por Da RedaçãoAtualizado em 28 mar 2023, 16h05 - Publicado em
28 mar 2023
11h00
Apresentação
A geração millenial – formada por quem nasceu entre meados da décadas de 1980 e 1990 – passou a vida inteira lendo e ouvindo no noticiário econômico a discussão sobre a reforma tributária. Já em 1995 o então presidente Fernando Henrique Cardoso tentou emplacar uma simplificação dos impostos no Brasil, mas terminou seu segundo mandato em 2022 sem sucesso nessa seara. Todos os mandatários desde então tentaram desatar o nó tributário brasileiro. É das raras unanimidades no Brasil que o problema é enorme e precisa ser resolvido, mas a inflexibilidade – justificada ou não – das muitas partes na discussão inviabilizou uma solução até hoje. O resultado é uma economia ineficiente e com dificuldade crônica de crescer. E o preço é pago por todos os brasileiros.
A aprovação de uma reforma tributária ampla, que melhore o ambiente de negócios e estimule investimentos no setor produtivo, pode trazer um incremento de até 12% no PIB nos próximos 15 anos, resultado dos ganhos de competitividade da produção nacional em relação aos concorrentes externos e da melhor alocação dos recursos produtivos.
O estudo que chegou a este número, de autoria dos economistas Edson Domingues e Debora Cardoso, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estima que esse potencial de crescimento seria possível com a substituição de cinco tributos – três federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). As atuais taxações seriam trocadas por dois impostos sobre bens e serviços, nos moldes do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), e um imposto seletivo. Este último, que vem sendo chamado de “imposto do pecado”, seria cobrado sobre combustíveis fósseis, fumo e bebidas alcoólicas.
Diversos modelos, mais parecidos ou menos com o proposto no referido estudo, foram discutidos no Congresso desde a década de 1990. As PECs em trâmite na última legislatura tinham exatamente esta espinha dorsal, mas estados e prefeituras sempre as atacaram sob o argumento de que perderiam arrecadação. Essa resistência foi vencida com mudanças importantes na proposta, sendo a principal a criação do IVA-dual: um recolhido pela União, outro pelos estados e municípios. Também está sendo proposta a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional, com tratamento favorecido para educação, saúde, transporte, agro, atividade pesqueira e florestais, e operações com bens imóveis.
Depois desse arranjo, os 27 secretários de Fazenda assinaram um documento apoiando uma reforma que leve à extinção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), adote um imposto sobre bens e serviços de base ampla, sem benefícios fiscais, e que seja cobrado no destino.
O sistema brasileiro de tributação sobre o consumo é marcado pela fragmentação da base de incidência entre União, estados e municípios, o que resulta em muitas leis sobre o tema. Além disso, contém falhas estruturais, como a cobrança majoritariamente na origem, regras que impedem plena não-cumulatividade, alíquotas diversas e concessão excessiva de benefícios fiscais. Tudo isso causa complexidade, litigiosidade e má alocação de recursos, além de contribuir para a regressividade do sistema e o afastamento da desejada neutralidade fiscal.
As propostas de reforma sobre o consumo têm potencial de corrigir falhas estruturais do sistema tributário brasileiro, tornando os processos produtivos mais eficientes, e reduziriam os custos administrativos das empresas para pagar tributos. Outro eixo importante e muito debatido, é a redução do uso dos tributos para financiar políticas públicas, deixando que estas sejam implementadas pelos gastos orçamentários, mais transparentes e focalizados.
A reforma tributária ampla, basicamente, tem dois tipos de ganho. Primeiro, os diretos, que demoram de três a quatro anos para se fazerem sentir. Tais ganhos decorrem de mudanças de preços relativos, incentivos e mais investimentos com o novo modelo tributário. Há também os ganhos indiretos, como efeitos macroeconômicos que podem se refletir no curto prazo. Se a economia cresce mais, o governo arrecada mais, melhora o resultado fiscal, o que permite uma baixa de juros desejada tanto por governo quanto empresariado, e entra-se em um ciclo positivo.
O grupo de trabalho da Reforma Tributária na Câmara, instalado no fim de fevereiro de 2023, tem em mãos uma proposta debatida a exaustão, fruto da fusão de duas PECs que circularam na Câmara e no Senado durante o último governo. De acordo com o relator da proposta na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), a Casa deve trabalhar pela promulgação do texto da PEC até junho, antes do recesso parlamentar. Pelo cronograma, o relatório do deputado será entregue em maio. Em sua 26ª. edição, Veja Insights, em uma parceria com CNI, Senai e Sesi, traz um apanhado das ideias e dados que sustentarão esse debate de altíssima relevância para o futuro econômico do país.
A reforma e a reindustrialização do Brasil
ROBSON BRAGA DE ANDRADE
O Plano de Retomada de Indústria, elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, destaca que a aprovação da Reforma Tributária é fundamental para a necessária e urgente reindustrialização e, consequentemente, para o desenvolvimento econômico e social do país.
Isto porque o complexo e oneroso sistema nacional de cobrança de impostos é o principal componente do chamado “Custo Brasil”, conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas influenciam negativamente o ambiente de negócios, encarecem os preços dos produtos nacionais e custos de logística, comprometem investimentos e, em consequência, dificultam o crescimento econômico do país.
“O sistema brasileiro de tributação do consumo é caótico, repleto de distorções e prejudicial à competitividade do país.”
A estimativa é que o “Custo Brasil” retira R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas no país, representando cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB). Enquanto o Brasil não melhorar suas regras tributárias, alinhando-as às melhores práticas internacionais, será mais difícil aproveitar essas oportunidades de inserção nas cadeias globais de valor. Isso reforça a importância de priorizar a reforma na tributação sobre o consumo e aperfeiçoar a tributação sobre a renda.
O sistema brasileiro de tributação do consumo é caótico, repleto de distorções e prejudicial à competitividade do país. Para se ter uma ideia da dimensão de apenas uma dessas distorções, o atual sistema gera um resíduo tributário (a cumulatividade) que, em média, encarece os produtos industriais em 7,4%.
A necessidade de uma reforma tributária do consumo tem sido debatida há, pelo menos, 30 anos. A partir de 2019, esse debate se intensificou, com a apresentação de duas propostas de emenda à constituição, a PEC 45, de origem da Câmara dos Deputados, e a PEC 110 , de origem do Senado.
“O crescimento maior do PIB, por sua vez, impulsionaria todos os setores econômicos.”
O grande mérito da PEC 110 é que que ela tem como base a eliminação de distorções, a simplificação do sistema tributário e a garantia da desoneração das exportações e dos investimentos. Sua aprovação também ajudaria os produtos brasileiros a enfrentar, em igualdade de condições, a concorrência com os estrangeiros nos mercados interno e externo.
Diversos estudos demonstram que uma reforma que substitua os atuais impostos de má qualidade por um Imposto sobre Valor AgregadO (IVA), previsto na PEC 110, aceleraria o ritmo de crescimento econômico nos próximos anos. Um desses trabalhos, feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), demonstra que o PIB nacional poderia ter uma expansão adicional de 12% em 15 anos.
O crescimento maior do PIB, por sua vez, impulsionaria todos os setores econômicos. Estima-se que a produção industrial, por exemplo, teria uma expansão de aproximadamente 16%. Já a agropecuária e os serviços cresceriam em torno de 10%. Mais crescimento econômico elevaria a arrecadação nos três níveis de governo e, principalmente, viabilizaria a geração de empregos e o aumento da renda dos brasileiros, objetivos almejados por todos.
As vantagens da reforma
A demanda da sociedade brasileira por uma reforma tributária existe há, pelo menos, três décadas. Em 1995, quando o termo Custo Brasil foi debatido pela primeira vez, em um seminário da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o cipoal tributário já era considerado o grande vilão do setor produtivo. Desde então, além de a carga tributária ter subido de 27% para 33% do Produto Interno Bruto (PIB), o sistema de cobrança de impostos tornou-se ainda mais complexo.
Recente estudo elaborado pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC), com apoio de associações setoriais da Indústria, demonstrou que o Custo Brasil consome, anualmente, das empresas cerca de R$1,5 trilhão — o equivalente a 22% do PIB nacional. O levantamento demonstra que empresas brasileiras dedicam, em média, 38% mais de seus lucros para pagar tributos do que companhias da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Dado tal contexto, uma revisão dos tributos no país acarreta em significativas vantagens para o país.
Competitividade
O principal benefício de uma reforma ampla é a geração de empregos. Ao unificar tributos federais, estaduais e municipais num imposto sobre valor agregado, estimulam-se investimentos e, com isso, aumenta-se a oferta de empregos. O principal mérito das PECs apreciadas pelo Grupo de Trabalho da Reforma Tributária instalado na Câmara dos Deputados, por exemplo, é caminhar para a criação de um IVA dual, cobrado em parte pelo governo federal e em parte pelos estados. Além de um ambiente mais favorável à proposta no Congresso Nacional, o período de transição ajuda a reduzir resistências.
Cumulatividade
Em relação às empresas, a reforma tributária aumenta a competitividade por vários motivos. O primeiro, mais evidente, diz respeito à cumulatividade. No sistema atual, há tributos pagos ao longo da cadeia que acabam onerando o custo do investimento, as exportações e a produção nacional mais do que as importações. O segundo efeito é a eliminação da complexidade. Com isso, se reduz o custo burocrático de pagar imposto e reduz o litígio, contencioso e tributário.
A cumulatividade é uma distorção que pode ser resolvida com uma reforma ampla do sistema tributário brasileiro. Um de seus impactos, por exemplo, é que o produto importado pague menos tributos em relação ao produto feito no Brasil. A cumulatividade de PIS/COFINS, ICMS, ISS e IPI representa, em média, 7,4% do preço líquido de impostos, ou seja, do produto antes de o empresário adicionar os tributos.
Além disso, o sistema tributário brasileiro gera muitos custos administrativos para as empresas. Por isso, elas precisam de um departamento fiscal muito grande para calcular e pagar tributos, além do custo com contencioso. Virou consenso entre os especialistas do setor tributário o conceito de que são necessárias 1 500 horas por ano para pagar os tributos. Na verdade, uma grande empresa no Brasil gasta cerca de 34 000 horas para calcular e pagar tributos segundo estimativas da CNI.
Em um mundo sem impostos, uma empresa montaria seu centro de produção onde pudesse minimizar o custo de logística, ou seja, reduzir gastos com caminhão e combustível. No Brasil, a empresa monta onde tem o melhor benefício fiscal, aumentando o custo de logística. Isso não faz sentido, porque gasta mais para levar o mesmo produto para o mesmo consumidor final. Outro exemplo de ineficiência, é a diferença no custo entre construir um prédio de concreto armado (opção muito mais barata) ou um com estruturas pré-fabricadas, cuja tributação encarece o preço final.
Passivo tributário
Com um sistema mais simples e menos insegurança jurídica, a tendência é que o passivo tributário deixe de crescer após as mudanças. Estudo elaborado pelo Insper estima que o contencioso tributário brasileiro alcançou R$5,4 trilhões em 2019, o equivalente a 75% do PIB daquele ano. O estudo, coordenado por Vanessa Rahal Canado, ex-assessora especial do Ministério da Economia, considera, na sua composição, as estimativas de contencioso tributário, judicial e administrativo nos três níveis federativos. O contencioso judicial e administrativo da União responde pela maior parte do estoque total: 5,44 trilhões de reais, em 2019, o equivalente a 75% do PIB, segundo um estudo do Insper.
Entre os entes subnacionais, destacam-se os estados e o Distrito Federal, que respondem por R$1,2 trilhão, isto é, 16,2% do PIB. As 26 capitais analisadas, considerando-se as vias administrativas e judiciais, respondem por um contencioso de R$270 bilhões, o que equivale a 3,7% do PIB. Um dos principais motivos do litígio tributário é a complexidade, que leva a divergências de interpretação. A adoção de um sistema como o proposto na reforma, em que há uma regra uniforme, reduz esse litígio.
Os dados revelam a disfuncionalidade do sistema tributário brasileiro em relação aos padrões internacionais, impactando negativamente a economia ao tornar investimentos pouco atrativos. Isso gera a formação de um grande estoque de capital improdutivo, acarreta a perda de eficiência na atividade de arrecadação, tornando- -a mais custosa, e submete os contribuintes brasileiros a altos custos de conformidade, afetando a sua produtividade.
Os dados obtidos na pesquisa do Insper mostram o ICMS como tributo especialmente problemático no sistema tributário, o que converge com a percepção do empresariado apurada num estudo da CNI, no qual o ICMS (imposto estadual) é apontado por 75% dos empresários como o tributo que mais afeta negativamente a competitividade da indústria. Conforme o estudo, na esfera federal, destacam-se IRPJ, PIS/COFINS e contribuições previdenciárias.
A complexidade dos conceitos constitucionais tributários no Brasil abre a possibilidade de múltiplas interpretações. A simplificação resolve boa parte desse problema. Não tudo, mas reduz o litígio tributário e a insegurança e aumenta a taxa de investimentos. Não existe bom sistema tributário sem que se alterem o ISS e o ICMS, até porque a fronteira entre o que é mercadoria e o que é serviço é cada vez menos clara. Essa é uma reforma complicada, com ganhadores e perdedores em termos relativos. Entretanto, a compreensão da importância da reforma pela sociedade cresceu.
Crescimento para as regiões menos desenvolvidas
O Fundo de Desenvolvimento Regional contará com mais de 40 bilhões de reais em recursos (valor equivalente a 5% da receita projetada para o IBS, o tributo de competência de estados e municípios).
Esses recursos serão usados para compensar as perdas com a redução dos incentivos fiscais até 2032. Depois disso, o fundo segue para o desenvolver regiões mais pobres, sendo aplicados em: infraestrutura, inovação, conservação do meio ambiente e fomento a atividades econômicas.
Além disso, a PEC 110 prevê que a receita da tributação vai para o estado e município de destino das vendas, o que vai beneficiar os estados e municípios menos desenvolvidos, aumentando sua participação no bolo tributário nacional. A reforma também tem o poder de tornar o Brasil um país menos desigual.
Simples
A reforma deve manter o tratamento favorecido para as micro e pequenas empresas do Simples e as vantagens dos Microempreendedores Individuais (MEIs). A maioria dessas empresas vendem para o consumidor final, vão continuar no Simples Nacional e não muda nada para elas.
Para as empresas que vendem para outras empresas, o ideal é que se possa escolher entre continuar integralmente no Simples ou pagar apenas o IBS (imposto dos estados e municípios) fora do Simples. Cada empresa escolhe o que for mais vantajoso para ela.
Aquelas que quiserem pagar o tributo fora do Simples vão transferir os créditos desse imposto, reduzindo o custo tributário de seus clientes.
Concorrência interempresarial
Modelo de desoneração para todos é um pressuposto do modelo
O sistema de creditamento
A reforma acaba com o “crédito físico”, segundo o qual só gera crédito a utilização dos bens ou materiais utilizados diretamente no processo produtivo. O crédito passa a ser amplo. Exemplo: as operações em que uma empresa é vendedora e outra é compradora (B2B) são fiscalmente neutras: o imposto cobrado por uma é imediatamente creditado à outra, tal que a arrecadação de IVA entre empresas é nula. O IVA é pago de forma clara, transparente e sem cumulatividade pelo consumidor final (vendas B2C).
Por que isso é bom? Atualmente, ao longo da cadeia econômica, o imposto pago e não creditado vira preço, que passa a ser base de novo imposto. E essa cumulatividade ocorre em todas as etapas da cadeia. Um imposto é passado para o comprador, que passa para o comprador dele e assim ocorre até o consumidor final. Que paga todo o imposto da cadeia sem saber. A legislação tributária brasileira é hostil ao crédito pleno, colocando muitas restrições que geram tributação cumulativa, “em cascata”. Essas restrições levam inevitavelmente a conflitos de interpretação, que resultam em autuações e processos litigiosos.
Tributação de consumo: o valor do IVA
Um dos principais gargalos ao crescimento da economia brasileira é o sistema de tributação do consumo, repleto de distorções e ineficiências que retiram competitividade das empresas, inibem investimentos e limitam a inserção internacional.
A cumulatividade, a oneração das exportações e dos investimentos, a indução à alocação menos eficiente dos recursos, a alta complexidade e a falta de transparência representam os problemas mais graves do sistema brasileiro de tributação do consumo e mostram o quanto ele é obsoleto e desalinhado com as melhores práticas internacionais.
É unânime o entendimento de que esse sistema precisa ser alterado – e com urgência. O Brasil já discute a reforma da tributação do consumo há quase 30 anos e, desde 2018, todos os segmentos da sociedade têm-se manifestado e ajudado intensamente na construção de um debate maduro do ponto de vista técnico e político.
O governo Lula ainda não anunciou qual é exatamente a sua proposta de reforma, mas a indicação de Bernard Appy para a Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, criada pelo ministro Fernando Haddad para conduzir as negociações técnicas com o Congresso, indica que ela será baseada nas PECs que já estão em discussão nas duas casas legislativas desde o governo anterior. Foi Appy o principal arquiteto da proposta desenhada pelo Centro de Cidadania Fiscal, encampada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) na PEC 45. E a CNI está em linha com suas ideias gerais, que contemplam a substituição dos principais tributos incidentes sobre o consumo por um Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), modelo de tributação utilizado em mais de 170 países. ”O mundo inteiro optou pelo IVA porque ele é melhor tanto para a arrecadação do governo quanto para o setor privado”, afirma Mário Sérgio Telles, gerente executivo de economia da CNI. “Ele combate a sonegação ao mesmo tempo que simplifica os negócios, tornando mais fácil a vida de todos”.
Além de tornar o sistema tributário mais simples, diversos estudos apontam que a realização de uma reforma tributária ampla da tributação do consumo, com base nos mesmos princípios e características defendidos pela CNI, tem o potencial de acelerar o ritmo de crescimento de todos os setores econômicos e, consequentemente, da economia brasileira como um todo.
Além disso, os estudos apontam que a adoção de um novo modelo tributário simples e eficiente terá impactos positivos sobre a geração de empregos, a distribuição da renda e a redução das desigualdades regionais.
É necessário agir com rapidez e realizar as mudanças necessárias para que a tributação do consumo deixe de ser um obstáculo para o desenvolvimento do país. Não podemos continuar a perder oportunidades. Afinal, a cada ano de atraso com a reforma, é a população quem mais perde.
Este documento apresenta a posição da CNI sobre a reforma da tributação sobre o consumo no Brasil, que deve reduzur ou eliminar as principais distorções do sistema atual, sem elevar a carga tributária e com período de transição suficiente para que as mudanças ocorram suavemente.
Fundamentos
O modelo tributário adotado pelo Brasil deve ser reformulado de forma a respeitar os princípios de um sistema eficiente, marcado pela simplicidade, neutralidade, transparência, isonomia e progressividade. Esses princípios estão presentes nos melhores sistemas tributários do mundo e estão consolidados na literatura.
Esse é o caminho a ser seguido pelo país, para que a tributação deixe de ser um entrave ao crescimento mais acelerado da economia e passe a permitir a melhor alocação possível dos fatores produtivos e recursos disponíveis.
Embora a arrecadação tributária tenha papel fundamental no financiamento dos serviços públicos ofertados à sociedade, seu funcionamento não pode comprometer a competitividade e a produtividade do país.
Tributar a circulação e o consumo de bens e serviços é uma medida necessária. O desafio é saber como combiná-la com um ambiente econômico favorável aos negócios, onde os produtos locais sejam capazes de competir com os produtos estrangeiros, tanto no mercado doméstico como no exterior, permitindo que o país otimize o uso de suas competências e vocações.
Simplicidade
A complexidade tributária não pode ser nem uma barreira à entrada de novos empreendedores, nem um fator de aumento de custos para as empresas em operação. Se os custos com a apuração e o recolhimento dos tributos no Brasil forem superiores aos de outros países, não somente perdemos competitividade como também ficamos menos atrativos frente aos olhos de potenciais investidores.
Quanto mais complexo for o sistema tributário, mais tempo e dinheiro as empresas gastarão para estar em conformidade com o Fisco. Junto com o excesso de burocracia, a complexidade desvia recursos de atividades produtivas para atividades não produtivas.
Além disso, complexidade se traduz em maior dificuldade de aplicação das regras e normas, gerando insegurança nos agentes, aumentando a litigiosidade e afastando os investimentos do país.
Um sistema simples permite que o contribuinte pague seus tributos e cumpra suas obrigações acessórias com facilidade e segurança jurídica. Isso reduz os custos de conformidade e os conflitos na interpretação da legislação, que são, atualmente, a principal causa de litigiosidade no âmbito tributário.
Neutralidade e Isonomia
É essencial garantir a neutralidade e a isonomia dentro do sistema tributário, para que a tributação sobre o consumo não crie distorções no ambiente de negócios, permitindo alocação eficiente dos recursos. O sistema tributário deixa de ser neutro, quando sua mera aplicação altera os preços relativos dos bens e serviços e passa a interferir nas decisões de consumo e de investimento.
A isonomia do sistema, por sua vez, indica que o tratamento tributário de pessoas e negócios, em situações semelhantes, deve ser equivalente. Com isso, espera-se que o sistema tributário reparta o ônus, de forma justa, entre os agentes econômicos, observando a capacidade contributiva individual. A equidade tributária é um dos requisitos básicos para a concepção de um ambiente de concorrência plena.
Uma determinada atividade econômica não deve ficar mais ou menos competitiva apenas por conta da tributação a que está sujeita. Assim como um determinado bem não deve ficar mais ou menos atrativo ao consumo por conta da tributação. Se isso ocorrer, há o risco de a tributação distorcer o processo de decisão dos investimentos e do consumo e gerar ineficiência na economia.
Se os princípios da neutralidade e isonomia forem respeitados, as decisões de investimento dos empresários serão guiadas por determinantes puramente de mercado, que valem para todos. Assim, as características de um empreendimento, como, por exemplo, o tamanho e a localização de uma fábrica, não sofrerão interferência da tributação, sendo influenciadas apenas por questões de natureza econômica, como a disponibilidade de mão de obra, a distância em relação ao mercado consumidor, a disponibilidade de infraestrutura logística, etc.
Transparência
Os contribuintes precisam conhecer com clareza quanto estão pagando de tributos. Para tanto, é preciso que as regras de tributação garantam que as alíquotas efetivas sejam iguais – ou, o mais próximo possível, das alíquotas nominais.
Quando as regras são complexas, o cálculo do tributo devido é mais difícil. Com isso, muitas vezes, o resultado final não reflete exatamente a alíquota prevista na legislação, o que compromete a transparência do sistema.
Sem transparência, o diálogo em torno das decisões de política tributária fica fragilizado, uma vez que os agentes envolvidos nesse processo não têm informações de qualidade para tomar as decisões mais adequadas, inclusive no que tange à definição de alíquotas.
Todos ganham com o aumento da transparência do sistema tributário, dado que esse requisito permite uma compreensão mais apurada do peso dos tributos, seja na ótica das empresas, seja na ótica dos consumidores. Com isso, a sociedade passa a ter uma melhor condição para posicionar-se frente às decisões do governo com relação às questões tributárias.
Progressividade
É desejável que o sistema tributário onere mais aquele que detiver maior riqueza tributável e menos os que detiverem menor riqueza tributável, desde que não seja incompatível com os demais princípios listados anteriormente.
A tributação do consumo, contudo, possui caráter regressivo, por definição. Isso acontece porque a tributação do consumo independe da capacidade contributiva das pessoas, uma vez que a alíquota cobrada é a mesma para todos os contribuintes. Com isso, quanto menor a renda da pessoa, maior será a parcela da renda destinada ao pagamento desse tipo de imposto. Desse modo, é importante que o sistema de tributação sobre o consumo a ser adotado não reforce seu caráter regressivo.
PROPOSTAS
É preciso modernizar a tributação do consumo, por meio de uma reforma ampla, de modo a
1. Substituir os atuais tributos incidentes sobre o consumo (PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um modelo baseado no IVA – tendo o IVA-Dual como alternativa (um IVA Federal e outro Subnacional) –, com as seguintes características:
a) alíquotas uniformes para todos os bens e serviços; b) base ampla de incidência; c) crédito amplo; d) tributação no local de destino das operações; e) crédito imediato nas aquisições de bens para o ativo fixo; f) devolução ágil dos saldos credores (em, no máximo, 60 dias); g) cálculo “por fora”, sem inclusão do tributo na sua própria base de cálculo; h) recolhimento centralizado por empresa; i) uso limitado do regime de Substituição Tributária; j) legislação unificada nacionalmente; k) imunidade tributária das exportações de bens e serviços; e l) prazo de pagamento compatível com o fluxo de caixa das empresas.
2. Estabelecer período de transição para o novo sistema de tributação.
3. Não aumentar a carga tributária global.
4. Criar fundo de desenvolvimento regional.
5. Garantir a manutenção do tratamento tributário favorecido à Zona Franca de Manaus e às micro e pequenas empresas.
6. Garantir, no novo sistema, o reconhecimento e o ressarcimento dos saldos credores acumulados dos tributos extintos, findo o período de transição.
Tributação da renda corporativa: por que mudar?
O Brasil precisa aperfeiçoar suas regras de tributação da renda das empresas. Em um ambiente internacional de competitividade tributária acirrada, tal aperfeiçoamento é uma mudança que se faz necessária, no sentido de aumentar sua capacidade de atrair investimentos e elevar sua presença em Cadeias Globais de Valor (CGVs). Esses são passos fundamentais para acelerar o crescimento econômico e aumentar a qualidade de vida dos brasileiros.
O contexto tributário internacional tem-se caracterizado tanto pela busca de consenso sobre novos padrões de tributação da renda das empresas, como pela acirrada competição entre países para atrair investimentos e emprego, que se manifestam na negociação multilateral de um novo sistema de normas tributárias internacionais e na adoção de medidas unilaterais (como a redução da tributação da renda das empresas em vários países, nos últimos anos).
A adoção de medidas de estímulo não nocivas tem sido constante na política tributária do G7. O Brasil é mais restritivo que o padrão existente tanto nos países mais desenvolvidos como nos países emergentes, além de não dispor de medidas tributárias competitivas de estímulo ao investimento, diante das práticas estrangeiras.
O Brasil não tem mais a opção de manter a inconsistência e a não harmonização com os padrões internacionais e com as práticas tributárias da OCDE e do G7. A convergência, além de recomendável e necessária para a economia brasileira, passou a ser um imperativo diante do pedido de adesão à OCDE.
A necessidade de convergência da norma tributária brasileira aos “padrões mínimos”, “recomendações” e “melhores práticas” evidenciadas pela OCDE e G20, no âmbito do Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), ganhou força e, principalmente, nova direção, dado que, nos últimos anos, o contexto internacional evoluiu para além de padrões mínimos e regras coordenadas.
A partir de novas regras e padrões acordados multilateralmente, diversos países acirraram, por meio de medidas unilaterais, a competição tributária internacional, reformando a tributação sobre a renda corporativa, mediante a instituição de novas medidas para atração de capital e para maior inserção em cadeias globais de valor (CGVs). Assim, impõe-se a necessidade de o Brasil buscar convergência não apenas aos padrões mínimos e recomendações consensadas no âmbito da OCDE, como também às práticas tributárias das principais economias do mundo, do G7 aos emergentes, que não afrontem padrões globais.
A Reforma Tributária Americana de 2017 revigorou a competição tributária internacional, que se utiliza de diferenças na tributação dos lucros e dividendos das empresas multinacionais para influenciar a localização de atividades empresariais. Até então, o contexto era de promoção de regras para coibir o abuso por parte das empresas e a competição “nociva” por parte dos países, através do desenvolvimento dos “padrões mínimos” e “recomendações”, para que tal competição tributária fosse considerada justa e leal.
Neste momento, ainda se busca solução multilateral uniforme para os desafios da tributação da economia digital; e, ainda que se pratiquem medidas protecionistas e retaliatórias, intensificaram-se também os incentivos e estímulos unilaterais ao investimento estrangeiro direto e às atividades de pesquisa, desenvolvimento, e inovação tecnológica.
Embora tenha criado consenso em matérias importantes, o Projeto BEPS evidenciou o dissenso e o imperativo de competição tributária internacional em diversos temas. Nesse sentido, normas tributárias que não dependem de tratados internacionais para seu aperfeiçoamento foram objeto de reformas na legislação interna de muitos países.
Em paralelo, no decorrer de 2016, foram negociados os termos e estrutura do Instrumento Multilateral (Multilateral Instrument “MLI”) de que trata a Ação 15 do Projeto, através do qual se pretende alterar a rede de mais de 3 mil tratados bilaterais ora em vigor, ratificando, no direito internacional tributário, as medidas que resultam do Projeto BEPS. Mais de 100 países (incluindo o Brasil) participaram dos trabalhos e negociações, que resultaram no texto do MLI, hoje assinado por 99 países.
Os signatários têm, entre si, mais de 2.800 tratados bilaterais, entre os quais nada menos que 1.680 foram modificados através do MLI. Brasil e EUA estão entre os poucos países que não assinaram o MLI, e que preferiram negociar ou renegociar bilateralmente “tratado a tratado” os termos a serem adotados, visando obter conformidade com os padrões mínimos e recomendações do Projeto BEPS. Observa-se tal abordagem nos tratados negociados ou renegociados mais recentemente pelo Brasil (Suíça, Singapura e Argentina, por exemplo).
É fato que a participação ativa do Brasil no Projeto BEPS e em iniciativas correlatas de transparência fiscal internacional reforçou o pedido do Brasil, feito em maio de 2017, de acessão plena à OCDE.
O apoio do Reino Unido para a acessão do Brasil é evidenciado na viabilização e financiamento do projeto sobre as normas de Preços de Transferência4, executado pelo Secretariado da OCDE, através da sua diretoria de administração e política tributária em conjunto com a Receita Federal do Brasil (RFB), sob a supervisão e cooperação das autoridades de outros países representados no Grupo de Trabalho 6, do Comitê de Assuntos Fiscais, outro órgão da OCDE distinto do Secretariado, de participação direta dos países membros da OCDE (e em temas específicos, de outros países).
Tal projeto, que contou com apoio da CNI, culminou na manifestação pela RFB no sentido de que o Brasil adotasse o “princípio arm’s length” (ALP), em convergência com as diretrizes da Receita Federal do Brasil (RFB), o que pavimentou o caminho para o convite feito pela OCDE ao Brasil, em 25 de janeiro de 2022.
Apesar desse importante passo sobre Preços de Transferência, é importante destacar que o Brasil precisa ir além e avançar em várias outras frentes na agenda de tributação da renda das empresas, tanto para tornar a economia brasileira mais competitiva, como para, inclusive, viabilizar o processo de acessão à OCDE.
Nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE (CM-OCDE) que serve de base para a negociação de tratados tributários bilaterais, os países do Grupo de Trabalho 1 (WP1) da OCDE explicitam diretrizes interpretativas que deverão ser adotadas pelos países-membros prospectivamente. Entre essas, inclui-se a do artigo 9, sobre Preços de Transferência, que remete os países às Diretrizes de TP organizadas pelo Secretariado sob a autoridade do Grupo de Trabalho 6 (WP6).
Posições divergentes de países individuais sobre cada um dos artigos da convenção- modelo tomam a forma de “Reservas” (quando o país diverge da cláusula) ou “Observações” aos Comentários (quando o país diverge na interpretação da cláusula), podendo as Observações, inclusive, serem oferecidas por países não membros.
O Brasil ofereceu algumas Observações, na medida em que considerou pertinente manifestar seu posicionamento divergente da interpretação majoritária dos países- membros da OCDE. Na condição de não membro, o país não tem a obrigação de se manifestar sobre todos os artigos, nem a de adotar a CM-OCDE como base para negociação de ADTs.
É razoável, porém, que caso o Brasil tenha posições divergentes quanto ao uso de cláusulas da CM-OCDE, ou interpretações sobre cláusulas fundamentais da CM-OCDE divergentes daquelas adotadas pela totalidade dos países-membros nos Comentários – tais como dos artigos 7 (tributação dos lucros das empresas) e 12 (tributação de royalties), por exemplo – um ou mais países-membros poderão se opor à acessão brasileira. A prática brasileira atual diverge da CM- OCDE em temas importantes, para além de preços de transferência.
Entende-se que o recente convite do Secretariado da OCDE inaugura nova fase nas negociações para acessão do Brasil, que deve requerer novos compromissos – inclusive em matéria tributária e para além de Preços de Transferência – para que seja confirmada a acessão brasileira pelo Conselho da OCDE.
A decisão do Conselho pela aprovação do ingresso do Brasil na Organização tem de ser unânime, e diversas comissões e grupos de trabalho deverão definir o posicionamento e voto de cada país. Até que tal consenso e unanimidade sejam assegurados, não haverá votação – o que justifica a diferença significativa de tempo no processo de admissão de cada país. Assim, com a promessa de convergência das normas de Preços de Transferência, o Brasil avançou para a próxima etapa, na qual outros temas deverão ser abordados – e sobre os quais deverá também haver convergência, para que a acessão do Brasil seja aceita por unanimidade no Conselho.
A tributação brasileira da renda de multinacionais, e a sobrecarga tributária imposta pelo Brasil na importação de serviços e tecnologia, ainda divergem, substancialmente, da Convenção Modelo da OCDE, bem como das práticas de países-membros relevantes, como EUA e Alemanha, podendo ser impeditiva à acessão do Brasil na OCDE.
A divergência pode chegar ao ponto de impedir ou postergar conclusão exitosa de negociação de ADT com tais países, o que sujeita o Brasil não apenas aos custos de oportunidade, mas a medidas retaliatórias unilaterais, tal como a recente norma interpretativa norte-americana, que considera o IRRF – e potencialmente o IRPJ e a CSLL – como tributos sobre transações, sobre receitas ou sobre capital – e não sobre a renda – o que resulta na bitributação de multinacionais americanas que investem no Brasil e no prejuízo às exportações americanas de serviços e de tecnologia, que contribuem para a produtividade da indústria nacional.
Por um lado, a perda de competitividade do Brasil já se reflete na perda de participação relativa em CGVs, e na correspondente perda de atratividade para o capital estrangeiro, com impacto arrecadatório negativo. Por outro lado, a harmonização e a convergência não apenas aos padrões globais (multilaterais), como também às práticas unilaterais de países do G7 (e de economias como a China) tenderiam a induzir maior investimento nacional e estrangeiro no Brasil e, por conseguinte, maior crescimento econômico com ganhos de bem-estar para a população.
Por isso, é preciso agir com rapidez no sentido de promover mudanças na legislação brasileira, visando ao alinhamento do padrão brasileiro de negociação e interpretação de tratados com o da CM-OCDE, para impedir ou reduzir as consequências negativas do não alinhamento do Brasil às regras tributárias adotadas pelas principais economias mundiais. As mudanças viabilizarão um crescimento maior da economia brasileira, através da maior inserção do Brasil em cadeias globais de valor.
O confronto de políticas tributárias nacionais, baseadas na reforma do sistema tributário internacional de 2015-2016, transformou-se em uma disputa por investimentos, produtividade e empregos. Essa transformação culminou na reforma tributária norte-americana de 2017, que incrementou sobremaneira a competitividade dos EUA, mediante a redução da alíquota do imposto de renda das empresas para abaixo da média mundial (entre outras medidas relevantes), além das medidas de estímulo ao investimento, adotadas por diversos países no contexto da pandemia, como incentivo à retomada do crescimento econômico.
Com base em todo esse contexto, nacional e internacional, sugerimos medidas que visam resolver os principais problemas da tributação da renda das empresas. Vale ressaltar que algumas das sugestões tornam-se ainda mais relevantes e urgentes, em razão da nova fase em que se encontra o Brasil no seu pedido de acessão para a OCDE.
PROPOSTAS
1. Reduzir a alíquota nominal de tributação das empresas (IRPJ e CSLL) para patamar abaixo da média OCDE (23%)
a) Para que a carga tributária sobre o lucro das empresas – representada pelo IRPJ, pela CSLL e por uma eventual incidência de IRRF sobre lucros e dividendos distribuídos do Brasil para o exterior – seja neutra em relação ao ambiente OCDE, deveria ser reduzida para menos de 23% (média dos países-membros da OCDE) e próxima aos 22,2% (média europeia de IRPJ, sobre os quais não incide, tipicamente, IRRF nas remessas internacionais de dividendos). Essa média também se aproxima da alíquota de 21%, do IRPJ federal dos EUA. b) A eventual tributação da distribuição de lucros e dividendos no Brasil não pode representar perda de competividade internacional nem para empresas brasileiras, nem para o mercado de capitais do Brasil. Nesse sentido, já que tanto entre europeus, como entre Europa e EUA é comum não haver incidência de IRRF intragrupo – inclusive em dividendos pagos ao exterior – é fundamental que o Brasil isente a distribuição feita intragrupo (empresas controladas ou coligadas), seja nas distribuições no país (via legislação interna), seja para remessas internacionais (via tratados internacionais).
2. Eliminar o limite de 30% para compensação de prejuízos fiscais
a) O modelo brasileiro deve eliminar a trava de 30% e permitir a compensação integral dos prejuízos fiscais em anos futuros.
3. Modernizar as regras de depreciação acelerada de dispêndios de capital
a) Recomenda-se para o Brasil, além da manutenção da sistemática atual, que prevê aceleração com base em intensividade de uso (ou seja, “turnos”), a adoção das melhores práticas internacionais (sobretudo as do Canadá e dos EUA) de depreciação de bens incorporados ao ativo imobilizado das empresas (máquinas e equipamentos, infraestrutura, etc.), que inclui:
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• depreciação, no primeiro ano, de até 100% do valor desses bens adquiridos entre 2023 e 2027; e
• depreciação, no primeiro ano, de até 50% do valor desses bens, adquiridos a partir de 2028.
4. Aperfeiçoar o instrumento de Juros sobre Capital Próprio (JCP)
a) Aprimorar os Juros sobre Capital Próprio (JCP), hoje de uso restrito a poucos contribuintes, aproximando-o ao modelo de Allowance for Corporate Equity (ACE). Nesse sentido, o JCP deveria passar a ser por exclusão do lucro real das empresas e não por remuneração direta aos sócios. Visando conferir efetividade ao instrumento, é necessário também vincular a dedução apenas à existência de patrimônio líquido positivo (composto por capital social, com ou sem reservas adicionais ou lucros retidos).
5. Modernizar os Mecanismos de Incentivo à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica (PD&I)
• Modernizar a Lei do Bem (Lei 11.196/2005).
• Permitir, expressamente, a utilização das deduções incentivadas em anos posteriores ao do dispêndio, sem limitação temporal e sem limitação no ano do aproveitamento da dedução.
• Prever, expressamente, a permissibilidade da terceirização em território nacional, não limitada a universidades e a Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs).
• Despesas com depreciação ou amortização de ativos, utilizados na atividade incentivada, deveriam, igualmente, corresponder à dedução adicional (benefício permanente) e não apenas à depreciação acelerada (benefício temporal, equivalente a empréstimo).
• Outras despesas, inclusive de pessoal (não pesquisadores), consideradas necessárias ao desempenho e suporte da atividade e dos “centros de custo” de PD&I, ainda que acessórias, deveriam também ser incentivadas.
• Não incidir IPI na aquisição de quaisquer insumos, além de máquinas e equipamentos, utilizados nas atividades de PD&I, quer importadas, quer nacionais.
• Não incidir IR-Fonte, PIS/Cofins, IOF, nem ISS na importação de serviços e tecnologias.
• Deverá ser instituído um novo mecanismo de “lucro da exploração de intangíveis”, que funcionará através de redução de base de cálculo correspondente a, no mínimo, 50% do valor dos lucros oriundos de royalties ou de direitos autorais (inclusive no que tange ao licenciamento de software), ou de seu valor correspondente agregado a mercadorias vendidas. Tal benefício se aplicaria a lucros auferidos diretamente pelo contribuinte brasileiro, derivados de receitas internas ou de exportações, e correspondentes a intangíveis brasileiros, resultantes de processos de PD&I realizados no Brasil, qualificados e incentivados nos termos da Lei do Bem.
6. Ampliar e melhorar a rede brasileira de Acordos para evitar dupla tributação (ADT)
a) O Brasil precisa ampliar sua rede de ADTs. b) Além disso, o Brasil precisa de novo modelo de ADT convergente com a Convenção Modelo da OCDE, sobretudo nos seguintes temas: regras de alocação (estabelecimentos permanentes, royalties, serviços, juros e preços de transferência), incentivos explícitos e desincentivos implícitos (créditos presumidos ou fixos e métodos para eliminar a dupla tributação) e solução de controvérsias e abuso dos tratados. Com destaque para a adoção do conceito de estabelecimento permanente e a eliminação de barreiras à importação de tecnologia e serviços.
7. Convergir as regras de Preços de Transferência do Brasil aos padrões internacionais
a) Promover a convergência entre as regras de Preços de Transferência do Brasil e os padrões e práticas internacionais, adotando, em lei, o “princípio arm’s length” (ALP), mantendo-se os aspectos positivos das atuais normas brasileiras. Os métodos brasileiros com margens fixas podem ser aperfeiçoados, compatibilizando-os com o ALP, sob o controle da administração tributária, passando a funcionar como salvaguardas opcionais.
8. Aperfeiçoar as regras de tributação de lucros no exterior
a) O Brasil deve substituir seu regime de TBU por uma regra CFC comparável às dos países membros da OCDE. Não tributar antecipadamente rendas ativas por presunção indiscriminada, nem tributar antecipadamente rendas de coligadas, tampouco tributar antecipadamente rendas passivas indiscriminadamente.
9. Criar novo programa de Cumprimento Cooperativo de Obrigações Tributárias (CCT), destinado aos maiores contribuintes e empresas transnacionais
10. Instituir um sistema de consultas mutuamente vinculantes (inclusive em matéria de Preços de Transferência – Acordo Prévio de Precificação) e a Arbitragem Tributária no procedimento amigável (MAP) dos tratados (ADTs), além de viabilizar o incremento de acesso a esses mecanismos, para os casos de contribuintes que aderirem ao CCT.
O caminho das Índias
Um em cada seis seres humanos vivos hoje nasceram na Índia. Natural, portanto, que tudo de importante que acontece na península asiática seja grandioso e reverbere mundo afora. Mas a reforma tributária que entrou em vigor no país em julho de 2017 foi particularmente impactante, dentro e fora das fronteiras indianas – o Brasil ainda tira lições das mudanças realizadas pelo governo do primeiro-ministro Narendra Modi. Em resumo, foi criado uma taxa única nacional em substituição a 17 impostos estatais e federais chamado GST (sigla em inglês para Imposto sobre Bens e Serviços, mas apelidado por seus entusiastas de Imposto Bom e Simples). Quase seis anos depois de sua implementação, os benefícios para a quinta maior economia do mundo são evidentes.
Assim como acontece no Brasil hoje, a Índia possuía uma série de impostos em cada um de seus 29 estados e 7 territórios, com regras e alíquotas próprias. A introdução do GST não só acabou com a necessidade das empresas dedicarem tempo e mão de obra ao cálculo desse emaranhado de cobranças, como significou também o fim dos pontos de verificação nas fronteiras estaduais. Isso resultou em uma melhoria significativa da logística e do transporte de mercadorias. Segundo a Confederação Indiana da Indústria, o tempo de trânsito para bens em toda a Índia foi reduzido em até 30% de 2017 para cá.
O GST eliminou também a cascata de impostos, ou seja, a situação tão familiar aos brasileiros em que as companhias pagam tributos sobre valores que já incluem impostos cobrados em etapas anteriores da cadeia de produção. Com a taxa única, as empresas podem reivindicar créditos de imposto sobre as compras anteriores, resultando em uma redução geral de custos. Estima-se que o GST tenha reduzido os custos logísticos domésticos das empresas em 20% na média, de acordo com a CII. A reforma também eliminou a dupla tributação na exportação de bens e serviços, e já em 2018 o comércio internacional cresceu 9,8% em comparação com o ano anterior, atingindo um valor de 331 bilhões de dólares.
A simplificação dos impostos foi tão importante que a Índia subiu da 100a para a 63a posição no ranking Doing Business do Banco Mundial entre 2017 e 2020 – a instituição acabou com o índice em 2021, por isso não há dados atualizados. Mas há sinais ainda mais eloquentes para demonstrar o sucesso da reforma: o número de empresas registradas para o pagamento de impostos da Receita Federal indiana saltou de 6,4 milhões para 13,6 milhões, provando que a complexidade (em bom português, a confusão) de tributos empurra parte importantíssima da economia para a informalidade. A inclusão de tantas companhias ao regime formal – somada à maior eficiência nos negócios – fez a arrecadação disparar de 7,2 trilhões de rúpias (87 bilhões de dólares) em 2017 para 14,8 trilhão de rúpias (180 bilhões de dólares) em 2021.
Há uma série de pontos importantes em discussão na Índia hoje para corrigir ou aprimorar a reforma de 2017. O fim dos impostos estaduais diminuiu a arrecadação direta dos entes federativos, e governadores ainda reclamam muito da redistribuição dos recursos afora centralizados na capital Nova Dehli. Empresários também reclamam que o sistema de recuperação dos créditos tributários, que acaba com a cumulatividade de impostos, demora tempo demais para restituir os valores devidos. A falta de uma instituição centralizada que arbitre as disputas e contestações tributárias resulta em juízes de cortes estaduais tomando decisões diferentes para casos semelhantes, minando o que deveria ser uma qualidade da unificação dos impostos: a segurança jurídica.
As críticas são todas no intuito de aprimorar a reforma, nunca de retroceder ao sistema antigo. No setor público ou no privado, ninguém tem saudades da barafunda tributária. Neste momento de discussão final da reforma tributária brasileira, é educativo observar como o esforço para alinhar expectativas tão díspares entre estados, municípios, União e os diferentes setores da economia, no fim do dia, é vantajoso para todos. Vale a pena seguir o caminho das Índias.
Insights
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