É adequado o agro exportar se existe fome no país?
O problema da fome é causado pela escassez de renda das pessoas
Uma crítica comum está na relação entre as exportações do agro, que acumulam recordes e a fome, ainda tristemente presente no Brasil. A pergunta frequentemente ouvida se faz: “afinal, por que devemos apoiar as exportações, se internamente, muitas pessoas ainda não têm alimentação adequada?”. A comparação direta entre os dois aspectos não é adequada, pois as vendas externas ajudam a combater a fome. Em 2023 o Brasil exportou US$ 340 bilhões, sendo que praticamente metade desta receita (US$ 167 bilhões) veio dos embarques de produtos do agro. Do lado das importações, o Brasil “comprou” US$ 241 bilhões, enquanto o agro importou apenas US$ 17 bilhões. Ao final do ano, o saldo (balança comercial) do país fechou em quase US$ 100 bilhões enquanto o do agronegócio ficou em US$ 150 bilhões. Tirando o agro o país acumula um déficit de US$ 50 bilhões. Portanto as exportações do agro foram as responsáveis para financiar as importações, inclusive de alguns alimentos para abastecer a população.
As exportações não significam descaso com o mercado nacional, e sim uma forma de equilibrar e diversificar a renda, reduzindo riscos e aumentando a competitividade. As receitas geradas exercem um papel crucial na estabilidade econômica do país, para criação de empregos, o controle da inflação, melhorias em infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico, além, é claro, do importante papel de contribuir para garantia da segurança alimentar global.
A quantidade de alimentos produzida no país é suficiente para abastecer o mercado interno e ainda ter um excedente para exportações. Além disso, alguns dos produtos básicos que fazem parte do cardápio do brasileiro, como o arroz e o trigo, por exemplo, apesar de sobrarem áreas para seu cultivo, ainda não são produzidos em quantidade suficiente, não pelo fato de que os agricultores “preferem plantar soja ou milho, commodities de exportação”, mas por limitações de renda existentes no cultivo dessas plantas, como a questão climática (exigem temperaturas mais baixas), de chuvas, solo, entre outros fatores que devem ser combatidos pela pesquisa, inovação e desenvolvimento.
A fome no país não é resultado das exportações, mas, sim, da falta de renda. Qualquer pessoa que tenha renda consegue comprar alimentos a preços competitivos. O agro ajuda a diminuir a escassez de renda, pois milhões de pequenos, médios e grandes produtores e trabalhadores rurais são responsáveis por 23,8% do PIB nacional, com um total de R$ 2,58 trilhões, além de gerar 28,6 milhões de empregos (CEPEA/CNA). Quando um produtor de soja investe seu capital na produção da cultura, são cerca de R$ 4.000 por hectare com diversos tipos de insumos, produtos comercializados por empresas locais, que geram empregos diretos e indiretos, que com sua renda movimentam supermercados, restaurantes, comércios, academias e outros, em um ciclo contínuo que ilustra a “distribuição de renda”.
Diversas ações melhorariam o acesso das pessoas à renda e consequentemente aos alimentos. Como exemplos: a) aprimorar a infraestrutura de distribuição e logística, uma vez que elevam os custos e diminuem a nossa competitividade; b) investir em educação e capacitação para que milhares de vagas de trabalho (abertas) sejam preenchidas; c) auxílios Governamentais devem ser aperfeiçoados para as pessoas encontrem empregos; d) apoio aos pequenos e médios produtores com crédito, assistência técnica e outros serviços; e) política econômica sólida para controle da inflação, redução de juros e crescimento; f) políticas de redução do desperdício de alimentos, entre outras.
O agro tem um papel importante para o abastecimento nacional e internacional. A fome não é reflexo da escassez de alimentos, mas sim de escassez de renda. Precisamos de políticas que priorizem os investimentos, a geração de empregos e criação de oportunidades, para que as pessoas desenvolvam sua renda e comprem alimentos, que aqui no Brasil se encontram em abundância.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) da Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em harvenschool.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves). Agradecimentos a Vinícius Cambaúva e Rafael Rosalino.