Quais foram os maiores “micos imobiliários” da história brasileira
Discutir fracassos é ainda um grande tabu no setor
Muito se fala dos grandes êxitos da história do mercado imobiliário, casos de empreendimentos e loteamentos que venderam rápido, se valorizaram ou viraram exemplos de novos modelos de negócios para outras empresas da área. Mas ainda é um tabu discutir os maiores fracassos — e, é claro, o que não faltam são os grandes casos de “micos imobiliários”. Ninguém gosta de tocar no assunto, mas é importante falar dos erros, até para que eles sirvam de exemplo e não se repitam por aí.
Um dos maiores fracassos da história recente do mercado imobiliário brasileiro foi o edifício Suíte Vollard, em Curitiba, no Paraná. Ele foi lançado em 2004 pela Construtora Moro, como símbolo máximo de vanguarda arquitetônica porque trazia como ideia a novidade dos apartamentos girarem 360 graus de forma
individualizada ao longo dos seus onze andares, algo inusitado no mundo, inclusive até hoje.
O projeto chama mesmo atenção. Na estrutura, um anel externo gira a estrutura impulsionado por um motor de 40 cavalos. Assim, cada andar pode se mover de maneira independente, nos sentidos horário ou anti-horário. Apenas a cozinha e o banheiro, por causa dos encanamentos, são fixos . O giro completo do imóvel se dá em sessenta minutos, podendo ser ser ativado por comandos de voz ou por um painel eletrônico instalado na parede. Hoje, há inúmeros imóveis com sistemas de automação, mas isso era bastante incomum há vinte anos.
Passadas duas décadas, o que aconteceu com o ambicioso projeto do Suíte Vollard? Virou um grande mico. O prédio segue vazio, sem nenhum morador ter sequer
comprado alguma unidade de 210 metros quadrados. No início, a desculpa para justificar a falta de clientes era o preço do lançamento na época, que era de quase 2,5
milhões de reais. O valor é caro mesmo, mas, convenhamos, nada muito extravagante para os padrões de empreendimentos de luxo.
O negócio só foi piorando com o tempo. Na fase de construção, mesmo sem interessados em transformar os apartamentos tecnológicos em moradia ou investimento, a obra seguiu em frente e acabou acumulando diversas dívidas, principalmente de IPTU. O passivo chegou a um ponto que dez das onze unidades foram oferecidas duas vezes em leilões, sem nenhum interessado. O problema não foi o preço, diga-se. Em 2018, quando se deu a primeiro leilão, o lance inicial era de 1,4 milhão de reais. Na segunda tentativa, o valor já havia baixado para 850 000 reais. Um novo leilão está programado para acontecer ainda este ano.
Outro prédio que está no topo dos fracassos imobiliários é o Edifício Aquarius, em Belém, que teve suas obras concluídas em 2010. Esse prédio com fachada moderna e um projeto de luxo, voltado para um publico endinheirado, que podia pagar de 2 a 4 milhões de reais por apartamento, foi um sucesso de vendas porque trazia um super diferencial: uma piscina externa individual em cada unidade. Mas ninguém contava que a construtora do empreendimento fosse cometer um erro básico que foi, pasmem, não ter calculado a estrutura para aguentar o peso das piscinas cheias. Anos depois, tentou-se corrigir esse “pequeno detalhe”. Ocorre que a obra não resolveu os problemas de segurança dos moradores, pois os reforços incluídos posteriormente garantiam até um determinado limite de peso — e muita gente continuou insegura.
Se não bastasse o naufrágio das piscinas, o prédio foi palco de mais uma confusão. O proprietário da cobertura duplex, o ex-deputado estadual Luiz Afonso Proença Sefer, resolveu construir mais um piso em sua unidade, inclusive com elevador, sem a aprovação necessária da assembleia do condomínio e sem o aval dos órgãos públicos de fiscalização competentes. Depois da denúncia dos vizinhos, a justiça mandou demolir no ano passado a obra já realizada, ordenando que a unidade voltasse ao tamanho e estrutura originais.
Quando se analisa esses e outros casos de fracassos, fica claro como é essencial um bom planejamento do empreendimento em todas as fases. O cuidado começa na concepção do projeto, com a realização de um estudo de demanda para saber se aquele tipo de empreendimento será bem aceito no mercado. Durante a obra, é fundamental também aa contratação de profissionais competentes para executar o projeto e acompanhar e checar todas as etapas da execução dele.
A legislação tem artigos específicos “anti-micos imobiliários”. A Lei 4.591/64, que rege a Incorporação Imobiliária, estabelece um prazo de carência de 180 dias para o incorporador desistir do empreendimento. Ou seja, se nesse período o projeto não vingar comercialmente, ele pode desistir da sua incorporação, não se obrigando a concluir a obra. Também o Código de Defesa do Consumidor defende os interesses dos compradores, estabelecendo diversas normas que devem ser respeitadas em um contrato de venda de unidade imobiliária. O incorporador deve se responsabilizar pelo que está sendo vendido. Caso contrário, o contrato pode ser rescindido com incidência de multas pesadas.