A inflação brasileira é influenciada por fatores culturais e institucionais, e pela má distribuição de renda. Assim, choques de preços por condições climáticas adversas ou por altas em cotações de commodities tendem a ter efeitos mais duradouros. O país não está preparado para absorver esses choques em prazo razoável.
Durante décadas, dizia-se que o Brasil precisava de um pouco de inflação para desenvolver-se. Pura leniência. Com a correção monetária, passamos a conviver com a inflação, e não a combatê-la. Seu uso se generalizou nos contratos, nos salários e nos preços. Em parte, ainda hoje.
Até na hiperinflação o Brasil foi peculiar. Em outros países, a alta inflação provocou o abandono da referência dos preços na moeda nacional. Migrou-se para o dólar. Os preços variavam com a taxa de câmbio. Quando o câmbio se estabilizou, a hiperinflação acabou. Aqui, a saída foi a indexação à inflação passada, e não ao dólar. A indexação gerava a inércia inflacionária: a inflação de hoje determinava os reajustes de amanhã, e assim sucessivamente.
A inércia cria uma rigidez para baixo na taxa de inflação, inibindo a ação da política monetária. Seria necessário um aumento brutal da taxa de juros para quebrá-la. Assim, a inflação tornou-se imune aos remédios convencionais e ao congelamento geral de preços e salários. O Plano Real inventou a Unidade Real de Valor (URV) para vencer a inércia e, deste modo, estabilizar os preços.
“Sem o apoio de uma política fiscal que corte os gastos públicos, o Banco Central fica sozinho na luta”
A má distribuição de renda é outro problema. A renda das classes menos favorecidas é em boa parte direcionada ao consumo de itens essenciais, com pouca margem de manobra. Quando há um choque, não é viável substituir esses itens por outros mais baratos. O consumo cai, mas isso não tem o mesmo impacto de uma substituição. A elevação dos juros pouco ou nada sensibiliza os gastos das camadas mais pobres.
Em outros países, o esforço do governo para combater surtos inflacionários costuma associar a alta de juros com uma política fiscal contracionista. Cortam-se gastos. Aqui, 95% das despesas primárias da União são incomprimíveis, casos de benefícios previdenciários, gastos com pessoal e transferências constitucionais a estados e municípios. Desse modo, o papel da política fiscal é nenhum. O Banco Central fica sozinho na luta.
Questões culturais e distributivas levam tempo para ser resolvidas. O lado fiscal exige reformas complexas. No atual momento, entraram em cena dois outros fatores: a fragilidade fiscal e a instabilidade política, as quais geram incertezas que afetam a taxa de câmbio, cuja variação amplia o efeito inflacionário dos bens e serviços importados.
Enfrentamos uma tempestade perfeita: alta de commodities, efeitos climáticos e crise hídrica. Fica tudo mais complicado. Sem reformas, bons governos e mudanças mentais, continuaremos a ter dificuldade em vencer aumentos súbitos da inflação. Felizmente, não há risco de revivermos a hiperinflação.
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759