À medida que as criptomoedas ganham terreno no mercado, vários dilemas se apresentam. O que antes era fato no submundo das transações deverá ganhar maior regulamentação. Mas ainda não está clara a direção a ser tomada. El Salvador, que não chega a ser referência na área, já anunciou que vai incorporar bitcoins aos meios de pagamento oficiais. A iniciativa, contudo, enfrenta resistências do Banco Mundial, que alega problemas com transparência, credibilidade e impacto ambiental.
A decisão de El Salvador atropela um debate intenso que ocorre hoje entre as autoridades monetárias. Preocupação mundial, o mercado de bitcoins já ultrapassa 1,7 trilhão de dólares. Bancos centrais do mundo todo discutem o que fazer: controlar a emissão da criptomoeda ou se render ao fato de que se deve apenas regular um pouco mais suas transações? Ou ainda limitar a circulação de moedas digitais às que sejam emitidas e certificadas por autoridade monetária.
Na contramão de El Salvador, a China atua no sentido de restringir o uso de bitcoins, já que 75% da mineração dessas moedas no mundo é feita na China. Para as autoridades chinesas, a mineração e o uso de bitcoins dinamizam a economia, mas aumentam a opacidade das transações digitais. O que termina sendo indesejável para o regime existente.
“Com a chegada gradual do 5G, as transações digitais vão ganhar intensidade e velocidade”
Ao largo do debate e enquanto proliferam criptomoedas sem nenhuma regulação, empresas como o Facebook se preparam para lançar as suas. Tal fato implica em reflexão adicional. Como regulá-las? Devemos, porém, considerar outros vetores diante do desafio trazido pelas moedas virtuais. Como, por exemplo, a questão energética. Atualmente, a mineração de bitcoins em escala global utiliza energia equivalente ao consumo de um país maior do que a Argentina.
Mas a complexidade da questão toca outras áreas. No Brasil, a questão permanecia periférica. O debate ocorria entre especialistas. Não mais. Para enfrentar o que vem por aí, o nosso Banco Central promove estudos para o lançamento de uma moeda digital oficial (CBDC), assim como autoridades monetárias dos Estados Unidos, China, Coreia do Sul, Suécia e Japão, entre outros.
Como sinal da seriedade da reflexão, o país vive um processo de “desbancarização”, criação de fintechs, expansão de crédito e boom de investimentos em mercados de capitais. Além disso, o brasileiro já está interconectado ao mundo digital por causa da telefonia celular. Com a chegada gradual do 5G, as transações digitais vão ganhar intensidade e velocidade, o que deve acelerar a redução brutal do uso do papel-moeda em transações. Na esteira do 5G, a China caminha para ter a maior parte de suas transações cashless. O mesmo pode se dar no Brasil.
Além do impacto nas transações financeiras, o 5G vai atingir outras atividades de forma relevante — como a saúde, a educação, a cultura, a cadeia de suprimentos. O impacto nessas áreas terá repercussão no sistema financeiro internacional, o que deve aumentar ainda mais os cuidados das autoridades. Questões como privacidade, fraude, velocidade e integridade das operações financeiras digitais serão ainda mais relevantes. Moedas digitais emitidas por autoridade monetária são parte da solução. Mas não a única a ser adotada. O debate está apenas começando.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744