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Itaipu virou usina de doações bilionárias na temporada eleitoral

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2024, 23h53 - Publicado em 3 Maio 2024, 06h00

Uma empresa pública de energia resolveu pulverizar um terço de sua receita com a venda de eletricidade em doações financeiras a prefeituras do Paraná e de Mato Grosso do Sul neste ano de eleições municipais. O custo dessa magnanimidade, naturalmente, é repassado na conta de luz, principalmente aos consumidores do Sul e do Sudeste.

Itaipu Binacional está doando 460 milhões de dólares, ou 2,3 bilhões de reais, a projetos que classifica como “socioambientais” em 430 municípios, onde vivem 11 milhões de eleitores. Paga a construção de pontes, de trechos de rodovias, de ciclovias, reformas de aeroportos e quase todo tipo de iniciativa caraterizável como “social” ou “ambiental”.

Não é pouco dinheiro. Equivale à metade da verba pública prevista para financiamento das campanhas de mais de 55 000 candidatos a prefeito e vereador em 5 570 cidades. Volume de recursos assim é miragem em qualquer ministério. Seria suficiente para bancar, por exemplo, a construção em todo o país de 990 novas Unidades Básicas de Saúde, mais da metade das 1 800 que o governo Lula anuncia como prioritárias.

Itaipu fragmenta um terço de seu faturamento anual com a justificativa da “responsabilidade socioambiental”. É o que diz o balanço financeiro de 2023 que divulgou na semana passada. A empresa opera com regras peculiares, criadas a partir de acordos com o Paraguai. Sua administração é paritária e obediente a uma “regra de ouro”: para cada dólar gasto num país haverá, obrigatoriamente, despesa de igual valor em outro.

Do lado brasileiro, o diretor-geral é o ex-deputado federal Enio Verri, provável candidato do Partido dos Trabalhadores ao governo do Paraná em 2026. No conselho de administração estão a tesoureira do PT, Gleide Andrade de Oliveira, e cinco ministros (Casa Civil, Minas e Energia, Gestão, Fazenda e Itamaraty). Por coincidência, o calendário da empresa para patrocínio de projetos a fundo perdido começa na campanha eleitoral deste ano, atravessa as eleições gerais de 2026 e se estende até o meio do mandato do próximo governo.

“Itaipu virou usina de doações bilionárias na temporada eleitoral”

Itaipu é uma ilha no arquipélago corporativo do Estado brasileiro. Não reconhece nem se submete às normas de transparência e de prestação de contas aos órgãos nacionais de fiscalização. No início do ano, o Tribunal de Contas da União mandou a Casa Civil da Presidência estabelecer critérios de seleção e prioridade de investimentos em projetos “socioambientais”. O Senado cobrou. Na última quarta-feira (30/4), o chefe da Casa Civil, Rui Costa, disse aos senadores que não é possível controlar gastos nessa empresa pública sem “descumprir um tratado internacional”.

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A generosidade com prefeituras foi incorporada ao custo operacional da usina hidrelétrica. Como registraram auditores da PricewaterhouseCoopers no balanço financeiro, as doações acabaram transformadas em “componente permanente da atividade de geração de energia”, com repasse direto ao bolso dos consumidores.

Eram residuais vinte anos atrás. Mas em 2022, durante a campanha de Jair Bolsonaro à reeleição, as despesas “socioambientais” brasileiras subiram para 252 milhões de dólares (1,2 bilhão de reais). No ano passado, o governo Lula decidiu elevá-las exponencialmente. E assim, os gastos “socioambientais” com prefeituras cresceram para 460 milhões de dólares (2,3 bilhões de reais). Ou seja, aumentaram 82,5% em apenas uma dúzia de meses.

É incomum uma empresa, pública ou privada, presentear um terço da sua receita operacional. Mais raro ainda é uma usina hidrelétrica doar dinheiro numa escala 20% acima das próprias despesas declaradas com “operação, manutenção e administração”. A liberalidade de Itaipu com 399 prefeituras do Paraná e 31 de Mato Grosso do Sul já custa à empresa pública 50% mais que a folha de salários.

No Congresso, prevalece a percepção de que se trata de um orçamento eleitoral secreto, ou paralelo, sem controle ou fiscalização, usado por Bolsonaro e consagrado por Lula. O custo crescente despertou a curiosidade de entidades de consumidores. Na semana passada, divulgaram uma análise demonstrando que o preço da energia vendida por Itaipu já é quase o triplo do cobrado por outras oito grandes usinas hidrelétricas.

Um dos efeitos do alto preço da energia no Brasil, que é das mais caras do planeta, é a corrosão da renda das famílias mais pobres. Cerca de 10% da renda doméstica desaparece no consumo de eletricidade, mostram estudos recentes da Abrace Energia. Esse gasto acaba duplicado pelo custo da energia embutido em mercadorias e serviços. Itaipu é caso exemplar de filantropia com peso específico no bolso dos pobres.

Publicado em VEJA de 3 de maio de 2024, edição nº 2891 

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* A versão de Itaipu Binacional

Na quinta-feira (9/5), Itaipu Binacional divulgou nota na qual afirma que “a alegação de que não há qualquer controle de órgãos nacionais não procede, uma vez que Itaipu possui um rigoroso sistema de controle de aplicação de recursos”. Observou estar seguindo “a norma Sarbanes-Oxley ACT (SOX)”, criada em 2002 pelo Congresso dos Estados Unidos com o objetivo de garantir transparência e responsabilidade nas empresas de capital aberto, com regulamentações de auditoria e finanças.

Acrescentou que seus editais são públicos, “com uma série de regras a serem observadas pelos proponentes, que estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Ministério Público e demais entidades”. Sobre os “convênios socioambientais firmados com os municípios, estes estão sob gestão da Caixa Econômica Federal, que faz o acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos, valores também passíveis de fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU)”.

Para a empresa, “os investimentos socioambientais se refletem no bolso do consumidor: em 2023, a Itaipu reduziu a tarifa de repasse de energia em 26%, um indicativo da eficiência operacional e compromisso a economicidade”. Alega cobrar o valor “de R$ 204,95/MWh, diante de um custo médio de aquisição de energia pelas distribuidoras de R$ 300/MWh, segundo a ANEEL.” Ressalva, também, que “contribui para a modicidade tarifária, uma vez que entra no mix das distribuidoras cotistas substancialmente abaixo do preço de repasse médio de todos os contratos das distribuidoras”.

Itaipu qualifica seus “investimentos socioambientais” como “imprescindíveis para garantir a operação contínua e a longevidade da usina”. E argumenta: “O programa Itaipu Mais que Energia representa uma expansão significativa das políticas socioambientais, impulsionado pela urgência de estender os cuidados com o meio ambiente por toda a região de influência da hidrelétrica.”

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