Por quem dobram os sinos
O Tesouro reclama das agências de risco, mas não fez a sua obrigação

Em artigo recente, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, resolveu lamentar a suposta severidade das agências de risco, que, segundo ele, “são duras com o Brasil”. Das três principais agências, duas (S&P e Fitch) colocam o país a dois degraus do “grau de investimento” (um selo de bom pagador), enquanto a outra (Moody’s) deixa o Brasil a apenas um passo da cobiçada classificação.
Não sou exatamente fã do trabalho das agências (seu histórico dispensa comentários), mas confesso ter ficado entre o pasmo e o riso quando li a queixa. Como bem resumiu uma amiga economista, há aí uma dose de “cara de pau” digna de registro. Afinal, se há alguém com papel central na gênese do problema, é justamente Ceron.
O artigo omite, com invejável conveniência, dois pontos cruciais das finanças nacionais: dívida e déficit, temas que caem, vejam só, exatamente na alçada do secretário. E é justamente nesses quesitos que brilham nossas credenciais: entre países com a mesma nota, somos campeões incontestes.
A dívida pública brasileira se aproxima de 80% do PIB; já a mediana dos demais países se encontra ao redor de 55% do PIB, ou seja, nosso governo deve muito mais do que os de países similares.
Já nosso déficit supera 8% do PIB; o de nossos pares está em torno de 3% do PIB. Não é apenas dever mais; é adicionar dívida a um ritmo olímpico. Por essa perspectiva, fundamental para avaliar a capacidade de pagamento do governo, as agências têm sido, ao contrário do que reclama o bravo secretário, um bocado camaradas com o Brasil.
A isso se acrescenta o desempenho do atual governo, com Ceron à frente do Tesouro Nacional. Em 2023, quando foi criado o natimorto arcabouço fiscal, a equipe econômica jurava que a dívida iria se estabilizar ao redor de 75% do PIB em 2025-26.
“Não à toa, o custo para o governo se financiar em cinco a dez anos é hoje de 7% ao ano acima da inflação”
Já no ano passado, confrontados com o ocorrido, passaram a projetar o pico da dívida na casa de 82% do PIB em 2027. A última projeção oficial, feita neste ano, agora prevê que a dívida atinja cerca de 85% em 2028. Não é necessária muita imaginação para adivinhar como esses números serão apresentados no ano que vem.
Trocando em miúdos, as finanças públicas estão bem piores do que o Tesouro originalmente imaginava, e conseguem se deteriorar a cada nova estimativa, mesmo no caso das projeções oficiais.
Não por outro motivo, a taxa de juros de longo prazo no país, isto é, o custo para o governo se endividar num horizonte de cinco a dez anos, supera hoje 7% ao ano acima da inflação, comparável apenas ao observado nos estertores do governo Dilma, quando as finanças do governo se encontravam também em estado calamitoso e, tão ou mais importante, sem quaisquer perspectivas de melhora.
A curto prazo, embora a meta para o resultado primário neste ano seja zero, a revisão bimestral do orçamento sugere déficit na casa de 74 bilhões de reais , reconciliado com a meta apenas pela desconsideração do pagamento de precatórios e outras alquimias fiscais, há pouco denunciadas pelo Tribunal de Contas da União.
Assim, quando o secretário, em sua encenação de inocência, perguntar por quem dobram os sinos das agências de risco, a resposta não deixa dúvidas: eles dobram por ti, Ceron.
Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964