
Depois do carnaval e da caravana para a Terra do Sol Nascente, a política brasileira, mais uma vez, reinicia sua habitual turbulência com o pouso de Lula vindo do Japão — e, com ele, a tentativa de retomar algum controle sobre uma agenda que insiste em escapar do Planalto. No rastro da viagem, está uma pauta legislativa densa e cheia de armadilhas: reforma da renda, vetos presidenciais que ainda precisam ser negociados, uma reforma ministerial inconclusa, indicações para agências reguladoras e um clima de instabilidade que permanece, mesmo sob o verniz diplomático das agendas institucionais.
A presença de lideranças do Congresso na comitiva presidencial foi um movimento calculado. Lula quer reabrir canais, ouvir, seduzir, aliviar tensões. Mas Brasília não muda com jantares nem discursos fora de casa. A disputa continua viva, e os interesses cruzados ficam ainda mais expostos à medida que as eleições se aproximam. No centro dessa tensão, uma questão que nunca deixou de preocupar: o alcance das emendas parlamentares. O Orçamento da União segue dominado por essa disputa institucional.
“O Brasil continua sendo um país de oportunidades, mas tem que deixar de ser controlado pelo oportunismo”
O retorno de Lula também acontece no momento em que o STF transforma Jair Bolsonaro em réu. A decisão é um marco. Institucionaliza o que já se sabia e estimula o debate sobre a difícil aprovação de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. A eventual condenação de um ex-presidente terá repercussões sérias. Nos corredores do Congresso, a pressão por um projeto que alivie a situação dos militares e civis condenados aumenta — mas, até aqui, não há maioria sólida para levar a proposta adiante. Ainda assim, o tema é uma sombra constante sobre a pauta do Legislativo, e sua presença contamina outras votações.
No campo fiscal, o mercado ainda não digere bem o desempenho da equipe econômica. Já está trabalhando em modo eleição. A elevação dos juros favorece os “rentistas”. Por outro lado, desperta dúvidas sobre a capacidade do governo de rolar a sua dívida. O debate sobre a tributação de dividendos entra nesse caldo. Enquanto o governo tenta emplacar justiça fiscal, o investidor se pergunta se não é melhor sair do jogo produtivo e apostar tudo no rendimento isento. O setor privado está meio abandonado no Congresso. A preocupação dos deputados é com a perda de receita por estados e municípios.
A tentativa de reorganizar a política fiscal pela via da “reforma da renda” esbarra em um dilema fundamental. Há um descompasso crônico entre a estratégia do governo, a disposição do Congresso em fazer parte de um projeto de médio prazo que pode turbinar as chances de Lula nas eleições de 2026 e, ainda, a possibilidade de desagradar a eleitores beneficiados com a isenção do IR. Nem tudo, porém, é sofrimento. Os investimentos em infraestrutura estão sendo turbinados pelas concessões e parcerias públicas. O Brasil continua sendo um país de oportunidades, mas tem que deixar de ser controlado pelo oportunismo. Enfim, o país opera num tabuleiro onde os atores jogam com objetivos distintos e onde o tempo político do Executivo não se alinha mais com os protagonistas das instituições que o cercam. Em Brasília, impera a lei de Murici: é cada um por si e Deus por alguns. O jogo recomeça com o mesmo dilema de sempre: como governar num sistema que se tornou refém de si mesmo e onde a governabilidade depende menos de programas e mais de pacotes, agrados, gentilezas e traições.
Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937