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Armstrong, Aldrin e Bellman

Programação Dinâmica: do pouso na Lua à encrenca da Enel

Por Gabriel Nicolosi
Atualizado em 18 out 2024, 12h12 - Publicado em 18 out 2024, 10h27

Ao leitor aficionado por tecnologia, história ou até mesmo pela temática do “espaço sideral”, peço sua paciência em relação ao título desse artigo – e já adianto: você está correto! Ao contrário de Neil Armstrong e Buzz Aldrin, em 20 de julho de 1969, Richard Bellman não estava na Lua (e tampouco era um astronauta). Contudo, assim como nos respectivos protagonismos de Oppenheimer e Dantzig na criação da bomba nuclear e da Pesquisa Operacional (vide as duas primeiras edições da minha coluna mensal aqui em VEJA Negócios), é possível atribuirmos o sucesso das missões Apollo às contribuições do cientista e matemático americano Richard Bellman, nome ainda menos conhecido do que o do seu colega de profissão, inventor do método Simplex

Neil Armstrong
O astronauta Neil Armstrong saudando a bandeira americana após aterrissar em solo lunar (NASA/Neil A. Armstrong/Wikimedia Commons)

Curiosamente, enquanto escrevo este texto, leio a notícia de que a SpaceX, empresa de Elon Musk, acaba de realizar um pouso inédito com um propulsor de um de seus foguetes Starship. Tradicionalmente, os propulsores são abandonados do foguete principal após a decolagem, caindo em mar aberto. Contudo, dessa vez, o propulsor não só “deu ré”, como também “balizou” e “estacionou” de volta na mesma torre de lançamento. A façanha certamente já está eternizada nos registros da história da engenharia. Isso porque, se já é difícil controlar um foguete subindo, descendo então, nem se fala. Mas, afinal de contas, o que tudo isso tem a ver com a Pesquisa Operacional? A palavra-chave para entendermos essa ligação é “controle”.

Nos anos de 1950, Richard Bellman fundou a subárea da otimização matemática conhecida como “Programação Dinâmica”. Aqui, o leitor fiel da minha coluna já sabe que o termo “programação” não tem nada a ver com código de computador, mas com o planejamento de operações. Mais ainda, o termo “dinâmico” introduz a ideia de tempo (o não-relativístico mesmo, ao contrário do de Einsten). Assim, Bellman formalizou uma metodologia para resolver problemas de planejamento que envolvem decisões (ou, se preferir, “controles”) a serem feitas ao longo do tempo – e não apenas de forma estática, como Dantzig. Pensemos num exemplo real. 

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No momento da publicação desse artigo, é muito possível que milhares de pessoas ainda estejam sofrendo os efeitos das chuvas que atingiram a cidade de São Paulo neste mês de outubro (houve uma tempestade devastadora no dia 11 e havia previsão de novas ventanias com chuvas nos dias 18 e 19). Nessas situações, a Enel (para o paulistano-raiz, como eu, Eletropaulo), concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica na cidade, se encontra sob o desafio de enviar equipes de manutenção para diversos endereços, com o objetivo de restaurar o fornecimento quanto antes. Acontece que essa operação incorre em um custo operacional altíssimo, além do prejuízo imposto a moradores e ao comércio dos locais afetados pela interrupção do serviço.

É aqui que entra a teoria do Dr. Bellman. A decisão a ser tomada pela Enel é: quais bairros atender primeiro (e em qual ordem visitá-los), equilibrando tanto os próprios custos de operação quanto o prejuízo estimado dos moradores e comerciantes. Assim, a técnica matemática da Programação Dinâmica forneceria à Enel a sequência ótima de atendimento e manutenção, minimizando o tempo sem luz nos bairros bem como os custos operacionais dessa operação. 

Sem entrarmos nos pormenores matemáticos, a técnica consiste em dividir o problema em pequenas decisões consecutivas (de bairro a bairro, ou de poste a poste), e calcular a melhor decisão para cada uma dessas etapas (que também podem ser entendidas como intervalos de tempo). Então, se para cada passo conhecermos a melhor decisão a ser tomada (para onde ir e quantos funcionários levar, por exemplo), saberemos então a melhor decisão a ser tomada durante todo o processo de manutenção. Esse conceito é conhecido como Princípio de Bellman. 

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Oras, mas que raios a Enel tem a ver com o controle do módulo lunar da Apollo 11 ou com o foguete do Elon Musk que “dá ré”?  Fundamentalmente, controlar um foguete não é muito diferente do que planejar uma rota de manutenção, exceto pelo fato de que as decisões são tomadas (para onde direcionar e com qual potência utilizar os propulsores, por exemplo) de maneira muito mais rápida, em intervalos de tempo muitíssimo menores e com muito mais variáveis de decisão (e riscos) envolvidos. Historicamente, contudo, essa ligação entre os dois exemplos não foi sempre tão evidente. Para entendermos melhor essa relação entre esses dois problemas aparentemente distintos, teríamos que falar ainda sobre um outro cientista (desta vez, um russo). Como já estamos chegando ao fim, deixaremos essa história para um próximo texto, quem sabe… 

Não posso me despedir, entretanto, sem uma curiosidade histórica interessantíssima: durante a Segunda Guerra Mundial, Bellman trabalhou na Divisão de Física Teórica do Laboratório Nacional de Los Alamos, ao mesmo tempo e (provavelmente) muito próximo a Oppenheimer! Quer outra? Então, lá vai: durante o desenvolvimento da Programação Dinâmica, nos anos de 1950, Bellman trabalhava na Rand Corporation, na Califórnia, junto a George B. Dantzig! Mundo pequeno esse o dos cientistas, não?

Na próxima edição, daremos uma breve pausa nas anedotas históricas da Pesquisa Operacional. No final do mês de outubro, o yours truly desta coluna (vulgo eu mesmo) estará em Seattle, no estado de Washington, na maior conferência acadêmica e profissional de Pesquisa Operacional do mundo, a INFORMS Annual Meeting 2024. Trarei ao leitor uma visão geral do estado de coisas da área, tanto nos Estados Unidos quanto no mundo. Encontrarei velhos amigos e colegas de profissão, e contarei aqui, exclusivamente para o leitor de VEJA NEGÓCIOS, o que todos estão aprontando – ou melhor, pesquisando e criando – na área de Pesquisa Operacional. Será que encontrarei outros brasileiros?       

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Gabriel Nicolosi é PhD em Engenharia Industrial e Pesquisa Operacional pela Pennsylvania State University e Professor de Engenharia de Gestão e de Sistemas na Missouri University of Science and Technology, nos Estados Unidos.

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