Precatórios: é preciso evitar a bomba-relógio
Mas não mediante classificação de precatórios como despesa financeira
Diferentes órgãos da União têm reconhecido que o chamado calote dos precatórios federais ensejará a formação de enorme passivo que se acumulará rapidamente. Pode atingir mais de 200 bilhões de reais em 2027, quando o saldo remanescente precisará ser resgatado, conforme previsto na respectiva emenda constitucional. Para se ter ideia do impacto nas contas do Tesouro Nacional, a margem estimada para os gastos discriminatórios, sobre os quais há controle, é de apenas 170 bilhões no Orçamento da União para 2024.
A preocupação com o tema, inicialmente manifestada pelo Tesouro Nacional, hoje é partilhada pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério do Planejamento. De fato, segundo dados do Congresso recentemente examinados pelo TCU, 22,3 bilhões de reais deixaram de ser pagos em 2022, montante que chegará a 56,8 bilhões de reais ao fim de 2023.
Como já defendi neste espaço mais de uma vez, a melhor solução seria retirar os precatórios dos limites de despesas primárias federais – seja o teto de gastos ainda em vigor, seja o seu futuro substituto, isto é, o arcabouço fiscal que se pretende aprovar. Isso porque precatórios, cujo pagamento decorre de ordem judicial, são despesa de execução obrigatória. Não se encontram na esfera de discricionariedade do governo.
Ao que se vê da imprensa, o Ministério da Fazenda e a Advocacia-Geral da União estariam examinando a possibilidade de classificar como despesa financeira os precatórios não pagos, o que permitiria sua contabilização na mesma categoria da dívida pública. A despeito de o resultado prático da medida ser o mesmo que tenho defendido, vejo com preocupação essa ideia.
Com efeito, precatórios constituem gasto primário. Adiar simplesmente o seu pagamento não tem o poder de mudar sua natureza. A manobra contábil, se for afinal adotada, terá efeito negativo para a credibilidade da política econômica, semelhante ao que ocorreu com as pedaladas fiscais da ex-presidente Dilma Rousseff.
A solução mais adequada, cabe reafirmar, é retirar os precatórios do limite de gastos, pagando-os integralmente. Além de desarmar uma bomba-relógio que explodiria no colo do próximo governo, a medida terá três vantagens: (1) transparência, pois registrará compromisso inequívoco do Tesouro, que hoje permanece oculto nas contas públicas; (2) sinalização de que ordens emitidas pelo Judiciário serão cumpridas, principalmente pela administração pública; e (3) demonstração de seriedade do governo com o pagamento de suas obrigações.
Ainda é possível administrar o passivo com os precatórios, mas o tempo corre contra a União. A cada dia, cresce a bola de neve. Deixar que o desenlace aconteça de uma só vez, no início da próxima administração, não seria atitude adequada. Tem razão, pois, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, que se comprometeu a evitar que isso aconteça.