Cuidado! Seu cérebro pode levar você para o vermelho
Estudiosos alertam: no exato instante em que você traça planos para equilibrar seu orçamento, há uma parte sua que deseja sabotá-lo
No final do ano passado, o designer americano John Kestner, do conceituado Massachusetts Institute of Technology (MIT), apresentou três protótipos de carteiras que indicam, fisicamente, o estado das finanças de seu dono. Conectada por um dispositivo Bluetooth ao celular e, por meio desse, ao site do banco na internet, uma delas vibra de acordo com os gastos, a outra infla ou desinfla e a terceira – batizada de “mãe ursa” – se torna cada vez mais difícil de abrir à medida que a pessoa se aproxima de estourar o orçamento (no vídeo abaixo, cenas das carteiras em funcionamento). A solução é esdrúxula, mas o raciocínio por trás dela não é: numa sociedade em que as transações financeiras se tornaram virtuais, é preciso dar um sentido palpável à ideia de gastar dinheiro.
E pode-se acrescentar um outro motivo porque a invenção – sobretudo a carteira mãe ursa – faz sentido. Como um novo ramo da ciência, a neuroeconomia, não se cansa de mostrar, os seres humanos são especialistas em sabotar seus planos de comedimento e economia. A principal razão é que somos sedentos por recompensas imediatas. O esforço para postergar um gasto, mesmo que isso faça sentido a longo prazo, desencadeia em nosso cérebro reações que se traduzem em sensações de desprazer e contrariedade. Já o ato de passar o cartão de crédito na maquininha oferece a experiência oposta. E quem é capaz de lutar contra as inclinações que milhares de anos de evolução incrustaram em nossa mente?
Economia comportamental e neuroeconomia – Ainda nos anos 70, foram os psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman (Nobel de Economia de 2002), os primeiros a incorporar as inconstâncias do comportamento humano – principalmente em situações de incerteza e alta carga emotiva – aos modelos de investigação econômica. Acabaram por inaugurar uma nova área, denominada ‘Economia Comportamental’, que ajuda a demonstrar como o homem se distancia daquele ‘ser estatístico’ que está por trás de tantos raciocínios dos economistas.
O passo seguinte foi o nascimento, no final dos anos 90, da neuroeconomia: área que combina as descobertas da neurociência – em particular, técnicas de mapeamento cerebral como a ressonância magnética funcional – com conceitos de psicologia financeira e economia. Uma de suas descobertas, por exemplo, é que a atividade do núcleo accumbens (parte do cérebro vinculada ao sentimento de ganhar uma recompensa) costuma ser mais intensa antes da confirmação de um ganho financeiro do que quando o lucro, de fato, ocorre. Em outras palavras, a expectativa pode ser mais excitante que o resultado em si.
As armadilhas mais comuns – Pessoas que fazem planos para suas finanças, poupam e investem devem estar atentas às armadilhas mentais que podem impedi-las de atingir seus objetivos.
Uma delas é a arrogância, que surge principalmente após um ganho expressivo ou inesperado – na bolsa, digamos. Isso pode criar uma ‘ilusão de controle’, ou seja, a falsa ideia de que a realidade obedece à sua vontade. Daí é um passo, por exemplo, para a realização de uma compra além do que as finanças reais da pessoa poderiam custear ou para a insistência num negócio demasiadamente arriscado.
A tristeza ou a depressão, por sua vez, fazem com que alguns indivíduos sintam uma vontade súbita de mudar de situação para aplacar o sofrimento. Resultado: maior propensão a atitudes impensadas, como aquisições desnecessárias ou investimentos que se revelam catastróficos.
Outra situação comum é a tentação dos ganhos fáceis (com frequência ilusórios): uma dica “quentíssima” de investimento ou uma liquidação “imperdível”. Em vez de duvidar das propostas e investigá-las a fundo, é grande a chance de o mecanismo de ‘recompensa’ do cérebro ser ativado e levar as pessoas a aceitá-las sem pestanejar.
Cuidado! – Ao longo dos últimos anos, o crédito no Brasil se tornou abundante. A proporção do crédito em relação ao PIB do país estava em 47% no final de 2010 e a expectativa é que atinja 60% nos próximos anos. Por um lado, isso é muito bom: as pessoas podem realizar seus sonhos e projetos. Mas isso também significa que o brasileiro está endividado. E estar endividado num ambiente em que o acesso a empréstimos e financiamentos continua fácil pode ser uma receita para o desastre. Daí a importância do alerta da neuroeconomia: no exato instante em que você traça planos cuidadosos para equilibrar seu orçamento em 2011, há uma parte sua que deseja sabotá-lo. Cuidado. Sobretudo enquanto a carteira que não abre não chega ao mercado.