprimento, o Teto de Gastos previa o cancelamento de reajustes de servidores por dois anos e a punição dos gestores na Lei de Responsabilidade Fiscal. Se o governo Lula apresentar um novo arcabouço sem prever algum gatilho, o mercado terá o pretexto para descartar todo o projeto. E em termos políticos, o mercado tem hoje força no Congresso para incluir uma trava mais forte do que a desejada pelo governo.

Legalmente a proposta do governo para substituir o Teto deve ser enviada ao Congresso até agosto. Haddad inicialmente disse que anunciaria em abril e, agora, antecipou o anúncio para março. É uma decisão inteligente, mas arriscada. Inteligente porque retoma para si a condução da política econômica que vem sendo disputada a céu aberto pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.

É notável que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reproduza em suas falas ipsis litteris as frases do economista André Lara Resende sobre a porcentagem da dívida pública brasileira em reais e não em dólares. Lara Resende é o responsável pelo seminário que o BNDES fará em abril com economistas de várias tendências de esquerda para debater a regra fiscal que Haddad já terá anunciado com o aval de Lula da Silva.

Em entrevista também ao Valor, Lara Resende foi irônico ao falar de Haddad. “Ele (Lula) montou um ministério conciliador (se referindo a Haddad, Simone Tebet e Geraldo Alckmin) que não estava enfrentando a arrogância do Banco Central e (por isso) ele foi obrigado a sair a campo (…).  Haddad não precisa concordar comigo. O ministro é ele. Tem opiniões divergentes dentro do governo, dirá fora”. Assim como os argumentos de economia de Lara Resende viraram mainstream no PT, essa sua crítica à moderação de Haddad é a voz corrente dentro do partido.

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Haddad está nessa situação por responsabilidade de Lula. O presidente gosta do ministro e ele foi a sua primeira opção para o Ministério da Fazenda. Mas a preferência não muda o estilo de Lula como presidente, de atropelar os ministros quando lhe convier. Na quinta-feira, dia 16, por exemplo, Lula anunciou na entrevista à Daniela Lima, da CNN Brasil, a isenção do imposto de renda até 2 salários mínimos sem avisar os ministros Haddad, Simone Tebet ou Luiz Marinho. Lógico que todos sabiam que o tema se encaminhava para essa decisão, mas o momento do anúncio foi escolhido por Lula e por Lula apenas.

Com o presidente despreocupado em mostrar apreço aos ministros, resta a Haddad tentar ganhar as disputas reais no governo. A primeira foi não discutir meta fiscal na reunião do Conselho Monetário Nacional de quinta-feira passada. A próxima tarefa será indicar nomes para a diretoria do Banco Central sem a influência de Gleisi Hoffmann, Aloizio Mercadante ou Rui Costa. Depois vem o início das negociações do ajuste fiscal com o Congresso, que Haddad imprudentemente começou sem se sentar com o presidente da Câmara, Arthur Lira. No final do mês, Haddad terá a queda de braço com a volta da cobrança dos impostos PIS/Cofins sobre combustíveis, que Gleisi Hoffmann e Rui Costa convenceram Lula a não retornar em janeiro. Finalmente em março, haverá o lançamento da nova regra fiscal que precisa se equilibrar entre os conflituosos interesses de Lula, o mercado e os congressistas.

Se os pontos de vista de Haddad forem vitoriosos nessas decisões, o ministro vai fazer um rebranding único. Em dezembro, quando ainda não havia sido confirmado, ele fez uma exposição na Febraban que derrubou as bolsas e elevou o dólar. Ingenuamente crente que Lula indicaria um ortodoxo para tocar a economia, o mercado financeiro ficou apavorado com a hipótese de um ministro da Fazenda de esquerda. Depois de dois meses de convivência, Haddad e o mercado descobriram que precisam um do outro. Haddad só vai ter sucesso se obtiver um mínimo de benefício da dúvida do mercado, o que inclui uma parceria com o Banco Central de Roberto Campos Neto. Já mercado caiu em si que a opção no Ministério da Fazenda a Haddad é Mercadante ou Lara Resende.

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