Findas as eleições presidenciais mais disputadas desde a redemocratização, o Brasil apresenta uma topografia política complexa. A complexidade do cenário político se evidencia por aspectos essenciais que mencionamos a seguir.
Destaca-se o fato de o ex-presidente Lula (PT) ter vencido com o resultado mais apertado já visto em eleições presidenciais desde a redemocratização. E sua vitória decorreu muito mais da rejeição ao atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), do que a uma adesão às suas ideias e programas, que, no geral, foram escassamente debatidos.
O segundo aspecto é que o novo presidente foi eleito com um apoio original minoritário do novo Congresso Nacional, o que implicará amplas negociações com os vários partidos. Tal aspecto não é novo, mas, por causa do ambiente de polarização política, é mais desafiador. Especialmente pelo fato de o perfil do Congresso ser, claramente, de centro e de centro-direita. O terceiro aspecto refere-se ao fato de o Congresso acumular poderes que não existiam na era Lula. Tema que já abordei exaustivamente aqui mesmo.
Como o presidente estará limitado em seus poderes, a atuação dos presidentes da Câmara e do Senado terá papel relevante na construção de maiorias no Parlamento. Ter uma boa relação com ambos será crucial para a governabilidade. Vivemos, na prática, um sistema semiparlamentarista. As eleições dos novos comandantes do Congresso serão o grande acontecimento político do novo ano.
“Ele foi eleito com apoio original minoritário do Congresso, o que implicará amplas negociações”
No âmbito institucional, fica claro que o presidente da República terá o desafio de estabelecer um bom relacionamento entre os Poderes Executivo e Judiciário e, também, com os governadores. O Judiciário deverá se manter forte, atuante e ativista. Assim como partidos e entidades associativas e sindicais continuarão a provocar a judicialização de decisões políticas em um ambiente de profusão de decisões monocráticas das Cortes Superiores.
Lula volta ao poder em um ambiente de maior multipolaridade de grupos organizados de pressão que disputam poder e recursos. Nesse sentido, Lula terá de construir pontes de entendimento com os militares, o agronegócio e os evangélicos e, ao mesmo tempo, manter o apoio de grupos sindicais e da sociedade civil que o apoiam. Ainda no âmbito institucional, o mapa da governabilidade impõe construir um entendimento entre a equipe econômica do novo presidente e o presidente do Banco Central, que terá mandato até fevereiro de 2024.
Por fim, a agenda inicial do novo presidente traz tanto questões relacionadas à sua pauta quanto questões que já estão postas, como a extensão do Auxílio Brasil, o debate sobre o teto de gastos e, ainda, as pressões por reajustes salariais. Enquanto não houver uma definição clara de qual será a política econômica do governo e quem será o seu comandante, as questões fiscais continuarão gerando incertezas quanto aos rumos do novo governo.
A acidentada topografia política do Brasil em 2023 apresenta características inéditas para o presidente eleito e que não existiam em seus mandatos anteriores. Tal cenário exigirá, certamente, perícia e busca por consensos em um ambiente de polarização que não desaparecerá rapidamente. Bem como ativa e qualificada participação da sociedade civil.
Publicado em VEJA de 9 de novembro de 2022, edição nº 2814