É correta a proposta do governo, encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), de apoiar a arguição de inconstitucionalidade, ora sob a apreciação do tribunal, das emendas constitucionais 113 e 114, que instituíram o calote sobre o pagamento de precatórios federais.
Tais atos acarretaram diversos riscos para a economia brasileira. Como já tive a oportunidade de expor nesse espaço, além do rápido acúmulo de passivo que rapidamente chegaria à casa das centenas de bilhões de reais (o tal efeito “bola de neve” do inadimplemento), a administração passada lançou dúvidas sobre a capacidade do Tesouro de honrar suas obrigações. Não à toa, a assim chamada “PEC do calote” gerou imediata desconfiança no setor privado, acarretando aumento do risco país e da curva longa de juros.
A proposta do governo se materializou, como se viu, em manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU), a qual reconheceu que a moratória, além de inconstitucional e contrária à jurisprudência do STF, seria catastrófica pelos mesmos motivos expostos acima. A AGU pede o urgente reconhecimento da inconstitucionalidade daquelas emendas, e propõe o pagamento imediato dos precatórios, cuja quitação foi postergada.
Do ponto de vista contábil, a manifestação da AGU se baseou em parecer conjunto da Secretaria do Tesouro Nacional e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Nesse documento, esses dois órgãos defendem, para fins de classificação contábil, a segregação entre principal e encargos financeiros relativos aos precatórios não quitados e dos que vierem doravante a ser pagos.
Discordo desse entendimento. Não há como fazer essa separação. Principal e encargos são parte do mesmo todo. Além do mais, se considerado que o objetivo maior do novo arcabouço fiscal é contribuir para evitar a trajetória explosiva da relação dívida pública/PIB, a manobra contábil é inócua. Tanto faria contabilizar tais partes separadamente, sob distintos conceitos, pois o efeito sobre a dívida seria exatamente o mesmo. Adicionalmente, quando o governo cobra encargos financeiros sobre tributos em atraso, a respectiva receita é contabilizada como primária. Por que seria diferente pelo lado da despesa?
Ao mesmo tempo, seria adequado excluir do limite de expansão de gastos previsto no novo arcabouço fiscal. Trata-se de despesa totalmente fora do controle do governo federal, eis que derivam de decisões judiciais líquidas e certas, com as respectivas sentenças transitadas em julgado.
Em resumo, merece aplausos a proposta de considerar inconstitucionais as EC 113 e 114, o que desfará grave erro cometido pela administração anterior. Caberia, todavia, rever a ideia de tratar os encargos financeiros como dívida financeira. Tampouco parece válido, a meu ver, solicitar o beneplácito do STF para a segregação que se pretende, eis que não se trata de matéria jurídica a ser apreciada pelo STF.