Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br
ASSINE VEJA NEGÓCIOS
Imagem Blog

O seu, o meu, o nosso

Por Ricardo Humberto Rocha Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Professor e coordenador do Programa Avançado em Finanças do Insper. Fatos, dados e histórias do mundo do dinheiro

A nova arquitetura das finanças globais

Como a sustentabilidade, a tecnologia e a ética estão redesenhando os fundamentos do sistema financeiro mundial — do BIS à tokenização

Por Ricardo Humberto Rocha
Atualizado em 13 out 2025, 11h28 - Publicado em 13 out 2025, 11h05

Olá a todos.

Nesta coluna quero compartilhar com você, leitor e leitora de VEJA e VEJA Negócios, algumas ideias e reflexões sobre a importância do capitalismo como mola propulsora da criação de valor — e sobre como as finanças, quando guiadas por ética, responsabilidade e princípios ESG, são o principal vetor dessa transformação.

“A curiosidade, instinto de complexidade infinita, leva por um lado a escutar às portas e por outro a descobrir a América.”Eça de Queiroz

A reflexão de Eça ecoa com força no início do século XXI, quando a humanidade aplica esse mesmo impulso de descoberta à economia, às finanças e à tecnologia. Estamos, novamente, diante de um tempo em que a curiosidade nos move a reconstruir os alicerces do mundo — desta vez, por meio da inovação financeira, da transição verde e da busca por uma economia mais ética e sustentável.

Vivemos uma era de reconstrução silenciosa. A economia mundial passa por uma transformação tão profunda quanto a que marcou a Revolução Industrial ou o surgimento da internet. No centro desse movimento está a tentativa de redesenhar os alicerces do sistema financeiro, tornando-o mais sustentável, mais tecnológico e mais transparente. Essa é a nova arquitetura das finanças globais — um mosaico em que se entrelaçam a transição verde, a política monetária, a digitalização e as exigências ESG (sigla em inglês para ambiente, social e governança) de uma sociedade que cobra coerência entre discurso e prática.

Quando pensamos em finanças, imaginamos bancos, bolsas e corporações. Mas há camadas estruturais que sustentam tudo isso: as infraestruturas de mercado financeiro — sistemas de pagamento, câmaras de compensação, depositários centrais e repositórios de transações. São engrenagens silenciosas que garantem que salários sejam pagos, títulos liquidados e contratos honrados. Sem elas, o sistema global entraria em colapso em questão de horas.

Continua após a publicidade

É nessas camadas estruturais que atuam instituições internacionais como o Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements – BIS, www.bis.org), o Comitê de Basileia para Supervisão Bancária e a Organização Internacional das Comissões de Valores (International Organization of Securities Commissions – IOSCO, www.iosco.org). Elas definem as regras que, embora técnicas, determinam a estabilidade do crédito e a confiança no dinheiro. O que parece distante da vida cotidiana é, na verdade, o que mantém o cartão funcionando, a conta bancária segura e o financiamento da casa própria possível.

As regras de Basileia, elaboradas no âmbito do BIS desde 1988, são talvez o mais importante conjunto de normas prudenciais da história moderna das finanças. O Acordo de Basileia I estabeleceu que os bancos deveriam manter capital mínimo equivalente a 8% de seus ativos ponderados pelo risco — uma forma de garantir que tivessem reservas para absorver perdas inesperadas. O Basileia II, lançado em 2004, introduziu os “três pilares”: exigência de capital, supervisão regulatória e disciplina de mercado. Já o Basileia III, desenvolvido após a crise de 2008, acrescentou indicadores de liquidez, colchões anticíclicos e limites de alavancagem.

Essas normas não são apenas um exercício técnico. Elas formam a espinha dorsal da confiança financeira global. É graças a elas que os bancos precisam manter liquidez suficiente para enfrentar retiradas em massa, controlar riscos de mercado e registrar operações com transparência. São mecanismos que, no fim das contas, asseguram que a poupança de milhões de pessoas não se perca em crises de confiança.

Mas o cenário mudou. Após o colapso de 2008, duas inovações mudaram o curso da história financeira: as criptomoedas, que propuseram um sistema descentralizado baseado em confiança algorítmica, e as fintechs, que trouxeram agilidade, personalização e inclusão. Ambas desafiaram o modelo bancário tradicional e forçaram reguladores a repensar suas estruturas.

Continua após a publicidade

A tokenização de ativos surge, assim, como o elo natural entre esses mundos — o digital e o regulado. Ela combina o espírito inovador das criptos com a segurança institucional das finanças tradicionais. É o caminho que une tecnologia, governança e eficiência, transformando ativos reais — imóveis, contratos, recebíveis — em representações digitais seguras, negociáveis e rastreáveis.

Mas toda revolução traz dilemas. A transição verde, por exemplo, impõe desafios à política monetária. Restrições ao uso de combustíveis fósseis geram choques de oferta, pressionam preços e criam uma inflação de novo tipo — aquela que nasce do esforço coletivo de tornar o planeta sustentável. Combater essa inflação com juros elevados pode frear justamente os investimentos que sustentariam a descarbonização.

É o dilema do nosso tempo: equilibrar estabilidade e inovação. Subir juros demais esfria a economia e encarece o crédito para tecnologias limpas; tolerar inflação demais mina a credibilidade e o poder de compra das famílias. Nesse vácuo, o mercado de capitais assume protagonismo. É ele que define para onde o dinheiro vai.

O avanço dos green bonds, dos fundos ESG e das operações de securitização de créditos de carbono mostra que a poupança global começa a ser redirecionada para financiar a transição. Mas o caminho ainda é irregular. Falta padronização, sobram riscos de greenwashing, e as taxas de juros elevadas reduzem a atratividade dos projetos sustentáveis. O petróleo, por sua vez, continua a ser o obstáculo e o termômetro. Quando o preço do barril sobe, pressiona a inflação e força políticas monetárias mais duras; quando cai, desincentiva investimentos em energia limpa.

Continua após a publicidade

Nesse contexto, a inovação financeira precisa se tornar aliada da sustentabilidade. Tesouros Nacionais podem emitir títulos verdes com incentivos fiscais e auditoria independente, mobilizando poupança para o futuro. Um título “Descarboniza+”, por exemplo, com prazos longos e juros atrelados a metas ambientais, seria um símbolo de política fiscal a serviço da transição.

Enquanto isso, a tokenização abre novas fronteiras. Com apoio do Banco Central, da CVM e da B3, o Brasil vem liderando experiências que unem finanças e tecnologia. O Drex, moeda digital brasileira em fase piloto, é o embrião de uma infraestrutura em que pagamentos, liquidação e registro de ativos ocorrem de forma integrada e programável. É o mesmo princípio que o BIS defende em seu conceito de ledger unificado, no qual moedas digitais, tokens e contratos automatizados coexistem num só ambiente.

Essa convergência promete mais liquidez, mais inclusão e menos burocracia. Ativos antes restritos a investidores institucionais — como debêntures, CRIs ou contratos agrícolas — podem ser fracionados e negociados por meio de plataformas seguras, com regras automáticas de pagamento e garantias digitais. O sistema financeiro, nesse novo desenho, deixa de ser um castelo fechado e se transforma em uma rede interconectada, inclusiva e transparente.

Mas inovação sem prudência é um convite à instabilidade. A história mostra que a tecnologia, quando avança mais rápido que a regulação, costuma gerar bolhas e crises. Por isso, o desafio agora é garantir interoperabilidade, segurança cibernética e educação financeira. O FMI (Fundo Monetário Internacional) e a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) alertam que, sem padrões comuns, o mundo digital pode reproduzir os mesmos riscos que Basileia tentou mitigar: fragmentação, liquidez escassa e desconfiança.

Continua após a publicidade

A nova arquitetura das finanças globais não é apenas técnica — é ética. ESG não é moda, é compromisso com o futuro. Inovar, agora, significa integrar objetivos econômicos, sociais e ambientais em uma só equação. O sistema financeiro do século XXI será verde, digital e transparente — ou não será estável.

Essa transição exige coordenação entre política fiscal, monetária e regulatória. Bancos centrais, tesouros, bolsas e organismos internacionais precisarão atuar de forma orquestrada, equilibrando prudência e ousadia. Só assim será possível compatibilizar crescimento, estabilidade e sustentabilidade.

A nova arquitetura das finanças globais é, no fundo, uma reconstrução moral e técnica do capitalismo. Ela pede menos opacidade e mais responsabilidade, menos especulação e mais propósito. Exige que governos, empresas e investidores entendam que inovação, quando guiada por princípios, é a força mais poderosa de transformação econômica.

Em Finanças para uma Boa Sociedade, o prêmio Nobel Robert J. Shiller lembra que as finanças, longe de serem um mal necessário, são um instrumento moral da civilização — uma forma de organizar a esperança. Elas financiam sonhos, reduzem riscos e constroem pontes entre o presente e o futuro. “As finanças”, escreve Shiller, “não são sobre dinheiro, mas sobre a gestão dos riscos da vida.” Essa é a essência de uma boa sociedade: usar o capital para ampliar possibilidades humanas, e não para restringi-las.

E, no espírito de Adam Smith, em “Teoria dos Sentimentos Morais”, é preciso lembrar que nenhuma inovação, por mais brilhante, subsiste sem confiança. O progresso econômico nasce não apenas da busca individual por ganhos, mas da capacidade coletiva de agir com empatia, integridade e senso moral. A tecnologia pode acelerar o dinheiro, mas é a confiança que o faz circular. Inovar é indispensável; manter o elo humano, essencial.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

ÚLTIMA SEMANA

Digital Completo

O mercado não espera — e você também não pode!
Com a Veja Negócios Digital , você tem acesso imediato às tendências, análises, estratégias e bastidores que movem a economia e os grandes negócios.
De: R$ 16,90/mês Apenas R$ 2,99/mês
ECONOMIZE ATÉ 59% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Veja Negócios impressa todo mês na sua casa, além de todos os benefícios do plano Digital Completo
De: R$ 26,90/mês
A partir de R$ 10,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a R$1,99/mês.