A pandemia de Covid-19 bagunçou o calendário e a cronologia dos eventos. No campo institucional, quase tudo funcionou submetido à questão. Enfim, 2020 foi um ano trágico, uma espécie de ponto facultativo infeliz que gerou uma imensa soma de questões a ser definidas no fim do ano e no início do novo ano.
O que seria tradicionalmente um período morno de transição, entre o Natal e o Carnaval, deverá ser um tempo de debates e decisões críticas. O ponto de partida são os trágicos saldos fiscal e social herdados de nossas desigualdades e ampliados pela pandemia.
Ambos são graves ameaças para o país. Sem credibilidade fiscal poderá se desencadear um círculo vicioso de juros altos e inflação. Sem credibilidade fiscal, a retomada econômica ficará mais difícil. E o preço social do desemprego será mais alto, com repercussões na segurança pública e no consumo. O mundo político está desafiado a dar soluções adequadas a tais desafios.
Não interessa a ninguém, muito menos à cidadania, que as soluções dadas às questões fiscais e sociais — postas neste fim de ano — sejam mal trabalhadas. A agenda a ser seguida é clara: o teto de gastos deve ser mantido e, dentro das regras, um programa social ampliado deve ser implementado.
Como financiar? Existem renúncias fiscais que podem ser reduzidas, visando a ampliar o Bolsa Família. Mas a melhor e a mais efetiva ajuda que o mundo político pode oferecer é estabelecer marcos seguros de estabilidade fiscal e de melhoria no ambiente de negócios. Não há melhor programa de assistência social do que o emprego, que estabelece um círculo virtuoso de renda e impostos.
“Sem o avanço nas reformas, as expectativas de crescimento podem ser frustradas”
Não devemos relaxar e achar que tudo vai ficar bem sem ações enérgicas abrangentes. E tais ações não envolvem somente proteger a frágil credibilidade fiscal e a agenda de reformas; envolvem também uma radical desburocratização do governo; a ampliação de iniciativas de governo digital; uma reforma tributária, da porta para dentro, para simplificar o sistema; entre outras agendas já pautadas pelo Congresso.
A boa notícia foi a aprovação da Lei de Falências. Porém o Congresso deve acelerar outras reformas, como o debate sobre o marco de ferrovias, o novo marco cambial, a autonomia do Banco Central, o novo marco do gás e as novas regras de licenciamento ambiental, entre outras iniciativas. São temas que podem destravar bilhões de dólares em investimentos e gerar milhares de empregos.
Avançar na agenda virtuosa é uma responsabilidade não apenas do Poder Executivo, mas do Congresso Nacional e também do Judiciário, que, em última instância, arbitra conflitos. No final das contas, a pandemia só aumentou a necessidade de prosseguirmos o ciclo de reformas iniciado em 2016.
Existem sinais misturados na economia. Podemos ter uma queda de 5% no PIB e um crescimento acima de 3,5% em 2021. Mesmo assim, vamos ficar devendo. Sem o avanço nas reformas, as expectativas de crescimento podem ser frustradas.
Embora em um ambiente politicamente tenso pelo fim das eleições e com o temor de uma segunda onda da Covid-19, as respostas aos desafios mencionados tendem a ser positivas. Ainda que, até fevereiro, os ruídos da política sejam preocupantes.
Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715