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Impostos e emprego: a receita do mentor de Thomas Piketty para reduzir a desigualdade no mundo

Em novo livro, britânico Anthony Atkinson propõe não apenas a taxação, mas também que Estados garantam emprego e salários para a população

Por Ana Clara Costa
29 jun 2015, 21h15

O lançamento do livro O Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty, direcionou holofotes a um tema até pouco tempo marginalizado por economistas: a desigualdade. Mas o boom de Piketty acabou ofuscando estudiosos que há 50 anos analisam o abismo entre pobres e ricos. É o caso do britânico Anthony Atkinson, considerado o “papa” da desigualdade e um dos principais mentores do francês. Atkinson acaba de lançar o livro Desigualdade: O que pode ser feito, ainda sem previsão de tradução para o português. A obra é uma espécie de continuação do último capítulo de O Capital, em que Piketty sugere impostos de até 80% sobre os mais ricos para reduzir a desigualdade. Se confrontado com Atkinson, contudo, Piketty pode ser chamado de conservador. O britânico propõe não apenas a taxação, mas também que Estados garantam emprego e salários para toda a população.

Apesar de sugerir políticas que em nada se assemelham à aplicação da economia clássica, a obra de Atkinson convida a uma leitura agradável e otimista de uma espécie de “guia” de como reduzir a desigualdade, sobretudo em países desenvolvidos, como a Inglaterra. A utopia pregada pelo autor contraria princípios de livre-mercado e propõe uma convergência entre Estado e iniciativa privada para que seja formada uma “brigada” de redução do abismo entre pobres e ricos. Trata-se de uma cartilha divertida, mas inviável tanto do ponto de vista econômico, como também político. Ao site de VEJA, Atkinson afirmou que é necessário ser criativo para reverter a tendência de aumento desse abismo. “Não se trata de uma mágica apenas. Os países precisam aprender uns com os outros e reproduzir exemplos que dão certo”, afirma. Leia trechos da entrevista.

Além do senhor, outros grandes economistas, como François Bourguignon e Joseph Stiglitz, lançaram recentemente livros que tratam do tema desigualdade. O mundo ainda está sob o efeito de Thomas Piketty? A verdade é que, independentemente de Piketty, os economistas negligenciaram a desigualdade por bastante tempo, por grande parte da minha carreira. Eles se concentraram mais em estudar os meandros do crescimento econômico. Foi apenas nos últimos dois ou três anos que o tema ganhou notoriedade, sob impacto dos efeitos da crise financeira na economia. E agora que há um interesse global sobre desigualdade, é normal que aqueles que sempre pesquisaram o tema queiram ter suas ideias publicadas.

Há algo no trabalho de Thomas Piketty de que o senhor discorde? Não colocaria dessa forma. Piketty não é só inteligente, mas também um ótimo porta-voz do tema. Ele tem talento para fazer com que as pessoas se engajem nas discussões e executou um trabalho duríssimo para conseguir levantar o banco de dados sobre a desigualdade. Não há discordâncias, mas eu acrescentaria alguns pontos. Acho que ele fala muito da desigualdade no topo da pirâmide, dos super-ricos, enquanto eu avalio que é preciso falar da base. É preciso entender como a base se movimenta. Também acho que ele dedicou pouco espaço às propostas para redução da desigualdade, restringindo-se quase que totalmente à questão da taxação das grandes fortunas. É claro que a questão dos impostos é importante. Até Warren Buffett reconhece que paga menos impostos que sua secretária. Mas também por isso decidi dar ao meu livro um tom propositivo, que avance no que ele já levantou.

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O senhor é considerado a maior autoridade mundial quando se fala em desigualdade. Por que optou por essa área? Eu me formei em Matemática na Universidade de Cambridge e um de meus primeiros empregos foi como pesquisador em uma área muito pobre da Alemanha. Observar aquele abandono despertou algo em mim. Por isso resolvi migrar para a Economia e, mais especificamente, para os estudos sobre desigualdade. Isso fez de mim um forasteiro no campo econômico, de certa forma. Pois os clássicos que todos liam nos anos 1960, como Adam Smith e David Ricardo, não tratavam da desigualdade. É uma paixão que venho levando há 50 anos.

Governos mundo afora começam a inserir em suas políticas medidas que visam a redução da desigualdade? Sem dúvida. E o Brasil é um exemplo disso. Na verdade, a America Latina como um todo tem conseguido resultados vitoriosos na redução desse abismo, apesar de faltar muito para ser feito. Em contrapartida, nos países ricos, a desigualdade tem mantido uma trajetória de alta.

É possível comparar a desigualdade entre países tão diferentes como o Brasil e Inglaterra, por exemplo? Certamente há diferenças importantes. Dentro da própria Europa, o tipo de desigualdade que há nos países nórdicos não é o mesmo que na Inglaterra, por exemplo. Mas essas diferenças não impedem que um país aprenda com o outro. Para isso, é preciso ser criativo. No caso da América Latina, o salário mínimo é um grande balizador econômico e social, e esse modelo, de certa forma, inspirou a Alemanha, que implanta, pela primeira vez, um salário mínimo nacional aprovado em julho do ano passado pelo parlamento. Em outro aspecto, os países europeus precisam pensar de forma mais criativa sobre maneiras de reduzir a desigualdade. Na América Latina, em especial no Brasil, a previdência pública beneficia, sobretudo, a classe média e média baixa, deixando desguarnecida toda uma faixa mais pobre que precisaria até mais desse tipo de benefício. O que os programas sociais como o Bolsa Família fizeram foi equilibrar as transferências de renda para que uma parcela da população que não tinha acesso às políticas passasse a se beneficiar também. Isso foi criativo.

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O senhor quer dizer que a Europa também precisaria de um Bolsa Família? A maior parte dos países da OCDE tem problemas relacionados à pobreza infantil. Há muitas crianças vivendo em famílias abaixo da linha da pobreza em países cujo PIB per capita é altíssimo. Os Estados Unidos são um caso exemplar de país que oferece benefícios sociais escassos e que poderia se beneficiar muito se implementasse uma espécie de bolsa para famílias que enviassem filhos à escola.

O senhor não vê um limite para as políticas de bem-estar social? Certamente há um limite. Não são apenas impostos e políticas de transferência de renda que reduzem a desigualdade, e é justamente isso que defendo em meu livro. É preciso atacar o problema por meio de empregos e salários. É preciso executar medidas que atuem, em especial, no emprego, na disponibilidade de vagas, na proteção ao trabalho, na inovação do mercado. Não há uma mágica apenas. O que eu proponho é que haja uma participação mais ativa do setor privado nessas políticas, que haja mais regulação, e que possa haver uma discussão, por exemplo, se uma grande fusão entre empresas poderá ter efeito nocivo no aumento do abismo entre pobres e ricos. A inovação também deve ser uma política de Estado.

O senhor propõe, em suma, maior participação do Estado na economia. Há espaço político para esse tipo de discussão hoje no mundo? De uma forma geral, o que se vê é um interesse maior da Europa em reduzir a pobreza e a exclusão. Ha acordos entre os países membros que visam esse propósito. Mas o maior espaço de discussão é ocupado pelo aumento da taxação sobre as grandes fortunas, algo antigo na Europa. A maior parte dos países europeus vive uma crise fiscal que requer aumento de impostos, o que é uma medida extremamente impopular. Por isso mesmo, nos últimos anos, os governos têm tentado esconder essa necessidade por meio da venda de ativos e privatizações. O que precisa ser discutido é a forma que essa mudança nos impostos tomará e que faixa da população será beneficiada com uma menor alíquota. Na Inglaterra, por exemplo, eu proponho que o atual imposto de renda de 45% para os mais ricos seja aplicado para salários anuais de até 65.000 libras. Acima disso, a alíquota se elevaria para 65%.

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O senhor não tem restrições em propor confiar ao Estado cada vez mais poder? O que eu proponho não é o aumento do poder estatal em si. Claro que ajudaria se os políticos fossem mais honestos e corajosos e pensassem mais nos eleitores do que em seus próprios interesses. Mas não falo apenas sobre governos de países. O poder de mudar também esta com organismos internacionais ou supranacionais. Nesse sentido, há coisas que foram feitas nos últimos 20 anos que não existiam antes. Os Objetivos do Milênio e outros acordos internacionais firmados no âmbito do G7 e do G20 são avanços consideráveis e ocorrem por meio de cooperação entre nações. Não podemos tirar dos governos toda a responsabilidade.

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Uma das suas propostas mais controversas é a de que o Estado garanta emprego para os jovens, ou uma espécie de “bolsa” para que eles possam se inserir. Um dos defensores dessa ideia foi o economista Hyman Minsky. Ele foi sua inspiração? Eu conheci muito bem Minsky e costumávamos nos encontrar quando ele vinha a Cambridge. E o que eu proponho no meu livro é, de fato, muito parecido com a ideia de Minsky sobre o Estado como empregador de última instância. A diferença é que eu proponho critérios para a concessão desses empregos, em especial para os jovens, que poderiam escolher entre a garantia de emprego e uma espécie de ajuda financeira a partir dos 18 anos. A garantia de emprego é positiva no aspecto fiscal porque pode permitir que o governo reduza gastos com políticas de bem-estar social em detrimento do fornecimento de vagas. Há defensores dessa ideia no Congresso americano e seria uma sinalização muito bem-vinda se esse assunto voltasse a ser discutido, como foi em meados dos anos 1960. Se não deixamos que bancos quebrem, por que deixar que as pessoas fiquem sem emprego? A Inglaterra, por exemplo, chegou a ter taxa de desemprego de 1% no século passado. Hoje, está em 5% e o governo considera isso um bom número. Mas é possível fazer muito mais. A União Europeia tem discutido a possibilidade de dar aos jovens a possibilidade de escolha: a garantia de emprego ou a educação em tempo integral. Acho que isso já sinaliza uma mudança de prioridades.

Usar o Estado como provedor de empregos indiscriminadamente não é uma política inflacionária? Não creio. Não compartilho da ideia de que é preciso ter desemprego para controlar a inflação. E os próprios bancos centrais têm reconhecido a necessidade de se olhar para o emprego da mesma forma que se controla a inflação. Não há uma taxa de desemprego necessária para uma economia prosperar. O que eu defendo em relação à inflação é justamente o oposto disso. Uma das minhas propostas é que sejam criados investimentos para pequenos poupadores indexados à inflação na Inglaterra. Ou seja, que eles possam ter seus ganhos independentemente do índice inflacionário, seja ele qual for.

O senhor é socialista? Não pertenço a nenhum partido político. Mas não me privo de apoiar candidatos que defendam as mesmas ideias que eu, sejam eles de qualquer partido.

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