O Brasil vive um cenário desafiador: tem 80% dos seus jovens entre 18 e 24 anos fora do ensino superior, sem acesso ao conhecimento do mundo do trabalho e, na maioria das vezes, tentando conciliar teoria e prática em empregos precários. “Corremos o risco de ter gerações futuras dependentes de políticas assistencialistas para sobreviver, por não terem tido alternativas de desenvolvimento profissional”, afirma Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho (IET), nesta entrevista à coluna.
A instituição faz parte da Fundação Itaú para Educação e Cultura. Atua há mais de uma década no apoio a políticas de educação profissional e tecnológica, em parceria com entidades civis e o poder público. Em 2021, o IET desenvolveu projetos em 16 Estados, com a formação de cerca de 4 mil novos profissionais da educação, entre outras realizações.
Nesta entrevista, Inoue salienta a necessidade de se estabelecer políticas públicas para que os jovens possam iniciar sua vida profissional com qualidade. “É imprescindível investir hoje no fomento à educação profissional, com atuação intersetorial, com definição de responsabilidades dos entes federativos, na avaliação dos cursos para garantir qualidade.” Ela também fala sobre o movimento de bancos e hospitais que decidiram criar suas próprias faculdades. Segundo a especialista em educação e trabalho, o setor privado também tem responsabilidade social e deve contribuir para o desenvolvimento da nação.
As empresas enfrentam hoje o desafio de achar profissionais qualificados nas mais diversas áreas. Por que, em sua opinião, isso acontece hoje no Brasil? Onde se errou?
O Brasil vive um cenário muito desafiador, pois tem apenas 20% dos seus jovens no ensino superior e os outros 80% fora das universidades, sem conhecimento do mundo do trabalho e, na maioria das vezes, aprendendo a trabalhar na prática, sem formação prévia e em ocupações precárias. A última política pública universal para os jovens do Brasil, hoje, é o Ensino Médio. Portanto, é urgente oferecer alternativas para esses jovens e estabelecer políticas que os apoiem na etapa inicial da jornada profissional. A Educação Profissional e Tecnológica (EPT), nesse contexto, contribui para uma inserção digna no mundo do trabalho, facilita a transição da vida escolar para a vida profissional e estimula a continuidade dos estudos.
Por sua experiência em educação, a formação educacional tradicional não serve mais? Está desatualizada? Por quê?
O currículo do Ensino Médio regular precisa ser mais abrangente e atraente aos estudantes. Por isso, a partir de 202 todas as redes de ensino podem oferecer cinco itinerários formativos aos estudantes, entre os quais o de Educação Profissional e Tecnológica. É uma oportunidade valiosa para garantir o desenvolvimento integral do estudante, articulando a educação básica com a formação profissional. A teoria e a prática devem ser complementares, tendo o trabalho como princípio educativo. Porém, há muitos desafios ainda para implementar a educação profissional com qualidade em todas as escolas do País.
Como vê a iniciativa de bancos, ou mesmo de centros médicos, que criaram faculdades próprias para buscar mão de obra qualificada? Isso é positivo para o País ou se perdem recursos que poderiam ser repassados ao sistema público? Existe o risco de se ampliar o abismo na formação profissional dos jovens brasileiros?
Ter novas faculdades com ensino de qualidade é essencial para o Brasil, pois não temos vagas para abrigar todos os jovens que saem do Ensino Médio, por exemplo. Além disso, o setor privado tem responsabilidade social de contribuir com o desenvolvimento da nação. Neste sentido, a partir do monitoramento de casos de sucesso e referências internacionais, constatamos que o apoio e a aproximação do setor produtivo com as redes de educação públicas são ações efetivas e que geram impactos em escala maior do que formações isoladas.
O País corre o risco de perder o bônus demográfico?
Sim. Se não atuarmos agora para oferecer aos jovens formas para se desenvolverem com qualidade, atingirem seus projetos de vida, se tornarem produtivos e, desta forma, contribuírem com o País, vamos perder uma oportunidade única. Corremos o risco de ter gerações futuras dependentes de políticas assistencialistas para sobreviver, por não terem tido alternativas de desenvolvimento profissional. O percentual da população de 15 a 29 anos vem reduzindo em média 1% ao ano desde 2004, enquanto a de mais de 60 anos aumenta em 2%.
Como corrigir esse problema e melhorar a formação dos jovens? Isso passa pelo remanejamento de verbas públicas, criação de novos programas, mudança do currículo? O governo deveria priorizar alguma(s) área(s)?
É urgente a criação de uma Política Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, que estabeleça uma estrutura de governança e diretrizes para garantir a expansão qualificada dessa modalidade de ensino no país. É imprescindível hoje investir no fomento à educação profissional, com atuação intersetorial, com definição de responsabilidades dos entes federativos, na avaliação dos cursos para garantir qualidade, entre outras ações importantes. O setor produtivo tem muito a contribuir com esse processo, ao colaborar com a construção dos currículos dos cursos, garantir que a oferta esteja alinhada ao potencial econômico local e aos anseios das juventudes.
Acha que, da forma como está estruturado hoje, o ensino superior deixou de ser fundamental no Brasil?
Não, o ensino superior é fundamental e devemos promover cada vez mais acesso dos jovens às universidades. O problema do Brasil é que apenas 20% dos jovens de 18 a 24 anos estão no ensino superior. É uma taxa ainda baixa, apesar do crescimento de 70% que tivemos de 2002 a 2015 no acesso à graduação. Precisamos repensar o sistema de formação profissional no Brasil, a partir de uma realidade que muda com grande velocidade, impactada pela tecnologia e globalização. Hoje, a principal via de formação profissional no País está sob a responsabilidade das universidades. Podemos e devemos ampliar os caminhos de formação para que os jovens se aproximem do mundo do trabalho ao longo da escolaridade.
E como fica o desenvolvimento científico, que também impacta as empresas?
É fundamental que o País atue para democratizar o acesso às universidades e promova investimentos em ciência e tecnologia. Por isso, precisamos investir na formação das juventudes, pois são elas que tomarão as decisões de amanhã. A Educação Profissional e Tecnológica tende a contribuir com o contínuo progresso profissional dos jovens e com o posterior desenvolvimento científico que acontece no ambiente das universidades. Vale destacar que a EPT de qualidade que defendemos busca responder às demandas do século XXI, estar associada à tecnologia e às transformações que ela promove, produzindo conhecimento em temas atuais e urgentes.
Quais os novos projetos em estudo pelo Itaú Educação e Trabalho? Novas áreas e montante investido? Há possibilidade de investir também no ensino superior?
Nós atuamos essencialmente para apoiar e incentivar a implementação de políticas de Educação Profissional e Tecnológica. Todo trabalho é centrado em ampliar o número de matrículas na EPT, oferecer mais qualidade nesta modalidade e contribuir para a inclusão digna dos jovens no mundo do trabalho. Desenvolvemos também estudos, pesquisas, evidências que são fundamentais para analisarmos o cenário de EPT no Brasil e atuar de maneira assertiva com políticas públicas.