Volto a ocupar este espaço para discorrer sobre o Banco Central (BC). Boa parte das elites desconhece como essa instituição é essencial para combater a inflação e para assegurar a estabilidade do sistema financeiro. De sua adequada atuação dependem o desenvolvimento, o bem-estar da sociedade e a redução das desigualdades e da pobreza.
Muitos imaginam que o BC eleva a taxa básica de juros, a Selic, para favorecer os bancos, cujos lucros aumentariam com empréstimos a juros mais altos. Na verdade, bancos são como supermercados. Compram uma mercadoria (dinheiro) e a revendem com uma margem de lucro. Juros altos reduzem os negócios e sobem o risco de inadimplência, o que pode resultar em perdas e lucros menores. Bancos preferem juros baixos.
Um segundo equívoco é a defesa da queda voluntarista dos juros, para supostamente beneficiar a atividade econômica e a geração de empregos. É certo que juros mais baixos estimulam a demanda e, assim, a economia. Mas, como a oferta não se eleva no mesmo ritmo, surge um desequilíbrio que se resolve via inflação. Há inúmeros exemplos desastrosos, como no governo Dilma e, mais recentemente, na Argentina e na Turquia, mas eles são ignorados.
“Em nenhum país relevante se vê a maneira desairosa com que Lula trata o presidente do BC”
O terceiro é pensar o BC como órgão do governo que deve levar em conta o resultado das urnas e seguir a orientação que lhe for dada pelo presidente eleito. Há mais de um século, aprendeu-se que os bancos centrais são órgãos do Estado, que precisam dispor de autonomia para enfrentar surtos inflacionários. Deixados ao comando de políticos, os bancos centrais seriam levados a baixar os juros para impulsionar sua popularidade, com efeitos desastrosos para a estabilidade da moeda e para o país.
Um quarto e novo equívoco surgiu com o ministro Rui Costa, chefe da Casa Civil. Nos Estados Unidos, disse ele, “o presidente eleito, depois de doze meses no cargo, pode substituir o presidente do banco central independente”. Assim, quando a nação legitima um projeto econômico pelo voto, “isso é mais forte do que a concepção ideológica de uma pessoa que está presidindo o Banco Central”. Desse modo, “se é para adotar o projeto de Banco Central independente, vamos, ao menos, olhar o que tem dado certo em outros países”.
O presidente americano não tem o poder de demitir o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central). Os dois mandatos, ambos de quatro anos, não são coincidentes. O do Fed vence no ano seguinte ao da posse do chefe do governo, que então decidirá se propõe ao Senado sua recondução ou substituição. Se o presidente decidir pela substituição, o mandato simplesmente se extingue. Não há demissão, como pensa o ministro.
Em nenhum país relevante se vê a desinformação, nem o ataque ao BC, nem a maneira desairosa com que Lula trata o presidente do BC, frequentemente chamado de “esse cidadão”. O Brasil ganhará quando a maioria das elites conseguir entender o funcionamento e o relevante papel do Banco Central.
Publicado em VEJA de 19 de julho de 2023, edição nº 2850