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ESTUDO #21

Uma década transformadora – O impacto dos Institutos SENAI de Inovação e de Tecnologia no ambiente empresarial brasileiro

por Redação
29 ago 2022
11h55

Apresentação

Tema basilar nos debates sobre o desenvolvimento econômico mundial, a inovação tem recebido pouca ou nenhuma atenção por parte dos governos brasileiros nas últimas décadas. Reflexo de tal situação é a incômoda 57ª posição ocupada pelo país no Índice Global de Inovação, compilado pela Universidade Cornell, pelo Insead e pela World Intelectual Property Organization (Wipo).

Parte desse resultado pouco alentador se deve ao fato de o Brasil ter se assumido como um grande produtor de commodities, e ter estruturado substancialmente sua economia na comercialização desses produtos. Outra parte deve-se à pouca compreensão geral sobre a relevância e os impactos ocasionados pela inovação em praticamente todas as esferas sociais.

Países que agregam valor aos seus produtos e serviços com inovação são aqueles que conquistam mercado e geram uma dinâmica que resulta em benefícios como a criação de empregos. Nesse sentido, o Brasil precisa inovar para ser mais competitivo no cenário global.

A pavimentação desse caminho passa por políticas públicas de longo prazo mais robustas e de mais investimentos. Além disso, a inovação é sistêmica e depende de diversos fatores para se desenvolver, como ambiente regulatório favorável, desburocratização e qualidade da educação em todos os níveis.

De imediato, o país precisa investir, no mínimo, um percentual de seu PIB próximo ao das nações mais avançados na agenda de inovação destinam à pesquisa e desenvolvimento. Os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) investem, em média, pouco mais de 2% do PIB em P&D, enquanto no Brasil esse índice é de 1,27%.

O movimento paradoxalmente tem sido o contrário. A forte contração do apoio público à área de ciência, tecnologia e inovação coloca em risco o potencial brasileiro de desenvolvimento tecnológico e a soberania nacional. A desarticulação, nos últimos anos, do complexo industrial da saúde, por exemplo, com retrocesso da indústria de equipamentos médico-hospitalares, elevou, de forma significativa, a dependência do setor de importações de insumos e equipamentos.

Em paralelo a esse cenário pouco alentador, desde 2013 o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) mantém no país a rede nacional Institutos SENAI de Inovação, composta, atualmente, por 26 institutos presentes em 12 estados. A iniciativa se propõe a ser uma ponte entre o meio acadêmico e o empresariado voltada à pesquisa aplicada em que as unidades participantes atuam desde a fase pré-competitiva, de definição de conceitos e experimentações, até a etapa final, quando o novo produto está prestes a ser fabricado.

Na última década, os Instituídos SENAI de Inovação atenderam mais de 600 empresas, em investimentos que ultrapassam 1,2 bilhão e reais, distribuídos em 1 332 projetos de pesquisa desenvolvimento e inovação em parceria com a indústria, dos quais 712 já foram concluídos e 620 seguem em andamento. Em meio a um contexto de dificuldades e escasso apoio oficial é uma iniciativa alentadora como mostram os artigos e entrevistas contidos nessa edição de VEJA Insights, uma parceria entre as plataformas digitais de VEJA e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o SENAI e o Serviço Social da indústria (SESI).

Uma década em prol da inovação e da tecnologia

Por Robson Braga de Andrade*

Robson Braga de Andrade
(CNI/Divulgação)

Em 2012, quando completava 70 anos de uma história de sucesso na capacitação profissional e em serviços prestados à indústria brasileira, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) lançou um robusto programa de apoio à competitividade na indústria brasileira, que destinou um vultoso investimento para criar, em todo o país, uma rede de institutos voltados para o desenvolvimento da tecnologia e da inovação nas empresas do setor.

Uma década depois, já estão em funcionamento 26 Institutos SENAI de Inovação, presentes em 12 estados brasileiros; e 60 Institutos SENAI de Tecnologia, em 17 estados e no Distrito Federal. Toda essa rede atua, com indiscutível competência, desenvolvendo produtos tecnológicos e inovadores, para empresas dos mais diversos portes e segmentos industriais, muitas vezes em parceria com outros centros de pesquisa e tecnologia.

De acordo com o último levantamento, os institutos de inovação já atenderam mais de 600 empresas e investiram R$ 1,2 bilhão, distribuídos em 1.332 projetos, sendo 712 já concluídos e 620 em andamento. A estrutura tem mais de 930 pesquisadores, dos quais 43% são mestres e doutores. Os institutos de tecnologia, por sua vez, realizaram mais de 29 mil atendimentos, com 12 mil empresas envolvidas, apenas no primeiro semestre deste ano. Eles contam com mais de 1.700 especialistas e consultores.

As soluções criadas com o apoio da rede de Institutos SENAI de Inovação e de Tecnologia impressionam. Vão desde um nanossatélite, que ficará em órbita a 500 quilômetros da superfície do planeta, a um veículo autônomo submarino e a uma vacina contra a covid-19. Também são exemplos, entre tantos outros, o projeto que cria alternativas ao uso do resíduo de bauxita na cadeia produtiva do alumínio, um sistema de sensoriamento para o controle de dosadores de fertilizantes e um biossensor para auxiliar na detecção do câncer de mama.

A rede de institutos do SENAI se consolida como uma contribuição fundamental para a indústria brasileira na era da economia do conhecimento. Nesse cenário, pesquisa, inovação e tecnologia são essenciais para quem quer ganhar espaço num mercado cada vez mais acirrado. Eles atuam em consonância com as exigências da Indústria 4.0, que vem modificando radicalmente a produção e o trabalho, pela crescente digitalização da produção.

Nesse mundo em constante ebulição, as indústrias brasileiras de todos os portes e regiões do país podem contar com o SENAI para apoiá-las, seja na formação de mão de obra qualificada para os desafios do futuro, seja no desenvolvimento de tecnologias de ponta. Esta que, certamente, é a maior rede de inovação e tecnologia da América Latina, contribui de forma efetiva para ajudar o Brasil a se inserir na Era do Conhecimento e na Quarta Revolução Industrial, que já está em curso. Sempre atento às mudanças e buscando a excelência em tudo o que faz, o SENAI continua fortalecendo a indústria, e a indústria continua fortalecendo o país.

*Robson Braga de Andrade, empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

A base do desenvolvimento

VJ Insights 21
(Erlon Silva - TRI Digital/Getty Images)

A experiência internacional mostra que a inovação é o principal motor do desenvolvimento dos países avançados, alavanca essencial para elevar a produtividade de forma sustentada, acelerar a recuperação em tempos de crise e impulsionar o crescimento econômico.

Mesmo frente a um consenso indiscutível entre as lideranças e instituições empresariais sobre o assunto, o Brasil ainda não conta com uma economia estruturada em torno da inovação. O desafio para elevar a produtividade da economia brasileira é imenso, ainda que existam condições e competências para tanto. A competitividade das empresas e, muitas vezes, sua própria sobrevivência, dependem de sua capacidade inovadora, área pouco apoiada pelos governos nos últimos anos.

O desempenho do Brasil em termos de inovação é claramente insuficiente. Há cerca de vinte anos o tema entrou na agenda pública e privada e, mesmo assim, o país pouco avançou. Prova disso é que os investimentos em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) seguem em torno de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), mesma proporção apresentada em 2000.

A performance brasileira em rankings internacionais também acende o sinal de alerta. Em 2011, o Brasil ocupava a 47ª posição no Global Innovation Index, compilado pela Universidade Cornell, pelo Insead e pela World Intelectual Property Organization (Wipo). Despencou para a 70ª em 2015, sendo que, em 2021, se recuperou, passando a ocupar a 57ª posição. Apesar dos esforços públicos e privados empreendidos, a trajetória dos últimos anos é decepcionante para um país situado entre as dez mais importantes economias do mundo.

As razões para esse baixo desempenho são múltiplas. De um lado, o baixo dinamismo da economia e o ambiente macroeconômico instável inibem os investimentos privados. De outro, existem distorções e desequilíbrios nas políticas públicas, que tendem a focar no curto prazo e não assegurar a perenidade de programas de estímulo à ciência, tecnologia e inovação (CT&I), mesmo quando demonstram resultados positivos. Importante não subestimar também o processo de encolhimento da indústria, que se manifesta no ritmo acelerado de queda da participação da indústria no produto interno produto (PIB), no emprego formal e nas exportações.

Entre 2010 e 2021, por exemplo, as participações do setor industrial no PIB e nas exportações decresceram, respectivamente, de 27,4% para 22,20% e de 75,5% para 71,80%. O percentual de empregos industriais, por sua vez, passou de 24,5% para 20,9% nesse mesmo período. São números preocupantes para um país que sempre identificou na indústria a espinha dorsal de sua economia.

Tamanho declínio da manufatura no Brasil foi ainda contaminado pela ascensão das tecnologias digitais, que ensejaram mudanças profundas nos pontos de apoio e nas políticas tradicionais de crescimento econômico. A diminuição acentuada do peso da manufatura sugere que as empresas industriais só terão condições de manter sua importância se forem alavancadas na inovação.

Para vencer os grandes desafios impostos pelas novas tecnologias e reduzir nosso atraso tecnológico, o Brasil precisará intensificar o processo de modernização da indústria, assim como acelerar o desenvolvimento da infraestrutura, da qualificação de seus trabalhadores e da capacitação de empresas, aqui compreendidos o fortalecimento da pesquisa e também as atividades de gestão. São vertentes que se mostram especialmente frágeis na indústria de pequeno e médio porte, muito embora tenham um importante papel a cumprir na melhoria dos processos de produção e de inovação. Esses são aspectos críticos para abrir caminho para a absorção, a adaptação e a geração de novas tecnologias pelo setor produtivo.

A dinâmica atual das novas tecnologias digitais é tão impactante, que modifica o metabolismo da indústria de transformação, dos serviços, da agricultura e do comércio. As transformações que promovem são tão significativas, que passaram a ser consideradas pelas economias avançadas e pelos emergentes de ponta como um ativo essencial para a competitividade e para o desenvolvimento dos países.

O avanço do campo digital vem sendo viabilizado pelo aumento no desempenho e redução de custos da computação, pelo fluxo e disponibilidade de volumes gigantescos de dados e pela sofisticação dos mecanismos de integração e automação. As novas tecnologias, entre as quais ganham relevo a inteligência artificial (IA) e a computação quântica, tornam-se a cada dia mais imprescindíveis para impulsionar novos processos inovadores e elevar o padrão de eficiência das economias.

Países como os Estados Unidos, China, Japão e Alemanha, incluindo também Coreia do Sul, Canadá, Israel, Reino Unido, França e países nórdicos são exemplos de economias que procuram sustentar sua competitividade com base em inovação e que avançam em direção a essas tecnologias de fronteira.

Em que pesem os desafios, há também oportunidades à frente dos países em desenvolvimento, que podem participar do reordenamento do mapa mundial da tecnologia, a exemplo do que ocorreu em outros momentos da história, com o nascimento da química moderna, da eletricidade e da revolução da informática, que possibilitou avanços inéditos para várias nações. O Brasil não pode correr o risco de perder essa oportunidade e ficar, mais uma vez, distante de tecnologias revolucionárias, como ocorreu com a adoção da microeletrônica nos anos 1970.

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(Andriy Onufriyenko/Getty Images)

As tecnologias de hoje pedem iniciativas distintas das do passado, quando políticas industriais se desenvolviam em economias autárquicas e se pautavam pelo protecionismo. O mundo mudou, a interdependência é a regra e o fluxo de conhecimento é matéria-prima para os países se aproximarem da fronteira tecnológica.

As iniciativas mais bem-sucedidas priorizaram a inovação e perseguiram, obstinadamente, os padrões mundiais de competitividade. A diferenciação de produtos e serviços, a concepção de novos processos e modelos de negócio dinamizaram empresas e fortaleceram as economias. Foi com essa referência que países como Taiwan, Cingapura e Coreia do Sul alteraram sua estrutura produtiva, incentivaram as startups e as pequenas empresas, superaram sua tradição agrária e se tornaram exportadores de tecnologia.

Além de se inspirar nas experiências internacionais bem-sucedidas, o Brasil precisa se preparar para o digital e avançar nos programas e políticas de sustentabilidade, a começar pela defesa de nossos ativos naturais. O desafio é de extrema urgência, principalmente para um país que não pode se contentar em ser apenas um usuário de tecnologias maduras e pretende avançar para um grau superior de civilização.

No ponto de partida, é preciso reconhecer que a força que emana do digital e das novas tecnologias limpas está fundada no conhecimento. Por isso mesmo, as estratégias atuais mais avançadas se orientam pela valorização do capital humano. A atuação de profissionais capazes de compreender, gerar e colocar em movimento as novas tecnologias é a chave que abre portas para avanços reais. Em síntese, não há como absorver, adaptar e desenvolver tecnologias sem pessoas qualificadas.

Como segundo passo, é fundamental dotar o país de uma estratégia para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação (CT&I), que tome como referência as melhores práticas mundiais. Ou seja, é forçoso perseguir os padrões mais avançados, para competir na arena mundial e para elevar a produtividade do trabalho vigente na competição doméstica.

O terceiro passo diz respeito ao esforço de participação nas cadeias globais de alto valor agregado, que deve ser linha de conduta para as empresas e para o governo brasileiro. Sem interação com economias que expandem as fronteiras da inovação, o país corre o risco de estagnar no universo da cópia, de aprofundar sua dependência das commodities e de se contentar com o uso de tecnologias defasadas. Isso significa que o Brasil e as empresas precisam se voltar para mercado externo, inclusive para manter sua competitividade interna.

O quarto e último passo considera como essencial tratar educação e CT&I como atividades prioritárias do Estado. Sem esse reconhecimento, não haverá condições de eliminar chagas históricas que marcam o Brasil há décadas e caracterizam nosso déficit de competitividade e capacidade de garantir à população melhores empregos, distribuição de renda e qualidade de vida.

Esses quatro itens são direcionadores para a elaboração de uma estratégia nacional de CT&I. São pontos que se distanciam de nosso passado protecionista, mas que também apontam para caminhos distintos de experiências fracassadas, as quais diminuem a importância da indústria, reduzem o poder efetivo das políticas públicas e apenas enfatizam as forças do mercado como suficientes para desenvolver CT&I.

A realidade é que a CT&I se desenvolve a partir da atuação sistemática do Estado. Ainda que as empresas e a competição sejam imprescindíveis, não há substituto para o poder público, sua capacidade de liderança, de articulação institucional, de definição do marco regulatório-legal e das oportunidades de financiamento.

Isso significa dizer que a digitalização da economia e da sociedade brasileira não avançará sem um esforço concentrado e a participação intensa do setor público, como o grande impulsionador dos agentes econômicos capazes de sustentar as mudanças necessárias. Se a estratégia estiver marcada pela busca de processos produtivos mais limpos e sustentáveis, essa articulação será vital para colocar o Brasil na liderança de economias verdes e contará com o entusiasmo do setor empresarial.

INOVAÇÃO E INCLUSÃO

A grande onda tecnológica que percorre o planeta tem, nas tecnologias digitais, sua espinha dorsal. Foi a partir dessa base que puderam se desenvolver várias modalidades de Inteligência Artificial (IA), big data, robótica, biotecnologia, biologia sintética e nanotecnologias.

Essas tecnologias estão na base da Internet das Coisas (IoT), da indústria 4.0, das cidades inteligentes, das energias limpas e dos incontáveis avanços no campo da saúde e da educação. Os avanços digitais, a automação de processos e a integração de equipamentos e sistemas viabilizaram o novo ciclo tecnológico.

Cabe ressaltar que nem toda tecnologia que integra esse ciclo é realmente nova. Várias nasceram há décadas. Por isso, o mais importante é o movimento de convergência, que funde técnicas e abordagens para acelerar e reestruturar o desenvolvimento de inovações nas próximas décadas.

Ao penetrar em todos os domínios tecnológicos e nas engrenagens das economias e sociedades, a revolução digital ganhou musculatura e aumentou sua complexidade. O momento atual está longe de ser o mesmo que permitiu a rápida ascensão do Vale do Silício, na Califórnia, por exemplo.

Governos dos mais diferentes matizes ideológicos investem em grandes centros globais de inteligência, computação, segurança cibernética e comunicação. O investimento público e empresarial é crescente nos países avançados e em desenvolvimento, como se pode ver no enfrentamento da Covid- 19. A busca de competência tecnológica, caracterizada pela interdisciplinaridade e diversidade institucional, foi alçada à condição de política de Estado.

Os paradigmas tecnológicos têm-se alterado em velocidade muito maior, principalmente porque extrapolaram o ambiente dos laboratórios e chegaram às empresas – mesmo às menores – e aos mercados.

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(Stanislaw Pytel/Getty Images)

O poder crescente e o custo decrescente da computação, da robótica, dos novos sensores e das estruturas em nuvem, viabilizaram a ascensão das plataformas de tecnologia, que permitiram novas formas de inovação aberta e de integração da oferta com a demanda, da computação com a cognição. A título de exemplo, o preço médio de um sensor de Internet das Coisas (IoT) caiu de US$ 1,30 em 2004 para US$ 0,44 em 2018. A redução do custo com equipamentos para computação e internet, que também afetam diretamente a indústria digital, pode ser observada na figura a seguir.

As visões que orientam a Internet das Coisas (IoT) e a Indústria 4.0 anunciam processos virtuosos que têm na sua base a fusão de tecnologias. Do mesmo modo que as sinergias entre as engenharias, a física, a química e a biologia molecular abriram novos caminhos para a inovação na saúde, a junção da IA com os sistemas 5G vai aumentar a ebulição do melting pot tecnológico. O esperado transbordamento tenderá a se espalhar para todas as economias e sociedades, e os países que não estiverem preparados correrão o risco de ser empurrados para a periferia.

Entre as características mais marcantes dessa fusão de tecnologias, destacam-se:

• Os novos processos, baseados no aprofundamento da interdependência produtiva na indústria mundial, com maior diversificação da origem do valor adicionado ao fluxo geral de bens e serviços;

• Ao participar das cadeias globais de valor, a indústria dinamiza os sistemas de inovação – e é dinamizada por eles–, seja por facilitar o fluxo de conhecimento, seja por estimular o aprendizado organizacional;

• A globalização da produção e dos serviços pressiona as economias nacionais a elevar seus padrões de competição e empurra as empresas para ampliar as interações externas, em busca da diversidade e absorção de conhecimento. a internacionalização de empresas e universidades deixou de ser apenas uma oportunidade e passou a ser uma necessidade; e

• Embora apresente queda na participação do PIB e menor capacidade de geração de empregos, a indústria de transformação continua a ser essencial para manter a capacidade de adaptação e dinamização das economias e para estimular os sistemas de inovação. Isso significa que a indústria continua sendo chave para oxigenar o conjunto da economia, ainda que se apresente de modo mais compacto.

Embora no Brasil o desenvolvimento e a adoção de novas tecnologias demonstrem lentidão, a transformação dos sistemas de manufatura avança, no mundo, de forma acelerada, com novas plataformas digitais impulsionando a automação, as redes e dando forma a uma produção industrial mais flexível.

Esse movimento está longe de qualquer evolução linear. Pelo contrário, cresce em escala exponencial, em que tecnologias maduras, originadas no passado recente, coexistem com as recém-nascidas. Essa transição favorece o reposicionamento das economias e das empresas, que otimizam as antigas e aprendem com as novas tecnologias. Para qualquer país, é preciso liderança e estratégia, consubstanciadas no suporte de políticas públicas e na execução de um projeto transformador.

No Brasil, o debate sobre a indústria do futuro, além de se voltar para a elevação da produtividade do trabalho, deve identificar oportunidades para uma transformação estrutural, que permita condições de competir em uma economia digitalizada. O aspecto positivo é que o Brasil tem condições de operar esse trânsito. O aspecto negativo é que os avanços não se darão sem custos, que precisam ser observados nas políticas públicas. Isso porque:

• Sem iniciativa e senso de urgência, a distância entre os países que desenvolvem e os que não dominam essas tecnologias tenderá a aumentar;

• O mesmo movimento se reproduzirá no interior dos países, em que as desigualdades regionais tenderão a aumentar por conta das diferentes competências tecnológicas existentes e dos diferenciais de estrutura produtiva;

• Os contrastes no mercado de trabalho também terão propensão para crescer, seja por conta das dificuldades de criação de empregos, seja pela diferenciação na formação dos profissionais; e

• Questões éticas, de transparência e de privacidade, ao lado do desemprego e das desigualdades sociais, formam a base de enormes desafios para governos e para toda a sociedade.

Esses alertas sugerem que a busca da capacitação tecnológica adquire maior sentido quando está combinada ao esforço para diminuição dos contrastes sociais. Essa deve ser a realidade de um Brasil que deseja ascender tecnologicamente e oferecer os benefícios para todos – não apenas para poucos.

Nesse sentido, o binômio inovação-inclusão deverá ser norteador, uma prioridade para as políticas de governo, visando à mobilização do setor privado e da sociedade civil. Para encontrar seu caminho, o Brasil terá de amadurecer rapidamente, para dar forma a uma grande parceria público-privada em nome de ganhos na competitividade e na inclusão social.

Nessa linha, apresentam-se, a seguir, dois conjuntos de diretrizes para orientar a transformação digital na indústria e na sociedade, de modo a atender o binômio inovação-inclusão. De um lado, reforça-se a necessidade de levar em conta medidas que visem:

• Facilitar a implantação de tecnologias digitais avançadas nos processos produtivos, tanto nas redes de fornecedores, no processamento e nas operações de manufatura, como nos sistemas de distribuição. Isso implica o desenvolvimento de programas de sensibilização quanto às vantagens de soluções tecnológicas, de consultoria para a adoção de tecnologias digitais e a construção de uma plataforma digital, em parceria público-privada, de observação, monitoramento e tutoria.

• Abrir linhas específicas de financiamento e impulsionar o empreendedorismo digital facilitando a criação de startups de tecnologia;

• Fomentar a capacitação de pessoal e expandir os mecanismos de formação em todas as áreas relacionadas ao digital, inclusive com ações de valorização da diversidade de todos os tipos (como gênero e raça);

• Definir planos para as diferentes regiões do país, levando-se em conta as características, o potencial e a capacidade industrial e de gestão existente em cada território;

• Impulsionar a digitalização do setor público, em todos os níveis, o que implicará mudanças nos processos de prestação de serviços e no relacionamento com as empresas

• Construir ambientes favoráveis à inovação aberta e à cooperação entre empresas e demais agentes do SNCT&I; e

• Criar espaços de experimentação (sandbox) para testar fórmulas e sugestões regulatórias.

Como o esforço pela inovação será mais produtivo quanto menor for a desigualdade existente. As diretrizes apresentadas a seguir procuram abordar o digital com foco nas populações mais vulneráveis:

• Universalizar o acesso e a implantação de banda larga em todas as escolas e no sistema de saúde, público e privado;

• Oferecer linhas específicas de financiamento para a digitalização da educação e da saúde;

• Ampliar a cobertura da banda larga fixa e elevar a velocidade da banda móvel, especialmente para áreas rurais e periferias de grandes cidades precariamente atendidas;

• Definir, nas concessões e contratos, a oferta de banda larga a preços acessíveis para populações mais vulneráveis;

• Elaborar plano de universalização da conectividade, que assegure o acesso das populações mais pobres, inclusive para a aquisição de smartphones, tablets e laptops;

• Articular provedores e fabricantes, para oferecer serviços e equipamentos de baixo custo;

• Estimular a criação de conteúdos e soluções digitais de baixo custo para as áreas de educação e saúde; e

• Implementar políticas e instrumentos, com base em critérios socioeconômicos, etários, étnicos e de gênero.

INOVAÇÃO COMO ESTRATÉGIA

Ao invés de promover o desenvolvimento de tecnologias e setores individuais, são muitos os governos que direcionam também suas ações para grandes programas mobilizadores e para a pesquisa orientada à missão.

Nesses casos, é comum que os atores públicos e privados sejam estimulados a atuar em parceria, para alcançar metas específicas de um programa estratégico explícito de inovação. Na Comunidade Europeia, iniciativas desse tipo são descritas como intervenções em grande escala, com objetivos claramente definidos. As iniciativas orientadas por missão são tipicamente ambiciosas, exploratórias e inovadoras por natureza – muitas vezes interdisciplinares – e visam responder a um desafio concreto, com expectativas de grande impacto e cronograma bem definido.

arte SENAI
(Yagi Studio/Getty Images)

Estas missões comportam tanto a pesquisa básica, como a pesquisa aplicada e a inovação. Além disso, procuram articular políticas horizontais (educação, emprego, pesquisa e inovação) com políticas verticais, mais direcionadas (saúde, meio ambiente, energia). Ao invés de utilizar políticas verticais para selecionar setores ou tecnologias, o aspecto vertical das missões seleciona um problema de interesse nacional. A busca de sua solução estimula setores da sociedade, empresas, centros e pesquisa, universidades, a definirem sua forma de trabalho e colaboração. A livre formação desses consórcios busca resolver o problema selecionado, no tempo fixado e com os recursos anunciados.

A pesquisa orientada para a missão pode ser usada para injetar urgência no desenvolvimento de soluções para desafios sociais, como as mudanças climáticas, bem como para o fornecimento de bens públicos globais, como educação e serviços de saúde pública. Pode ser ainda orientada à criação de medicamentos e vacinas, que podem beneficiar o conjunto da população.

O Brasil tem todas as condições de experimentar programas robustos nessa linha. O Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado em 1975, permanece como um grande exemplo de pesquisa orientada para missão.

As agências de fomento, os ministérios e os bancos públicos podem se aliar a iniciativas privadas e ou fundos de endowment para mobilizar recursos e lançar editais para a resolução de problemas tecnológicos, científicos, econômicos e sociais relevantes. Não há experiência no Brasil com essas características. Houve no passado recente ensaios de construção de plataformas com o mesmo espírito, mas que nunca chegaram a se tornar realidade.

O sistema nacional de CT&I (SNCT&I) está habituado a apenas receber propostas de pesquisadores individuais, de empresas ou de universidades, com a tendência a pulverizar recursos. Dessa forma, teria muito a ganhar, caso fossem priorizados os problemas de interesse do país e de sua população, que precisam ser resolvidos.

SINERGIA ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

O ritmo ainda lento da digitalização no meio industrial mostra que são poucas as empresas preparadas para absorver e controlar, mesmo que parcialmente, tecnologias de impacto como inteligência artificial, big data, robótica e outras.20 Sem ter um norte claro pela frente, parte das empresas se acomoda na condição de usuária de tecnologias – nem sempre das mais avançadas.

Para alterar essa realidade, a atuação do Estado brasileiro é essencial. Não no sentido de proteger, criar reservas de mercado ou substituir a iniciativa de empresários e empresas. Há vários exemplos internacionais que ajudam a sociedade brasileira a compreender – e não temer – as tecnologias.

Mesmo com diferenças políticas, sociais e econômicas profundas, é importante observar que a China não se tornaria referência mundial em tecnologia sem o suporte público. Tampouco o Japão e a Coreia teriam dado o salto que deram, após a II Guerra Mundial, sem a participação ativa do Estado.22 No ocidente, a economia mais inovadora do mundo, a dos Estados Unidos, precisou de uma agência ligada ao governo, a Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA), para criar a internet, o GPS, impulsionar os carros autônomos e os atuais assistentes digitais, como a Siri e Alexa.

O mesmo tipo de atuação se reproduziu em diferentes países, com a química na Alemanha, a biotecnologia na Suíça, a recente elaboração de vacinas contra a Covid-19 e o avanço de tecnologias verdes na área de energia. Esses exemplos indicam que o setor privado é estimulado, complementado e apoiado pela atuação de governo e pelo investimento público em projetos de risco. Para localizar e tratar a necessária sinergia entre o setor público e o privado no Brasil, seguem direcionadores de destaque:

• É urgente que o poder público se articule com o privado para criar instrumentos e políticas para reduzir o déficit tecnológico atual, que distancia as empresas brasileiras das práticas mais avançadas;

• A União, estados e municípios devem agir não apenas para compensar falhas de mercado, mas também para atuar como catalisadores de um verdadeiro movimento de estímulo à consolidação de uma cultura empresarial, voltada para enraizar a inovação na malha industrial e em toda a economia;

• Diante das mudanças na natureza da competição, é necessário estimular às empresas a repensar suas estratégias, melhorar sua gestão, qualificar seus profissionais e aprender com as novas práticas; e

• A investimento público deve ter como foco a elevação do P&D e a introdução de novos modelos de negócios inovadores nas empresas, de modo a dinamizar a economia.

As tecnologias digitais pressupõem competências tanto em questões aplicadas como em pesquisa básica. Com isso, a articulação universidade- empresa ganha ainda mais importância. Patrocinar a aproximação da academia com as empresas ganhou relevância inédita para a inovação.

“Criatividade só existe se houver conhecimento”

Entrevista com Jefferson Gomes, diretor de Inovação e Tecnologia do SENAI

arte SENAI
(CNI/Divulgação)

Inspirada na Sociedade alemã Fraunhofer, maior organização de pesquisa aplicada da Europa, a rede de Institutos SENAI de Inovação e Tecnologia se prepara para completar 10 anos de anos de atuação com números robustos: 60 unidades em 17 estados e no Distrito Federal, mais de 1,2 bilhão de reais distribuídos em 1.300 projetos de pesquisa e desenvolvimento e presença em mais de 10 países. Os projetos desenvolvidos pela rede vão de um robô que fiscaliza vazamentos de petróleo no Mar do Norte a um creme facial para mitigar rugas. Jefferson Gomes, diretor de Inovação e Tecnologia do SENAI, falou a VEJA INSIGHTS sobre a importância destes institutos para a indústria brasileira e os obstáculos na área da educação que impedem que a Ciência e a Tecnologia avancem no país.

O que motivou a criação dos Institutos SENAI de Inovação, há 10 anos? Eles foram montados para ocupar uma área tênue entre a pesquisa fundamental, com as universidades e suas competências, e as necessidades industriais. Com o desenvolvimento do começo do século, as indústrias brasileiras sofreram uma enxurrada de ferramentas que melhoram a conectividade, mas também mudanças comportamentais de padrão social, com uma população já envelhecida no mundo e caminhando para uma baixíssima taxa de natalidade. Esta população aumenta a exigência por produtos mais customizado e isso consiste em uma demanda completamente diferente de hábitos e de recursos para energia. Se fizermos todos os processos dos 17 pontos do desenvolvimento sustentável da ONU, traríamos mais pessoas à zona de consumo, com diminuição da pobreza e da fome. Precisaríamos de mais 50% de energia para a população, mais 40% de alimentos e mais 40% de água. São grandes desafios para um país como o nosso, onde a indústria brasileira consome 40% de energia.

Quais são esses desafios? Eles passam por conectividade, energia renovável, energia circular, relativos à bioeconomia. Em 2010 e 2011 percebemos que teríamos muita dificuldade se não nos posicionássemos nessa agenda. Passaram-se 10 anos, foram mais de mil projetos executados, com o claro intuito de influenciar no número de novas empresas lançadas e nas novas necessidades de formação de pessoas. Afinal de contas quando falamos de bioeconomia, biosintético e inteligência artificial é muito difícil conseguir gente capacitada. E se temos todo esse aparato de projetos e possibilidades, qual é a nossa capacidade de influência em regulação, legislação, análise de infraestrutura? Os institutos foram montados nessa miríade de grandes desafios na sociedade e foram divididos em temas específicos: instituto de laser, biosintética, biomassa, polímeros. Então a lógica dos institutos era de desenvolvimento de pesquisas e de projetos de engenharia aplicados a vulnerabilidades sociais e estamos com resultados bem interessantes.

De que forma os institutos SENAI estão presentes internacionalmente? Quando os institutos surgiram, precisávamos transformar a pesquisa aplicada em um modelo de negócios. A sociedade alemã Fraunhofer ocupa um lugar entre as universidades e as empresas e tem um modelo de gestão de pessoas, de organização e de relações em quantidade, qualidade e sistemática, então os convidamos para nos auxiliarem e hoje eles auditam a qualidade dos institutos SENAI. Além disso, precisávamos desenvolver a parte de inovação e durante seis anos fomos auxiliados pelo MIT para a construção dessa atmosfera. Os dois juntos fizeram com que construíssemos os distritos de inovação, ambientes que congregam pesquisa, startups, pequenos desenvolvedores, grandes empresas, stakeholders e fontes de financiamento. Inclusive dentro da ESG, garantindo que os projetos sejam auditáveis em governança social e ambiental. Não trouxemos máquinas da Alemanha e dos Estados Unidos, mas modelos de gestão que se tropicalizaram ao chegarem ao Brasil. Além disso estamos em mais de 10 países, já temos projetos brasileiros com aplicação em rede internacional. O robô FlatFish, por exemplo, vai ao fundo do mar para verificar efeitos como vazamento de petróleo e está sendo testado no mar do Norte. Sua tecnologia, porém, foi desenvolvida por nós junto com um instituto alemão enquanto o produto foi fabricado por uma empresa italiana instalada na Bahia.

Como a indústria e o mercado recebem esses projetos? Hoje 89 empresas montaram seus centros de desenvolvimento dentro dos institutos, você não vê isso dentro das universidades. Esse conjunto de aparelhos montado pela indústria acelerou a produção de tecnologia nacional. Um dos projetos feitos pelo instituto é um creme facial para mitigar rugas feito com pimenta biquinho, ele ganhou vários prêmios internacionais. Há ainda um satélite que está no espaço agora sendo usado no setor agrícola, e um projeto que está na fase 3 da vacina da Covid-19, junto com vacinas para chikungunya e dengue, com outros institutos mundiais. Outro projeto está desenvolvendo novas baterias e um outro estuda tintas com nanotecnologia que se autorregenera com riscos. Todos esses princípios foram desenvolvidos na universidade, mas ali eles aplicaram esse conhecimento.

Quais são os principais desafios das universidades na formação de profissionais voltados à inovação? As nossas universidades têm formado recursos humanos na área de pós-graduação, mas com a economia pujante no mundo, temos um problema de migração de cérebros para outros lugares. Um pesquisador é motivado por salários, mas também por desafios. Os Institutos SENAI garantem um conjunto de projetos que tenham valor. Recentemente começamos um projeto no Porto do Suape, em Pernambuco, para desenvolver várias tecnologias distintas para hidrogênio verde. Projetos como esse despertam nos estudantes de graduação vontade de aprender o novo. A universidade é a fonte do conhecimento, os nossos alunos de pós-graduação têm lá o seu berço, pesquisam a literatura e desenvolvem os métodos. Os institutos pegam esses líderes e começam a desenvolver produtos.

Falando de maneira mais ampla, o que impede o desenvolvimento da inovação no Brasil? Precisamos melhorar o cenário regulatório, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), trabalhar os desafios da indústria para a utilização desses recursos, a agenda de ESG. Precisamos procurar incessantemente várias fontes de fomento para isso, mas de nada vai adiantar conseguirmos todos os cenários e ferramentas para a inovação se o ambiente não estiver composto por muita gente, e gente criativa. Criatividade só existe se houver conhecimento e formação no assunto, mas também um ambiente desprovido de preconceitos em relação à tecnologia. Então precisa de um ambiente propício a criatividade, ou seja, ao conhecimento, à diversidade perseguida e ao contraditório. Isso tudo a gente só consegue com muita educação.

Como o sistema educacional brasileiro de base prejudica esse avanço? Vivemos em um país onde a educação é muito pouco estimulada, 70% da população brasileira não terminou o ensino fundamental, e só 16% ou 17% chegam às universidades. Não temos 10% da população com curso técnico. Se queremos estimular a inovação, precisamos estimular a educação. O que falta é recursos humanos, ele é estruturante. Os Institutos SENAI só conseguiram resultados significativos com gente, e não máquinas. Precisaríamos ter uma constante plantação de talentos na área da educação. Uma das propostas é termos um Ensino Médio que oferte a possibilidade para Ensino Técnico estruturante, ou mesmo trazer a lógica de problemas da sociedade para o Ensino Médio. Só com equações de segundo grau se poderia consertar estruturas em casa, coisas do dia a dia podem ser resolvidas com perguntas clássicas. Uma horta é um ambiente maker.

E o ambiente regulatório, como ele poderia ser favorável à inovação? Todo grande desenvolvimento tecnológico gera a necessidade de permanentemente avançar em regulações, há discussões éticas. Carro autônomo é um ambiente regulatório que está sendo estudado, como qual será a tomada de decisão em um possível acidente? Esses ambientes muito novos precisam trabalhar constantemente com regulações, e isso precisa ser acelerado. Um robô trabalhando com uma pessoa no dia a dia implica em questões éticas, de regulações, de segurança do trabalhador.

Ponte para o futuro

arte SENAI
(Pedro Vilela/Getty Images)

Criado em 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) nasceu com a missão de ajudar a indústria brasileira a ser mais competitiva por meio de ações focadas no aumento da produtividade das empresas, sobretudo com a qualificação profissional, a inovação e a execução de serviços técnicos. Em oito décadas de existência, tornou-se a principal instituição de ensino técnico e profissional do país, com mais de 80 milhões de trabalhadores formados. Também se tornou a rede com a maior infraestrutura de tecnologia e inovação do Brasil. Seu modelo de formação mantém o currículo sempre alinhado à evolução tecnológica da indústria, o que se traduz em inclusão e empregabilidade para os jovens capacitados em diversos setores da indústria.

Em um país que amarga números crescentes de desemprego, a pesquisa de egressos de 2020 mostra que 7 em cada 10 ex-alunos SENAI estão empregados e que ex-alunos SENAI com curso técnico têm 22,7% a mais de renda média. Os dados mostram ainda que ex-alunos de cursos de qualificação profissional do SENAI têm 30% de chances a mais de conseguir emprego no período de um ano após terem sido demitidos. Anualmente, dois terços (66,66%) da Receita Líquida de Contribuição Compulsória Geral são destinados ao custeio, investimento e à gestão, de forma a viabilizar vagas gratuitas nos Cursos Técnicos e de Formação Inicial e Continuada.

arte SENAI

Além da educação profissionalizantes, a inovação é também é uma frente de atuação decisiva do SENAI. Desde 2013, a instituição mantém no país a rede de Institutos SENAI de Inovação, composta, por 26 institutos presentes em 12 estados da federação. A iniciativa se propõe a ser uma ponte entre o meio acadêmico e o empresariado voltada à pesquisa aplicada – o emprego do conhecimento de forma prática, no desenvolvimento de novos produtos e soluções customizadas para as empresas ou de ideias que geram oportunidades de negócios. A atuação se dá desde a fase pré-competitiva, de definição de conceitos e experimentações, até a etapa final, quando o novo produto está prestes a ser fabricado.

Na última década, os Institutos SENAI de Inovação atenderam mais de 600 empresas, em investimentos que ultrapassam 1,2 bilhão e reais, distribuídos em 1 332 projetos de pesquisa desenvolvimento e inovação em parceria com a indústria, dos quais 712 já foram concluídos e 620 seguem em andamento. A estrutura conta com mais de 930 pesquisadores, sendo 43% são mestres e doutores. Focados em pesquisa e desenvolvimento, tais Os centros de P&D trabalham com pesquisa aplicada.

A rede atua em paralelo aos 61 Institutos SENAI de Tecnologia, localizados em 17 estados e no Distrito Federal, que concentram 1 300 especialistas e consultores para o desenvolvimento de tecnologias voltadas a empresas dos mais diversos portes e segmentos. Tal estrutura realizou mais de 59 000 atendimentos somente em 2020. Ao todo, 10 083 empresas foram atendidas no período.

“Os institutos têm o signo do que os principais países líderes estão fazendo, que é criar uma infraestrutura de apoio à capacidade de sofisticação da indústria. A rede tem como maior propósito apoiar à demanda da indústria para ela se tornar mais competitiva e, portanto, mais sofisticada”, explica Rafael Luchesi, diretor de Educação e Tecnologia da CNI e diretor geral do SENAI. “Nos colocamos como uma externalidade da estrutura industrial brasileira, um conceito bastante ligado à economia da inovação. Entre as empresas parceiras, há várias de atuação global, que trouxeram os projetos de Pesquisa e Desenvolvimento ao Brasil. Hoje essa rede tem um papel estratégico para muitas empresas brasileiras que fazem muita pesquisa de fronteira”.

Foi por meio dos Institutos SENAI de Inovação e Institutos SENAI de Tecnologia que o Brasil conseguiu desenvolver, por exemplo, produtos importantes para o país em meio à pandemia de Covid-19, como um substituto nacional do insumo básico na produção do álcool em gel, tecidos antivirais, testes rápidos para detecção do vírus, sem falar da mobilização nacional que consertou e devolveu aos hospitais mais de 2 500 respiradores, aumentando as chances de mais de 25 000 pessoas de sobreviver ao coronavírus.

Os institutos são aliados decisivos da indústria na pesquisa, desenvolvimento e inovação, em metrologia e testes de qualidade, a fim de permitir que os produtos brasileiros estejam em conformidade com normas técnicas, condição fundamental para competir em um mercado globalizado. A rede conta ainda com parcerias com universidades e instituições renomadas, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos.

arte SENAI

A iniciativa de criação da rede de Institutos SENAI de Inovação partiu da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), grupo de cerca de 300 executivos das principais companhias industriais brasileiras, coordenado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que avaliou ser necessário criar centros de P&D voltados diretamente às necessidades da indústria. A rede e se organiza para atuar integrada a tendências globais, como mobilidade, saúde, energia, cidades inteligentes, manufatura avançada, bioeconomia e tecnologias da informação e comunicação, evoluindo sintonizada com os interesses mais estratégicos da sociedade e da indústria brasileiras. Entre os benefícios oferecidos para as empresas estão laboratórios de prototipagem, confidencialidade nas pesquisas, equipamentos de ponta para testes e transferência de tecnologia.

Na lista de soluções desenvolvidas pela rede estão projetos relacionados à chamada Indústria 4.0 realizados em parceria com empresas de todos os portes e startups. Entre os projetos estão o Flatfish, primeiro protótipo desenvolvido no Brasil para inspeção visual em 3D de alta resolução para inspeção de dutos de petróleo, feito em parceria com a Shell. (exemplos de outros projetos: Robo de pintura, do ISI Sistema de Manufatura em parceria com a Petrobras; Nova vacina da Covid 19 do ISI Sistemas Avançados de Saúde em parceria com a FioCruz e outras Universidades e Empresas internacionais);

Os projetos são custeados por diversos modelos de financiamento, envolvendo desde recursos aplicados diretamente pela empresa, pela Plataforma Inovação para a Indústria, iniciativa que seleciona e financia propostas inovadoras, ou ainda por outras fontes regionais e nacionais de fomento à pesquisa e inovação. Quinze institutos estão credenciados pela Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e suas iniciativas contam com verba diferenciada para financiamento de projetos estratégicos de pesquisa e inovação. Outros 21 são credenciados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), 11 pelo Comitê da Área de Tecnologia da Informação – Lei de Informática (CATI) e um é credenciado ao Comitê das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia – Lei de Informática (CAPDA).

A grande inspiração da rede foi a Sociedade Fraunhofer, da Alemanha, a maior organização de pesquisa aplicada da Europa. Foi firmado contrato com o Instituto Fraunhofer IPK de Berlim para colaborar nesse trabalho. Os especialistas ajudam no planejamento e implementação de cada unidade com foco na orientação para o mercado, assim como monitoram seu desempenho, tanto individualmente como em conjunto. Como fruto dessa parceria foram realizadas auditorias de gestão – evoluindo para Pacto de Gestão – em todos os 26 ISIs, desde 2015; Realização de auditorias tecnológicas em 26 ISIs com apoio de parceiros internacionais, desde 2017.

O SENAI também conta com a Plataforma Inovação para a Indústria uma iniciativa para financiar o desenvolvimento de produtos, processos ou serviços inovadores, com o objetivo de aumentar a produtividade e a competitividade da indústria brasileira, além de promover a otimização da segurança e saúde na indústria. Criada em 2004, a iniciativa já selecionou mais de mil projetos inovadores, nos quais foram investidos mais de R$ 917 milhões.

“O mundo se move mais depressa do que o Brasil”

Entrevista com Pedro Wongtschowski, do Grupo Ultra

Pedro Wongtschowski
(./Divulgação)

Com sua longa trajetória pelo Grupo Ultra, Pedro Wongtschowski presidente do conselho de administração da empresa, é um grande conhecedor dos setores industrial e de serviços no Brasil. Membro do Comitê Gestor de Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI-CNI) e presidente do Conselho Superior de Inovação e Competitividade da FIESP, tem tomado a dianteira em iniciativas para divulgar a importância da inovação como forma de melhorar a produtividade e desenvolver o país, e de se enfrentar os grandes desafios nessa trajetória. Um dos projetos que acompanha de perto e que, como um dos seus idealizadores, apoia é a Rede de Institutos Senai de Inovação e Tecnologia. Ele falou sobre o papel dessa empreitada para o país.

Como único brasileiro do conselho do Índice Global de Inovação, iniciativa conduzida pela Universidade Cornell, pelo Insead e pela World Intelectual Property Organization (Wipo), qual a sua avaliação da inovação brasileira atualmente? O Brasil aparece no número 57 do índice global de inovação de 2021. Uma das 15 maiores economias do mundo não pode estar tão para baixo. O resto do mundo se move mais depressa do que nós. O Brasil tem grande oportunidade de aproveitar essa nova tendência de mudanças nas cadeias de suprimentos e exportar mais para países próximos e para parceiros. Mas, para isso, precisamos ter mais inovação, produtividade e um ambiente tarifário melhor para isso.

Como surgiu a ideia de contribuir com a formação de uma rede focada em inovação e tecnologia no país? Para entender isso é preciso voltar ao início. A iniciativa surgiu a partir da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), que nasceu buscando alguns objetivos: mostrar como se inova, por que se inova e como estabelecer institutos como os que existem fora do Brasil. Uma segunda frente era ter um braço de interlocução com o governo para induzir as empresas a inovar. Com isso, poderíamos mostrar à gestão pública como melhorar a qualidade do incentivo fiscal, e aumentar os recursos para a inovação, além de criar canais de financiamento, para reforço das atividades de inovação.

Tudo isso focado no setor industrial? Sim, e fazendo uma interlocução com o Ministério de Ciência e Tecnologia, para que se preparasse para atender o setor industrial e melhorar as condições para as startups de base tecnológica. Ou seja, o MEI apareceu com dois grandes objetivos, um interno da indústria, e um de interface com o governo.

Essas ideias foram bem recebidas? O movimento teve um extraordinário sucesso, porque o setor se interessou muito com a empreitada e o governo precisava muito saber o que devia ser feito. Afinal, havia muito financiamento disponível que não era tomado pelo setor industrial, e as instituições de pesquisa acabavam sendo subutilizadas.

Em específico, nas empresas, o que mudou? Este movimento tirou a inovação do seu gueto, dos departamentos de pesquisa e desenvolvimento, e trouxe o tema para o primeiro escalão das companhias, melhorando a visibilidade dos projetos dentro das empresas. No MEI, acontecem cinco reuniões por ano, com 200 a 300 líderes empresariais, e que atraem autoridades do governo, como o presidente do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), do Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual) e o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações. Às vezes, o ministro da Economia também participa, assim como o da Saúde, quando o tema é correlato, e quase sempre também vai o representante do BNDES. As reuniões foram se transformando num grande ponto de debate entre indústria e governo para as questões ligadas a ciência e inovação.

A partir deste fórum qual ação concreta surgiu? Dentro disso que apareceu a ideia dos Institutos Senai de Inovação. São 26 centros, cada um com uma especialidade, como de química verde e nanotecnologia, e que são formados com cerca de 30 ou 40 doutores e mestres, para ajudam na solução de problemas da indústria. Eles trabalham no desenvolvimento de processos, de produtos e de métodos analíticos. A iniciativa colhe resultados muitos bons. O segundo filhote da MEI foi a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), uma organização social que fomenta a inovação na indústria. Ela credencia institutos de ciência e tecnologia com experiência em lidar com a iniciativa privada.

Como ela funciona? A participação dos institutos não pode ser passiva. Eles têm de ir atrás da produção industrial e apresentar proposta de pesquisa em inovação que podem conduzir. E daí podem preparar propostas para essas indústrias. Eles recebem recursos da Embrapii à medida que assinam contratos com alguma companhia. A empresa se beneficia porque não paga a totalidade do custo da pesquisa, e cria a inovação que pode utilizar, e o Brasil se beneficia porque aumenta a produtividade das empresas.

E quais os resultados até agora? A Embrapii é uma organização muito pequena, com contrato com o Ministério da Ciência e com outras pastas, e recebe os fundos a partir dos projetos. Ela já aprovou projetos de mais de 2 bilhões de reais em seis anos. É um fator importante para a melhoria de capacidade e competitividade de indústrias.

Então, basicamente os institutos Senai recebem propostas de pesquisas das empresas e a Embrapii sugere os projetos às empresas? De certa forma, sim. Mas, alguns dos 26 institutos Senai atuam também como unidades Embrapii. Então, esses atuam tanto recebendo o projeto do cliente de pesquisa, como procuram e apresentam propostas que consideram ser do interesse do setor industrial.

Como tem sido a sua atuação junto a essas iniciativas? Eu tenho atuado na MEI desde a fundação, há 14 anos. Já os Institutos Senai de Inovação foram implantados com financiamento do BNDES em 2013. Já são projetos bastante maduros. E, quando houve a troca de gestão da Fiesp, o Josué (Gomes da Silva, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, desde 2021) me convidou para presidir o conselho superior de inovação da Fiesp.

O desafio da formação educacional

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(Miguel Ângelo/CNI/.)

O universo empresarial e a própria forma como vivemos, trabalhamos, consumimos produtos e informação passa por uma radical transformação. O mundo atravessa um cenário de rápidas e profundas mudanças provocadas pela digitalização e automação dos processos. Tamanha ruptura, impõe urgência na condução de políticas que garantam a manutenção e o avanço da produtividade e competividade nacional. Isso exige o desenvolvimento de estratégias que, entre outras, promovam o alinhamento da educação dos jovens e a capacitação dos trabalhadores com as novas demandas do mercado de trabalho e da indústria.

Em que pesem essas constatações, o Brasil ainda apresenta baixa qualidade da educação, o que contribui para a tendência de queda observada na posição brasileira em índices internacionais de competitividade e inovação. No World Talent Ranking de 2020, o Brasil figura na 59a posição entre 63 países, um contraste em termos de gastos públicos, que identifica o Brasil entre os 10 países com mais investimentos em educação (em termos relativos).

O baixo desempenho do país está relacionado às questões de aprendizagem, como mostra os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA, no qual, na edição de 2018, o Brasil ficou na 57ª posição em leitura, na 70ª em matemática e na 66ª em ciências, o que apenas confirma deficiências históricas que impactam negativamente a capacidade de competição da economia. As deficiências do ensino fundamental e médio foram agravadas no contexto do fechamento das escolas e da adoção do ensino a distância, durante a pandemia da covid-19, com perda de aprendizagem e agravamento das desigualdades na educação. A evasão também se ampliou com o distanciamento físico e o fechamento das escolas.

Segundo estudo da Unicef e Undime, o índice de abandono, que era de 2%, em 2019, sobretudo entre crianças de 6 a 10 anos, foi para 9,2%, em 2020, afetando, sobretudo, crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos. Em contexto de grandes mudanças tecnológicas e avanço da digitalização, esse desempenho dificulta a participação dos jovens no uso e desenvolvimento de tecnologias e restringe os benefícios para toda a sociedade.

O avanço do digital requer qualificações e habilidades novas. Assim, além de ajustes na capacitação e no treinamento para atividades técnicas e operacionais específicas, é necessário assegurar que os trabalhadores desenvolvam atributos associados à flexibilidade e à versatilidade e consigam participar de processos de aprendizado contínuo. Esses requisitos valorizam ainda mais trabalhadores com maior escolarização formal, além de cursos e treinamento profissional realizados pelas empresas.

Pelo papel crítico da inovação tecnológica para a elevação da produtividade e para o crescimento, é indispensável que o Brasil eleve a qualidade do ensino em todos os níveis, em especial no que diz respeito ao desenvolvimento de competências científicas e tecnológicas. Nessa linha, é prioridade para a agenda de inovação o estímulo à educação profissional e tecnológica e à formação em STEAM (acrônimo em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática).

A transição para uma economia digital tem modificado os requisitos de atuação dos trabalhadores, valorizando investimentos em educação e capacitação de pessoal. Além da preparação para o desempenho de atividades que exigem habilidades técnicas específicas, é importante desenvolver atributos que permitam uma atuação profissional criativa e versátil em ambientes marcados pela utilização de tecnologias, equipamentos e processos, que evoluem em um ritmo acelerado.

A esses impactos, provocados pela quarta revolução industrial, há que se olhar também para as mudanças demográficas, ambientais e para as necessidades dos consumidores, as quais vêm promovendo a rápida criação de uma gama de novas funções. Perfis e competências profissionais, associadas, por exemplo, à economia verde e a economia do cuidado, vêm crescendo em ritmo acelerado.

É urgente a implantação de políticas de educação profissional inovadoras, capazes de acompanhar as rápidas transformações nos perfis profissionais e promover uma ação eficaz apta a melhorar a educação e a produtividade nacionais. Os países desenvolvidos e em desenvolvimento vêm-se organizando nesta direção.

No Brasil, vale destacar que esse caminho pressupõe, necessariamente, uma ação de política de formação profissional coordenada com outras pastas, com destaque para as áreas do trabalho, da economia, da infraestrutura e do meio ambiente. Tal articulação além de contribuir para deixar o país no trilho das mudanças da Industria 4.0, viabilizará a criação de condições que permitam ao Brasil se desenvolver de modo sustentável e se posicionar internacionalmente em um lugar de destaque, aproveitando seu potencial frente às oportunidades associadas à economia verde, principalmente.

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(MesquitaFMS/Getty Images)

Nesse cenário, a educação profissional, estruturada a partir dos princípios da educação ao longo da vida, tem um papel fundamental a desempenhar. É urgente a criação de mecanismos eficientes, que possam acompanhar as mudanças e orientar o desenvolvimento das competências apropriadas e necessárias para que jovens e trabalhadores possam atuar e se adaptar a esta nova realidade do trabalho.

Programas de qualificação e requalificação de trabalhadores devem entrar na ordem do dia dos gestores de política, incluindo formações a serem desenvolvidas pelas instituições de ensino e pelas empresas. Esta estratégia se alinha à agenda promulgada pelo Fórum Econômico Mundial, a “Revolução da Requalificação”, na busca de viabilizar novas oportunidades de trabalho para até um bilhão de pessoas no mundo nos próximos 10 anos.

Trata-se de um debate necessário ao país – sobretudo se considerarmos o ainda baixo percentual de matrículas no ensino profissionalizante, que representa 11% das matrículas no ensino médio contra uma média de 42% entre os países da OCDE. Esse quadro é agravado pela reduzida presença de alunos em cursos profissionalizantes nas áreas de engenharia, manufatura e construção (16%).

Assim, a exemplo dos países industrializados, que se preocupam com a formação da mão de obra especializada para o setor produtivo, planejada e realizada em parceria com a iniciativa privada, é essencial que o Brasil invista na expansão dos cursos de educação profissional e na atualização permanente dos profissionais, devido à rápida evolução dos perfis dos trabalhadores requeridos pela indústria, em função da introdução de novas tecnologias e da exigência de novas competências.

A importância quanto ao investimento é ainda maior para o Brasil, tendo em vista a elevada taxa de desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos, que se situava, no primeiro trimestre de 2021, em 31%, superando significativamente a taxa de desemprego geral de 14,7% registrada para o país.40 Portanto, um novo governo deve consolidar trajetórias de profissionalização, que consigam responder aos novos desafios do mercado de trabalho.

A educação nos campos da ciência e da tecnologia é vital para qualquer trajetória assentada na inovação. Nas décadas de 1960 e 1970, o sucesso de muitos países em desenvolvimento se deveu à melhoria e à universalização de seus sistemas educacionais, com foco nas ciências exatas, como a engenharia.41 Essa abordagem continua sendo utilizada, por exemplo, pela National Science Foundation, nos Estados Unidos, por meio do Scholarships in Science, Technology, Engineering and Mathematics Program (S-STEM).

No Brasil, trata-se de um ponto crítico, pois apenas 17% dos egressos do ensino superior se graduam nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, no acrônimo em inglês). Nos países da OCDE, praticamente um em cada quatro diplomas provém das áreas de STEM, reconhecidas como estratégicas para a inovação e o crescimento da produtividade.

Essa restrição agrega-se à limitada qualificação em TICs, à reduzida familiaridade com as novas tecnologias digitais e à insuficiente oferta de cursos que capacitem pesquisadores e técnicos nas áreas de fronteira, como inteligência artificial ou ciências de dados, o que contribui para as deficiências já conhecidas na formação dos profissionais para inovação.

Para além da formação adequada em ciências e engenharia, as ações de muitos países têm-se voltado a formar jovens capazes de inovar. Aqui, o foco vai além da formação científica e tecnológica e inclui pensar criticamente e usar seus conhecimentos em projetos criativos ou abordagens criativas para problemas do mundo real.

Os programas STEAM (ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática, no acrônimo em inglês) adicionam arte ao currículo STEM, baseando-se no raciocínio e nos princípios de design e incentivando soluções criativas. Essa abordagem tem sido tratada como meio, também, de estimular a diversidade dos alunos nas carreiras científicas e tecnológicas, já que é uma preocupação oferecer experiências de aprendizado mais dotadas de sentido e propósito, a fim de despertar o interesse e atrair jovens e crianças, de todos os gêneros, raças e origem social, para ingressar nessas carreiras.

O Brasil deu passos nessa direção, ao implantar o processo de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de graduação em Engenharia, que passaram a estimular a adoção de currículos por competência e inovações pedagógicas na perspectiva de desenvolvimento de atividades interdisciplinares, com foco na resolução de problemas reais.

Essas ações precisam ter continuidade no tempo, mas mudar o perfil dos egressos e implantar as novas diretrizes é um processo longo e requer políticas específicas e integradas. Nessa linha, é importante que a agenda STEAM permeie, de forma ampla, o debate educacional, de modo a imprimir sua lógica interdisciplinar e orientada a projetos na formação de crianças e jovens nos diversos níveis de formação, do basicão ao superior. Além disso, não se pode negligenciar a relevância da diversidade.

NOVO ENSINO MÉDIO

Até recentemente, a escola no Brasil preparava seus alunos de Ensino Médio exclusivamente para os exames de ingresso na universidade. O problema é que o acesso dos jovens de 18 a 24 anos ao ensino superior é muito restrito, contemplando apenas 23,8% dos estudantes dessa faixa etária.

Ao mesmo tempo, só 9% dos adolescentes concluem a educação básica com um diploma de curso técnico. Esse é o segundo pior índice entre os 37 países membros e parceiros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ficando atrás apenas do Canadá. Em países como Áustria, Suíça e Reino Unido, o percentual ultrapassa os 60%.

O novo ensino médio, que entrou em vigor esse ano, surge nesse contexto. O objetivo é dar identidade social e oportunidades ao estudante que não ingressa direto no ensino superior, deseja ou precisa entrar no mercado de trabalho e não consegue por não ter qualificação.

As mudanças começam no currículo. Nos três anos, são até 1 800 horas dedicadas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que garante a formação geral para todos; e no mínimo 1.200 horas aos itinerários formativos, de escolha do aluno. Tanto a BNCC quanto os itinerários são formados por quatro áreas do conhecimento: Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – semelhante ao ENEM. Sendo que, para o itinerário formativo, que o aluno escolhe para se aprofundar, tem uma quinta opção: a Formação Técnica e Profissional (FTP).

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(FG Trade/Getty Images)

As redes públicas e privadas adotaram as diretrizes a partir do ano letivo de 2022, mas o SESI e o SENAI – que entra para ofertar o itinerário de FTP – já estão no quarto ano de implementação e expansão do modelo, que começou em 2018 em cinco estados. Hoje, são mais de 12 000 estudantes matriculados, em 23 estados.

Uma aprendizagem focada na formação de cidadãos e no desenvolvimento de competências e habilidades, com disciplinas integradas em quatro áreas do conhecimento, é a grande transformação que a reforma pretende promover em sala de aula e nos estudantes.

ESFORÇO PELA MELHORIA DO ENSINO

Foram muitas as justificativas para reformular a última etapa da educação básica: um ensino de baixa qualidade, generalista, com número excessivo de disciplinas, alto índice de evasão e de reprovação e distante das necessidades dos estudantes e dos problemas do mundo contemporâneo.

“Os milhares de jovens que não ingressam no ensino superior quando terminam a escola precisam entrar no mercado de trabalho. Ou porque já querem seguir uma carreira ou porque precisam juntar dinheiro para pagar a faculdade. Mas eles não têm as competências necessárias para exercer uma profissão. Com a formação profissional e técnica prevista no itinerário, conseguimos dar oportunidade para esses estudantes”, defende o diretor-geral do SENAI e diretor-superintendente do SESI, Rafael Lucchesi.

A lei estabelece a BNCC e os itinerários formativos, formados por quatro áreas de conhecimento – Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. E acrescenta um quinto itinerário, de Formação Técnica e Profissional (FTP).

AUTONOMIA DE ESCOLHA

O estudante pode escolher um dos cinco itinerários formativos ofertados pela escola, que terá, no mínimo, 1.200 horas ao longo dos três anos. Além disso, ele recebe até 1.800 horas de formação geral, prevista na BNCC, totalizando 3.000 horas.

A escola deve ser um ambiente acolhedor, que fomenta questionamentos e o autoconhecimento e favorece escolhas, permitindo que o estudante vivencie todas as áreas, mas tenha foco e esteja preparado para o futuro.

Desde que implementou o Novo Ensino Médio, em 2018, o Serviço Social da Indústria (SESI) ampliou o número de unidades com o modelo. Atualmente, 23 estados e 87 escolas, com mais de 10,4 mil estudantes matriculados.

Maior flexibilidade no currículo, conteúdo integrado em áreas do conhecimento e a oferta de itinerários formativos, que permitem ao estudante se aprofundar nos campos com os quais mais se identifica, são as principais novidades.

O SESI conta com a parceria e a expertise do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) para o itinerário de Formação Técnica e Profissional (FTP). O curso escolhido para a primeira turma foi o de eletrotécnica e abriu possibilidades de trabalho para diversos alunos. Atualmente, são 20 cursos técnicos ofertados pelo SENAI para o itinerário FTP, de acordo com as oportunidades de cada estado.

O SENAI já trabalhava com a premissa de desenvolvimento de competências e habilidades no lugar do sistema tradicional de provas e notas por disciplina. Referência em educação profissional e técnica, a instituição traz para o ensino médio uma abordagem voltada para o mercado de trabalho, capaz de dialogar e se adaptar às novas tecnologias – incluindo as da indústria 4.0 – e às mudanças sociais e profissionais.

“O ensino médio é um período de transição, onde parte dos jovens quer se inserir no mundo do trabalho, enquanto outros têm como objetivo prosseguir os estudos. Hoje, só 11% dos estudantes de ensino médio fazem educação profissional, ou seja, terminam a escola preparados para exercer uma profissão. Esse percentual pode, e deve, aumentar”, ressalta o gerente-executivo de educação profissional e tecnológica do SENAI, Felipe Morgado.

Com a metodologia SENAI, em que se elabora o perfil profissional, foi possível direcionar e dar concretude ao desenvolvimento de competências e habilidades das áreas de conhecimento previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Morgado acredita que outro fator preponderante para o sucesso da implementação é a capacidade de professores e instrutores adaptarem-se ao novo modelo.

Pela experiência de três anos com o modelo, tanto o SESI quanto o SENAI têm firmado parcerias e colaborado com outras redes de ensino para implementação das diretrizes – o primeiro entra com a consultoria para a readequação do currículo e formação de professores, coordenadores e gestores; e o segundo, com o itinerário FTP.

No Distrito Federal, por exemplo, o SENAI é parceiro de uma escola particular para o ensino técnico e profissional, cujas atividades começaram em 2019. Em diversos estados do país, as negociações com instituições públicas e privadas estão avançadas para a implementação do novo formato.

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