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Negociações políticas indicam distorções no projeto de ‘imposto único’

Setores pedem alíquotas diferenciadas, descaracterizando o projeto de tarifa para produtos e serviços a ser criada na reforma tributária

Por Pedro Gil Atualizado em 4 jun 2024, 10h38 - Publicado em 14 Maio 2023, 08h00

Desenhado no pós-­II Guerra, o imposto sobre valor agregado (IVA), que funciona como alíquota única para produtos e serviços vendidos ao consumidor, ganhou força após sua implementação na Nova Zelândia, em 1980. O país convivia com forte desemprego e altos impostos. A reforma tributária, então, foi a saída para a crise, elaborada com a perspectiva de aumentar a base de arrecadação e diminuir as taxas cobradas. O IVA foi instaurado com uma alíquota de 10% sobre bens e serviços — hoje é de 15% — e fez sucesso por sua simplicidade. Ele permitiu que o governo e as empresas arcassem com um custo mais baixo de administração tributária e tornou a Nova Zelândia numa referência global em impostos.

Desde então, o IVA avançou pelo planeta e já é adotado em mais de 170 países — apenas em um deles, na Malásia, o governo resolveu voltar atrás na adoção. O Brasil pode ser o próximo a aderir à lista, uma vez que esse imposto está na base da reforma tributária do consumo que o governo pretende aprovar no Congresso neste ano. Talvez seja votado na Câmara ainda antes do recesso parlamentar em julho, segundo os mais otimistas — e não muito realistas.

Se isso acontecer, será um avanço considerável para a economia brasileira. O IVA deve unificar cinco outros tributos (PIS, Cofins, ISS, ICMS e IPI), aplicando uma taxa no momento da compra de bens e serviços. Em sua modelagem, cada elo da cadeia produtiva paga o imposto somente sobre o valor que agregou, recebendo créditos pelo valor restante. Com isso, a alíquota final permanece sempre fixa e acaba com o efeito de impostos em cascata, como acontece com o PIS e o Cofins, cobrados em cada etapa da produção, encarecendo o item antes de chegar ao consumidor. A expectativa de arrecadação anual desse combinado de impostos gira em torno de 1,3 trilhão de reais. O objetivo não é aumentar a receita, alega o governo, mas simplificar o sistema tributário, reduzir efeitos de bitributação e eventualmente permitir baixar os preços de alguns produtos, além de dar mais transparência, para que o cliente final saiba quanto está pagando de taxas.

No entanto, a sua mais importante característica, a de simplificação, está sendo em parte perdida durante as discussões prévias ao texto final. A estimativa da equipe que estuda o assunto dentro do Ministério da Fazenda, liderada pelo secretário extraordinário de reforma tributária, Bernard Appy, é de que será preciso aplicar uma alíquota de 25% — a média na OCDE é 19% — para não haver aumento ou diminuição da arrecadação. Mas alguns setores que pagam impostos finais menores estão mobilizados contra isso. O de serviços, por exemplo, tem feito lobby para ter uma taxa diferenciada, de 6,5%. “Não é questão de exceções, mas o setor tem uma realidade diferente. Todos devem contribuir da mesma forma, mas alguns vão acabar pagando mais do que outros”, diz Sarina Manata, assessora jurídica da federação do segmento FecomercioSP.

UM ALERTA - A especialista Rita de la Feria: “É importante resistir à pressão”
UM ALERTA - A especialista Rita de la Feria: “É importante resistir à pressão” (Marcos Oliveira/Agência Senado)
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Contra esse argumento, o time de Appy defende a ideia de que os representantes setoriais, ao alegarem que vão pagar mais do que atualmente, não contabilizam os impostos indiretos cobrados em outros pontos da cadeia, além das vantagens de corte de custos que a simplificação tributária trará. Appy também tem abordado parlamentares para convencê-los de que, quanto mais exceções, maior será a alíquota básica, para manter a arrecadação proporcional ao PIB.

Os principais especialistas internacionais no tema concordam com esses esforços de resistência, e os últimos países a adotar o imposto único estão evitando exceções. Apelidada por tributaristas brasileiros de “padroeira” do IVA, por ter participado de diversos projetos de reforma tributária pelo mundo, a portuguesa Rita de la Feria, professora de direito tributário da Universidade de Leeds, diz que o custo-­benefício é, na melhor das hipóteses, “dúbio” ao se implementarem alíquotas diferenciadas. “À medida que a reforma se aproxima, a pressão aumenta. Quem grita mais é ouvido. Não estamos ouvindo barulho dos muitos, mas dos poucos”, analisa. “A questão é se vai ser possível resistir a essa pressão. Eu espero que sim, pelo bem de muitos brasileiros que não estão a fazer barulho.”

A batalha contra privilégios pontuais, porém, já é considerada perdida, e a fase agora é de contenção de danos. Congressistas do PT e apoiadores já falam abertamente que a reforma só passará com algumas exceções. O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-­MG), coordenador do grupo de trabalho da reforma no Congresso, promete a apresentação do texto final para junho, mas lamenta o revés: “Quanto mais simples for, menos judicialização e menos perda de recurso. Mas, como nossa caminhada civilizatória é de exceção e não de regra, acho muito difícil uma alíquota única”, diz. Também se rendeu ao realismo político a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que se posicionava a favor da alíquota uniforme, com alguma diferença entre estados. “Tecnicamente, esse é o melhor modelo, porque não distorce as decisões de consumo”, afirma Mario Sergio Telles, gerente-executivo de economia da CNI. De todo modo, é melhor uma reforma tributária imperfeita do que ficar sem nenhuma.

Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841

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