O BC e as decisões técnicas
Há incentivos para que a futura diretoria não se curve à política
Em famoso livro-texto americano, The Armchair Economist (O Economista Ocasional, em tradução livre), Steven Landsburg diz que a teoria econômica se resume a quatro palavras: “Pessoas reagem a incentivos. O resto é detalhe”. Pela teoria dos incentivos, instituições bem formuladas promovem o desenvolvimento econômico.
Lembrei-me dessa teoria diante da reação do mercado financeiro à decisão do Copom — Comitê de Política Monetária do Banco Central — no último dia 8 de maio. Com um placar de 5 a 4, o ritmo de redução da taxa Selic caiu de 0,5 para 0,25 ponto percentual. Os quatro votos contra a mudança vieram dos indicados pelo atual governo. Um deles, Gabriel Galípolo, é tido como o próximo presidente do BC.
Suspeita-se que esses quatro podem ter votado por razões políticas. Como Lula ainda pode indicar três diretores, teme-se que a futura maioria se curve à vontade do governo, como na gestão Dilma, com desastrosas consequências para a credibilidade do Banco Central e o controle da inflação.
Há quatro incentivos que podem contrariar essa visão. Primeiro, Galípolo participou de várias reuniões do Copom, as quais podem ter-lhe proporcionado um mergulho nas análises dos qualificados economistas do BC e o aprendizado com as opiniões de outros diretores. Teria hoje maior conhecimento sobre o papel da política monetária nas expectativas.
“O Copom pode se tornar mais tolerante a riscos inflacionários, mas não aceitar dar um cavalo de pau”
Em segundo lugar, ele provavelmente conhece os efeitos da fatídica decisão que baixou a Selic em 2011, quando se esperava a elevação. A inflação subiu e contribuiu para a recessão de 2015 e 2016. A popularidade de Dilma Rousseff caiu, um dos motivos de seu impeachment.
Em terceiro, Galípolo sabe que o comando do BC valoriza quem o exerce, aqui e lá fora. Ex-presidentes do banco costumam galgar posições de destaque em instituições financeiras e universidades de prestígio em vários países. Erros causados por visões políticas corroem a imagem e o futuro profissional de quem os comete.
O quarto incentivo vem da independência do BC, que habilita o presidente da instituição a resistir a pressões de governos da hora. Se resistir a demandas políticas para baixar a Selic, não corre o risco de ser substituído por alguém que se submeta ao chefe do Executivo. A experiência mostra que ceder a tais pressões costuma dar errado.
Um estudo recente indica que presidentes de bancos centrais podem reunir apoio de metade do comitê de política monetária para conseguir decisões de seu agrado. Ou seja, o simples exercício do cargo não é suficiente para moldar o posicionamento da maioria dos diretores. É preciso que essa maioria resolva assumir o risco de manchar sua reputação profissional para satisfazer a vontade do chefe da instituição. A meu ver, uma boa parte da diretoria, de alta credibilidade, dificilmente entraria nesse jogo.
O futuro Copom pode ser mais tolerante a riscos inflacionários. Isso acontece aqui e acolá nos bancos centrais, inclusive nos países riscos. O que, todavia, pode não acarretar um cavalo de pau na política monetária.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896