Tem sido frequente a manifestação de receios de um golpe de Estado. Seria a reação do presidente Jair Bolsonaro a eventual derrota na eleição de outubro próximo. Seu habitual questionamento sobre a segurança das urnas eletrônicas é visto como preparação para a ruptura. O aparente apoio do ministro da Defesa e de grupos militares às teses de Bolsonaro sinalizaria o engajamento das Forças Armadas no golpe.
É pouco provável que isso aconteça. O país e o mundo mudaram. No governo Sarney, as escolas militares reformularam os cursos de formação de oficiais para aumentar a profissionalização das Forças Armadas e nelas acentuar o caráter de organizações do Estado. Desde então, oficiais legalistas passaram a constituir o grosso do generalato. O sistema político, por sua maioria, se oporia ao golpe, pois perceberia o risco de fechamento do Congresso. A seu turno, o Poder Judiciário tem-se constituído poderoso obstáculo às investidas autoritárias do presidente.
Além disso, não existe o apoio de que gozou, em seus primórdios, o movimento militar de 1964. Naquela época, golpes constituíam reação à ameaça comunista. O novo governo era reconhecido rapidamente pelos Estados Unidos e por outros países ricos. Havia a aprovação da imprensa e da classe média. Agora, com o fim da Guerra Fria e o colapso do comunismo soviético, o golpe seria condenado por líderes mundiais, particularmente nos países ricos. Isolado, o Brasil poderia sofrer sanções danosas ao potencial de crescimento da economia, da renda e do emprego.
“Isolado, o Brasil poderia sofrer sanções danosas ao potencial de crescimento da renda e do emprego”
A comunidade internacional reagiria com duras medidas. Ao lado de sanções comerciais e financeiras, o país seria excluído da lista de candidatos a membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e dos grupos de que já participa nessa entidade. O Mercosul acionaria a cláusula democrática de seus estatutos, a qual não admite que regimes autoritários dele participem. A expulsão afastaria o Brasil da tarifa externa comum, o que aumentaria o ônus aduaneiro e nos prejudicaria no principal mercado de nossas exportações para o bloco, a Argentina.
O interesse dos investidores estrangeiros se esvairia, seja pelas incertezas que o golpe imporia, seja pela observância das regras de ESG (meio ambiente, social e governança) hoje adotadas pela grande maioria das empresas multinacionais. Com a correspondente perda de confiança no futuro, investidores institucionais estrangeiros deixariam o país. A consequente e forte desvalorização cambial acarrearia elevadas pressões inflacionárias. O drama do baixo crescimento, que nos tem atormentado nos últimos anos, seria agravado. O golpe provocaria, portanto, efeitos negativos de grandes proporções, impondo severas perdas à economia e à sociedade, particularmente aos segmentos menos favorecidos.
De forma competente, as Forças Armadas reconstruíram sua imagem depois das perdas no regime militar. Custa crer que se aventurariam a destruir esse admirável legado.
Publicado em VEJA de 25 de maio de 2022, edição nº 2790