Como a diretoria da Americanas omitiu fraude do conselho de administração
Diretoria criava relatórios fictícios, feitos unicamente para agradar os conselheiros
Os executivos da Americanas envolvidos nas bilionárias fraudes contábeis criaram diversas estratégias para que o conselho de administração não detectasse as irregularidades, como a apresentação de documentos com números maquiados, feitos especificamente para impressionar o board. Por isso, esses relatórios eram chamados pelos participantes do esquema de “Visão Conselho”.
Segundo a decisão judicial que autorizou a operação da Polícia Federal nesta quinta-feira, 27, que cumpriu mandados de busca, apreensão prisão preventiva contra os acusados, funcionários da companhia que aceitaram colaborar com as investigações contaram que “os membros do conselho de administração que não participavam do processo de fechamento eram induzidos a erro, pois não lhes eram apresentados os valores reais das operações.”
Ainda de acordo com a decisão judicial de hoje, o ponto de partida para ludibriar os conselheiros era a confecção de orçamentos anuais fictícios, que continham metas para as principais linhas da demonstração de resultados (DRE), bem como para indicadores apreciados pelo mercado, como o nível de endividamento.
Segundo os depoimentos colhidos pela PF, “sempre esteve claro que o orçamento era um número que muito provavelmente não seria alcançado, porque era elaborado com base nos números publicados nos anos anteriores, já manipulados e melhorados irregularmente, tornando assim improvável o seu atingimento”.
Os investigadores acrescentam que “eram números que só existiam no papel e tinham por objetivo oferecer ao conselho de administração uma visão melhorada da condição econômico-financeira real das companhias [Lojas Americanas e B2W, posteriormente fundidas na Americanas SA]”.
Para que o orçamento fictício fosse cumprido, o esquema atuava no que era chamado fechamento mensal de resultados. Segundo as investigações, nesse processo, eram “implementados os mecanismos fraudulentos”, em que “os orçamentos eram utilizados como referência para definição dos resultados indevidamente melhorados que seriam transmitidos ao mercado”.
De acordo com a decisão judicial desta quinta, agradar investidores e analistas era tão importante, para os envolvidos, quanto enganar o conselho de administração. Para tanto, “uma das estratégias do grupo era incrementar os números reais para que ficassem próximos do que era esperado pelo mercado”.
As referências eram os relatórios de analistas com estimativas de resultados, comuns em temporadas de divulgação de balanço. Os participantes do esquema reuniam essas projeções num arquivo chamado de “Verdes e Vermelhos”, que era usado para calibrar os números que seriam mostrados aos conselheiros e aos demais stakeholders. Os ajustes eram explicitamente ordenados pelos integrantes de maior nível hierárquico para envolvidos de níveis inferiores, que tratavam de implementá-los.
De acordo com a Polícia Federal, havia, pelo menos, cinco níveis hierárquicos no esquema de fraudes. No topo, estava o então presidente da Americanas, Miguel Gutierrez. Em segundo lugar, vinha Anna Saicalli, CEO da B2W. Abaixo deles, havia pelo menos mais três camadas com diferentes graus de autonomia e poder de decisão. O quinto nível era composto por funcionários que “apenas agiam em cumprimento às ordens de seus superiores, na hierarquia das companhias, em estrita subordinação, sem qualquer poder de decisão, objetivando apenas a manutenção de seus empregos.”
Na manifestação da Justiça publicada hoje, fica-se sabendo que onze executivos embolsaram 288,3 milhões de reais com a venda de suas ações entre agosto de 2022 e janeiro de 2023. Segundo a Polícia Federal, esses diretores se valeram da informação privilegiada de que Gutierrez seria substituído por Sergio Rial no comando da Americanas. Temendo que a nova gestão descobrisse as fraudes, se desfizeram de suas ações, a fim de evitar prejuízos quando o caso viesse à tona.
A Justiça autorizou a Polícia Federal a realizar, nesta quinta, uma operação de busca, apreensão e prisão preventiva contra envolvidos nas fraudes da Americanas, descobertas em janeiro do ano passado e que culminaram no seu pedido de recuperação judicial, após reconhecer uma dívida de mais de 40 bilhões de reais.