Houve uma forte mudança no humor do mercado financeiro internacional, ensaiada há algum tempo, mas que vem se acelerando nas últimas semanas.
O gatilho é a percepção de que a inflação americana se mostra muito mais resistente do que o mercado, assim como o Federal Reserve imaginava no começo do ano. Pela minha métrica preferida para aferir o comportamento dos preços no período mais recente, a inflação nos Estados Unidos, já descontados efeitos pontuais e temporários, roda entre 4,5% e 5,0% ao ano, bem acima da meta de 2% ao ano, e cerca de 1 ponto porcentual mais alta do que estava ao fim do último trimestre de 2023.
O resultado imediato dessa constatação é que as expectativas acerca do processo de redução de taxas de juros se alteraram dramaticamente. No fim do ano passado e começo deste, o mercado atribuía perto de 75% de chance de haver três cortes de juros (de 0,25 ponto porcentual cada um) ainda na primeira metade do ano. Hoje espera a primeira redução apenas em setembro e (talvez) uma segunda no último trimestre.
A própria reavaliação ocorrida neste período já indica que devemos sempre tomar com alguma cautela as reações dos operadores, mas houve impactos consideráveis, em particular nas taxas de juros de longo prazo nos EUA e, consequentemente, no movimento das moedas, com impactos sobre o Brasil. O juro sobre o título americano de dez anos subiu de menos de 3,80% para 4,60% ao ano no intervalo, atraindo os capitais que fortaleceram o dólar relativamente às demais moedas globais. Consequentemente o euro, que comprava perto de 1,10 dólar no começo de 2024, agora compra apenas 1,065 dólar, ou seja, perdeu 3% de seu valor.
Ocorre que o real tende a acompanhar a relação entre o dólar e o euro, e, em parte como resultado dessa história, o dólar aqui voltou a patamares (bem) superiores a 5 reais, movimento que encarece os produtos importados (assim como aqueles que podem ser facilmente exportados). Como ainda não sabemos quão persistente é esse movimento, não temos uma ideia clara de quanto poderá ser o repasse dos preços internacionais para os domésticos. Mas, de qualquer forma, a ajuda que vinha do dólar mais tranquilo — que auxiliou a segurar o componente industrial do IPCA na casa de 0,6% nos últimos doze meses — se enfraqueceu.
“A ajuda que vinha de um dólar mais tranquilo deixou de existir. A redução da meta fiscal agrava o problema”
Na próxima reunião do Copom, em maio, o comitê deverá avaliar suas novas projeções para a inflação em 2024 e, principalmente, 2025. Em março o BC produziu suas previsões partindo de um dólar na casa de 4,95 reais, enquanto — no momento em que escrevo — ele se encontra pouco abaixo de 5,30, movimento que traria impacto da ordem de 0,6 ponto porcentual para a inflação nos próximos doze meses. Mesmo que fique algo abaixo disso até a reunião, acaba reduzindo o espaço para o corte da Selic.
Nesse contexto, a decisão de afrouxar os gastos públicos, como expressa pela agora oficial redução da meta de resultado fiscal para 2025, de um superávit de 0,5% do PIB para 0% do PIB, agrava consideravelmente o problema.
Isso equivale a acender o fósforo para checar se ainda há gasolina no tanque, explicável apenas pela mistura de ignorância econômica e cupidez política.
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2024, edição nº 2889