O ponto polêmico do incentivo a delações de funcionários
A prática de incentivos financeiros para funcionários e ex-funcionários, como no caso da Americanas, ainda gera divisão entre empresários e banqueiros
O imbróglio envolvendo o rombo contábil da Americanas – e que ainda parece longe de um final feliz – viveu nos últimos dias mais uma polêmica. Desta vez, a partir da informação de que os ex-executivos que decidiram delatar o que acontecia nos bastidores da varejista foram incluídos num Programa de Incentivo à Colaboração (PIC). Trata-se de um tipo de acordo que ficou conhecido no Brasil depois da eclosão de outro escândalo, o da Lava Jato, e que beneficia – a priori, financeiramente – eventuais delatores.
A coluna foi ouvir empresários de diversos ramos e banqueiros para entender como o mundo dos negócios vê essa questão. Há os que defendem: “A empresa pode e até deve (oferecer o incentivo), para poder descobrir a verdade”, afirma um banqueiro. Outros reprovam: “O principal aspecto do incentivo é a perda da espontaneidade. O colaborador se vê influenciado a atender ao interesse daquele que lhe paga”, afirma um empresário.
A linha que divide ambos os lados em relação ao PIC é tênue. Embora não fira a lei, a prática ainda gera polêmica porque esbarra com condutas de boa governança da companhia, salvaguardadas pelo chamado “compliance”. No contexto corporativo, as regras de “compliance” têm o objetivo de garantir que as empresas operem dentro da legalidade e da ética.
A delação premiada pode ser vista como um mecanismo de proteção, mas também pode criar um ambiente de desconfiança e insegurança. As empresas devem ter políticas claras que definam como lidar com denúncias, promovendo uma cultura de transparência e responsabilidade, evitando assim que a delação se torne uma prática comum para resolver conflitos internos.
Incentivar delações dentro ou fora de uma empresa, com ex-funcionários, sem um quadro legal adequado pode ser problemático e potencialmente ilegal com base em diversas legislações, incluindo o Código Civil, o Código Penal e a Constituição federal. Entenda-se por “quadro legal adequado” um conjunto de normas e procedimentos que regulam a prática de delações dentro da empresa. Isso inclui:
- Políticas de compliance: estabelecem diretrizes claras sobre como denúncias devem ser tratadas, garantindo proteção ao denunciante e evitando retaliações;
- Acordos de leniência: formalizar processos que permitam a colaboração com investigações, respeitando as leis aplicáveis; e
- Treinamento e conscientização: promoção de educação dos funcionários sobre direitos e deveres, garantindo um ambiente de trabalho ético e seguro.
Assim, promover delações sem um quadro legal de proteção pode resultar em consequências legais e éticas importantes para a empresa. Esse capítulo no caso da Americanas está posto. Cabe às autoridades que trabalham no caso, como Ministério Público (MP) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), definirem qual caminho desejam seguir com base nas leis vigentes.