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ESTUDO #25

O futuro do emprego é verde

por Redação Atualizado em 27 fev 2023, 12h07 - Publicado em
28 fev 2023
11h00

Apresentação

VJ Insights 25
(Witthaya Prasongsin/Getty Images)

Desde a aurora da Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, que trabalhadores temem ser substituídos por máquinas e deixados, desempregados e famintos, à própria sorte. Mais de duzentos anos depois, a profecia ainda não se concretizou. A justificativa mais comum para isso é que por um lado centenas de profissões foram sendo extintas ao longo do tempo, ao passo que milhares de outras foram criadas para lidar com as novas necessidades surgidas na esteira do avanço. E isso é verdade. O argumento peca, porém, ao colocar a tecnologia como o personagem principal da história: a máquina acaba com empregos, a máquina cria novas ocupações.

Não é assim. Novas profissões e empregos surgem para viabilizar o desejos e necessidades dos homens, e a tecnologia está a seu serviço. E o que finalmente entrou no radar de líderes da política e da indústria é a necessidade de se frear a destruição do meio ambiente para garantir o maior dos desejos e necessidades humanos – sobreviver. A aposta agora, tanto de trabalhadores quanto de empresários e políticos, é em um futuro baseado na economia de baixo carbono.

E isso já está acontecendo. Segundo o Mapa do Trabalho Industrial 2022-2025, estudo divulgado pelo Senai que mapeia e projeta o mercado de empregos industriais no país, a área de Meio Ambiente é a segunda com maior projeção de crescimento no número de vagas nos próximos anos: 16% – fica atrás apenas de Logística e Transportes, com 47% das ocupações industriais. Estima-se que a área de Meio Ambiente tenha novas 5.927 vagas, chegando a um total de 43 mil profissionais no país de diferentes níveis de formação.

Mas a economia de baixo carbono, e os chamados empregos verdes, são muito mais abrangentes do que a lida direta com a floresta e a biodiversidade. O relatório destaca que as áreas com maior demanda por profissionais são a de energia renovável, a de construção sustentável, e a de eficiência energética. O mercado de carbono também está em plena expansão. Trata-se de um sistema que permite a negociação de créditos de carbono – quem polui menos, sejam empresas ou países, pode vender suas “cotas” para aqueles que jogam carbono na atmosfera além de um limite. Esse mercado tem crescido significativamente nos últimos anos, impulsionado pela necessidade de cumprimento de metas de redução de emissões, e exige toda uma gama de profissionais em áreas como auditoria ambiental, consultoria em gestão ambiental e desenvolvimento de projetos de redução de emissões.

Os empregos verdes também englobam a chamada economia circular, que busca repensar o modelo econômico tradicional, baseado no consumo e descarte, para um modelo mais sustentável e integrado. Nesse modelo, os resíduos e subprodutos de um processo produtivo são reaproveitados como matéria-prima em outros processos, criando um ciclo fechado de produção e consumo que vai muito além da reciclagem de lixo. Segundo o Mapa do Trabalho Industrial, as mudanças exigidas nos processos industriais de todos os setores podem gerar mais de 100 mil novos empregos no Brasil nos próximos anos. Além de contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa, a economia circular também busca gerar benefícios econômicos, como a redução de custos de produção e criação de novas fontes de receita.

Em resumo, a economia de baixo carbono vem abrindo novas oportunidades de emprego em diferentes setores, e a tendência é que essa demanda cresça ainda mais nos próximos anos. De acordo com os dados do LinkedIn compilados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Brasil já é o país com maior taxa de contratação para emprego verde dentre as grandes economias da América Latina. Com a busca por práticas mais sustentáveis e a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a economia de baixo carbono se torna uma opção cada vez mais viável e rentável, criando empregos e contribuindo para um futuro mais sustentável.

Nas próximas páginas, a 25ª edição de Veja Insights, em uma parceria com CNI, Senai e Sesi, traz um panorama das possibilidades que a indústria está abrindo para quem busca um emprego relacionado à economia de baixo carbono, uso sustentável dos recursos florestais e da biodiversidade e ao desenvolvimento da bioeconomia no Brasil. Boa leitura!

A janela de oportunidades da economia verde

Por Robson Braga de Andrade

A era da “economia verde”, baseada na sustentabilidade ambiental e no processo de descarbonização do Planeta – que se tornou um imperativo global, em função das drásticas mudanças climáticas ocorridas nas últimas décadas – abre uma imensa janela de oportunidades para o Brasil. Nosso país tem diversas vantagens comparativas que o credenciam para ser protagonista nesse novo ciclo da economia mundial: abrigamos a maior biodiversidade do planeta; produzimos alimentos em larga escala, sem danos ao meio ambiente; e temos uma matriz energética limpa, com destaque para a produção de etanol, biocombustível do qual somos líderes mundiais, em tecnologia e em produção.

“Nosso país tem diversas vantagens comparativas que o credenciam para ser protagonista nesse novo ciclo da economia mundial”

Nesse cenário, são bastante promissoras as perspectivas para as indústrias nacionais, que podem aproveitar esse nicho de mercado para ampliar seus negócios e contribuir para a descarbonização da economia e para o crescimento sustentável do país. Diversas empresas já estão atuando nessa área e, consequentemente, viabilizando a geração dos chamados “empregos verdes”, com destaque para as áreas de energia renovável e bioeconomia. De acordo com relatório elaborado pela Agência Internacional de Energia Renovável, atualmente o Brasil detém cerca de 10% dos empregos em energias renováveis no mundo, com 1,27 milhão de trabalhadores atuando direta ou indiretamente nas indústrias de biocombustíveis, solar, hidrelétrica e eólica. Outro estudo, feito pela organização alemã responsável pela cooperação técnica com o Brasil na área de desenvolvimento sustentável, estima que, até 2038, deverão ser gerados cerca de 1,4 milhão de postos de trabalho no país apenas no setor de energia solar, que tem crescido de forma expressiva nos últimos anos.

A bioeconomia – modelo de produção industrial baseado no uso sustentável dos recursos biológicos – é outra área que tem um imenso potencial para geração de negócios e de mais e melhores empregos para os brasileiros. Dados da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI) indicam que o faturamento da indústria nacional pode ter um acréscimo de US$ 284 bilhões ao ano se o país investir em tecnologias inovadoras que permitam o desenvolvimento de biocombustíveis, plástico verde e outros bens de alto valor agregado, como tecidos, fertilizantes e aditivos químicos. Nesse mesmo segmento, empresas do setor de cosméticos têm investido em pesquisas e no desenvolvimento de produtos sustentáveis a partir da biodiversidade da Amazônia. Além de proteger a floresta, esses negócios geram emprego e renda para as comunidades extrativistas e ajudam a promover o desenvolvimento da região.

“É fundamental, ainda, que se invista na formação de mão de obra qualificada para suprir as necessidades das empresas nesse campo.”

Para que não percamos a janela de oportunidades da economia verde, é preciso que haja um aumento substancial nos investimentos em inovação e no desenvolvimento de novas tecnologias. É fundamental, ainda, que se invista na formação de mão de obra qualificada para suprir as necessidades das empresas nesse campo. O Serviço Nacional da Indústria (SENAI) tem atuado há algum tempo para viabilizar o atendimento dessas demandas. Nos últimos cincos anos, por exemplo, seu portfólio de cursos em energias renováveis teve um aumento expressivo. Apenas no ano passado, realizamos 19,7 mil matrículas em cursos do gênero, ofertados em 123 municípios de 18 unidades da Federação. Diversos cursos ofertados pelo SENAI em diferentes áreas, como logística e alimentos, têm módulos que abordam a economia verde. Assim, um técnico em logística ou um técnico em produção, conservação e qualidade de alimentos aprende os conceitos básicos de sustentabilidade e depois podem buscar uma especialização.

Robson Braga de Andrade
Empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

Liderança natural em energia limpa

VJ Insights 25
(Jonne Roriz/Bloomberg/Getty Images)

O maior vilão da emissões de gases de efeito estufa no mundo é o setor de energia, responsável por 73,2% delas. É claro que ninguém pode viver sem eletricidade, geração de calor e transporte, mas o Brasil mostra há décadas que é possível ser o mocinho do meio ambiente. Graças a uma matriz energética baseada majoritariamente em usinas hidrelétricas, e também ao recente crescimento da geração de fontes renováveis, o setor representa 18,2% das emissões brutas do país. E vai diminuir ainda mais esse número. A capacidade instalada de energia eólica deve chegar a 31,5 GW até 2024, o que representaria um aumento de mais de 35% em relação ao fim de 2022, por exemplo, mas de acordo com Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês), o Brasil tem um potencial técnico para atingir 500 GW de energia eólica onshore. “Por razões que vão da geografia à tradição da engenharia nacional, o Brasil é um líder natural na questão da energia limpa no mundo, e tem potencial não só para expandir a matriz limpa no país como também exportar expertise e tecnologia”, afirma o gerente-executivo de Meio ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo.

A busca no mundo todo por uma transição para uma matriz de energia de fontes renováveis também é importante para o mercado de trabalho no Brasil. Segundo o relatório “Energias Renováveis e Empregos” da Irena, o país já conta mais de 1,27 milhão de profissionais na área, colocando-se na lista dos 10 países com maior empregabilidade no setor. Isso representa 10% dos empregos verdes no mundo, atrás apenas da China, que possui 42% dos 12,7 milhões de postos de trabalho do planeta (com uma população de 1,4 bilhão de pessoas). Ainda de acordo com a Irena, a implementação de políticas adequadas e o aumento de investimentos podem levar à criação de mais 700 mil empregos no setor até 2030.

Dentro disso, o segmento que mais cresce é o de energia solar, com 4,3 milhões de trabalhadores no mundo, ou 33% do total. O Brasil acompanhou esse movimento, batendo recordes de geração e capacidade instalada nos últimos anos. O país teve 115 mil contratações ligadas à energia FV em 2021 – eram 72,6 mil em 2020 -, subindo para a 6ª posição entre os países que mais empregaram no setor. Assim, passou a Alemanha e Polônia e hoje está atrás da China, Estados Unidos, Índia, Japão e Bangladesh, respectivamente. Dos 115 mil postos, cerca de 102 mil atuam com pequenas instalações. Isso porque, da capacidade acumulada de 14 GW, dois terços são em sistemas de menor porte, de até 5 MW. De acordo com o estudo “A Mão de Obra na Cadeia Produtiva do Setor Solar Brasileiro” da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), há uma previsão para a instalação de mais 7,5 GW até 2024. É justamente a produção e instalação de painéis solares as atividades que mais empregam, correspondendo a mais de 60% dos postos de trabalho na cadeia produtiva.

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(Adriano Machado/Bloomberg/Getty Images)

Em termos absolutos, porém, o setor de biocombustíveis ainda lidera o ranking de empregos verdes com 874 mil postos, ou 68% da força de trabalho em energias renováveis. Importante ressaltar que o número é tão expressivo em virtude do uso intensivo de mão de obra nas plantações de cana-de-açúcar e milho para a produção de etanol. Em segundo lugar ficam as hidrelétricas, com 176,9 mil (14%) de postos. A energia eólica, com 63,8 mil trabalhadores (5%), vem contribuindo para a diversificação da matriz. O relatório destaca que 80% da capacidade instalada para geração pelos ventos está concentrada no Nordeste, nos estados do Rio Grande do Norte, Bahia, Piauí e Ceará. Na outra ponta do país, está o Rio Grande do Sul, com 10%. Com base nos empregos acumulados até 2019 e no Plano Decenal de Expansão de Energia 2026 (PDE 2026), a Irena projeta 554 mil postos de trabalho no Brasil no setor em 2030; 966 mil em 2034; e 1,4 milhão em 2038.

Nada disso será possível sem investimento em capacitação profissional e fomento à pesquisa e desenvolvimento para a consolidação do setor. Nesse sentido, iniciativas como o Programa Nacional de Capacitação em Energia Solar (ProCees), coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, têm se mostrado fundamentais para a formação de mão de obra qualificada e o aumento da produtividade. Esse é um alerta que muitos especialistas têm feito: com um futuro baseado na economia verde, será necessário pensar em novas especializações. “Estamos vivendo um período de mudanças profundas, com novas tecnologias digitais na indústria e a substituição dos combustíveis, o que exige novas habilidades”, diz o diretor de Operações do Senai, Gustavo Leal.

O Senai tem um papel fundamental na qualificação dessa mão de obra, e há seis anos começou a ampliar o portfólio de cursos em energias renováveis. Entre 2017 e 2020, o número de matrículas subiu de 169 para 3.786. No ano passado, foram 19 679 alunos formados. Os cursos mais procurados são de instalador de sistemas fotovoltaicos e consumo consciente de energia, mas há capacitações voltadas para eólicas, açúcar e álcool e mobilidade elétrica. A instituição vai oferecer também curso para a área de hidrogênio verde, para formar profissionais que queiram atuar em várias etapas da produção, transporte e distribuição do novo combustível. É essa massa de trabalhadores qualificados que vai garantir que o Brasil continue como um herói da energia de fontes renováveis.

O próximo passo: Hidrogênio verde

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(Petmal/iStock/Getty Images)

Em seu aniversário de 40 anos, o engenheiro gaúcho Luiz Paulo Hauth jurou para si mesmo que não teria mais patrão quando completasse meio século de vida. Em 2016, às vésperas do cinquentenário, cumpriu sua promessa ao fundar a Phama Energias Renováveis. Com presença em Rondônia, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, a empresa instalou dezenas de módulos e geradores de energia fotovoltaica para o agronegócio. Mas Hauth tinha planos mais ambiciosos, e no ano passado mudou os rumos de sua empresa. Enxergou na descentralização de produção de energia que promove com suas usinas solares uma solução para o enorme problema que é a dependência brasileira de fertilizantes produzidos no leste europeu – problema que só piorou com a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia. Mais do que isso, percebeu que o chamado hidrogênio cinza, feito a partir de gás natural na produção do adubo posteriormente transportado com um navio a diesel até os portos brasileiros e dali de caminhão para o interior, pode ser substituído pelo hidrogênio verde aqui mesmo no Brasil, para a fazer o fertilizante nas próprias fazendas com emissão zero de carbono na atmosfera.

A ideia ganhou corpo quando Hauth conseguiu apoio do Ministério das Minas e Energias, da entidade alemã de cooperação GIZ e da Câmara de Comércio Brasil-Alemanha para viabilizar a criação de mini-fábricas que podem garantir a adubagem de 50 a 65 mil hectares de terra cada uma. O processo para produzir o fertilizante passa por captar a água e quebrar sua molécula em um eletrolisador. Daí se mistura o gás com nitrogênio em um sintetizador para obter amônia (NH3), e em outro sintetizador é adicionado CO2 para chegar ao fertilizante hidrogenado. O único despojo é um oxigênio de alta pureza, que pode ser usado na medicina. Já são mais de 20 interessados em todo o país, sendo 4 deles já em estágio avançado de obtenção das licenças para a instalação das primeiras unidades, e previsão de geração de cerca de 250 empregos nos próximos anos. “Participo já há algum tempo de um grupo de estudos sobre o hidrogênio verde, e o Brasil tem um potencial gigantesco para ser líder mundial na exploração do H2V em todos os seus usos”, atesta Hauth.

O hidrogênio é abundante no planeta Terra, mas não na forma de gás. Por ser muito leve – é o primeiro elemento na tabela periódica, com apenas um próton e um elétron – ele se desprente com facilidade da atmosfera. É encontrado principalmente nos hidrocarbonetos, como o petróleo e o gás natural, e na água (incluindo aí os oceanos, que cobrem mais de 70% da superfície do globo). Mais importante de tudo, ele é apontado como a grande esperança do mercado internacional para reduzir as emissões vinculadas ao setor de energia, já que pode ser usado como um combustível com zero emissão de carbono. O problema é que ainda é muito caro quebrar a molécula de H2O, por isso o hidrogênio cinza ainda é dominante. Mas a pegada de carbono de sua produção e transporte é enorme. Segundo a Agência Internacional de Energia, apenas a substituição do hidrogênio cinza pelo verde ajudaria a evitar a emissão de cerca de 830 milhões de toneladas de carbono na atmosfera por ano, o equivalente às emissões de Reino Unido e Indonésia somadas.

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(Petmal/iStock/Getty Images)

De acordo com a consultoria McKinsey, o Brasil pode se tornar um dos líderes mundiais na produção de hidrogênio verde. A posição de vantagem se dá por causa do potencial de energia eólica e solar abundante, um sistema elétrico integrado e de baixo carbono e uma posição geográfica vantajosa para alcançar a Europa e a costa leste norte-americana, além de uma relevante indústria doméstica. Segundo dados da Mckinsey, o potencial de investimento no setor é de 150 bilhões a 200 bilhões de dólares até 2040, com a maior parte desse potencial para ra o mercado nacional, principalmente no transporte de carga por caminhões, a siderurgia e outros usos energéticos industriais. Atualmente, o Brasil é o terceiro país que mais produz energia renovável no mundo, atrás apenas de EUA e China. A alta oferta também coloca o país entre os mais competitivos em termos de preço.

O Nordeste concentra a maior movimentação em torno do H2V no Brasil. A região quer se posicionar como um polo produtor, devido ao alto potencial para geração de energia solar e eólica, além da localização estratégica dos portos em relação ao mercado europeu. O Ceará é o estado com o maior número de projetos já anunciados, mais de 24 memorandos de entendimento feitos com empresas nacionais e estrangeiras, o que representa uma sinalização de investimento superior a 30 bilhões de dólares. O governo do Rio Grande do Sul divulgou recentemente um estudo que revelou potencial de injeção de até 12 bilhões de dólares e geração de 41 mil empregos no estado, ambos até o ano de 2040. Mas foi Pernambuco quem causou mais estardalhaço, ao anunciar uma mega planta industrial produtora de hidrogênio verde (H2V) na região do porto de Suape, com um investimento de 22,5 bilhões de reais e expectativa de geração de 3 mil empregos.

Para qualificar a mão de obra necessária para colocar de pé todos esses projetos Brasil afora, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e a GIZ estão investindo 14 milhões de reais na adaptação de infraestrutura e compra de equipamentos para seis centros de formação de profissionais para a cadeia de hidrogênio verde no Brasil. Serão um centro de excelência em Natal (RN) – no Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER), que também coordenará nacionalmente a iniciativa – e mais cinco centros regionais de treinamento no Ceará, Bahia, Paraná, São Paulo e Santa Catarina. A se julgar pelo otimismo de Hauth e dos estados brasileiros, vai faltar gente para tanto trabalho.

O desafio da precificação do carbono

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(iStock/Getty Images)

Já se vão 25 anos que o mercado de carbono foi idealizado no protocolo de Quioto, mas o ambicioso projeto ainda não amadureceu nem na seara internacional, nem no Brasil. Enquanto o aquecimento global só faz crescer, jamais foi regulamentado exatamente como esse mercado, em que empresas e governos compensam suas emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa (GEE) através da compra de crédito daqueles cuja pegada é mais limpa, vai funcionar. Os créditos de carbono nada mais são que certificados digitais emitidos por instituições que de alguma forma capturam ou neutralizam CO2 ou outros gases nocivos à atmosfera. Um crédito de carbono equivale a 1 tonelada de gases nocivos a menos no planeta, redução que pode ser feita por investimento em projetos que conservam áreas naturais ou fazem reflorestamento, mas também por uma fábrica que deixa de gerar energia por queima de carvão para usar biomassa, por exemplo.

Na falta de regulamentação, tais compensações ocorrem de maneira voluntária e alimentam um mercado potencial estimado em 45 bilhões de dólares só no Brasil. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o arcabouço legal para a negociação de créditos de carbono vai entrar na reforma tributária que o governo pretende mandar ainda no primeiro semestre ao Congresso – uma bela notícia. Se for aprovado, o boom do mercado tende a gerar uma onda de contratações nos mais diferentes setores da economia:

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(Anucha Sirivisansuwan/Getty Images)

Energias renováveis: A transição para uma economia de baixo carbono deve impulsionar a demanda por energias renováveis, como a solar, eólica, hidrelétrica, biomassa e outras fontes de energia limpa. Com isso, espera-se que haja um aumento na demanda por profissionais qualificados em engenharia, instalação e manutenção de equipamentos e infraestrutura relacionados à geração de energia renovável.

Agricultura de baixo carbono: A adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis e de baixo carbono pode gerar oportunidades de emprego para técnicos e profissionais especializados em áreas como agricultura orgânica, sistemas agroflorestais, manejo de pastagens, entre outras.

Gestão de resíduos: A gestão de resíduos é uma área em que o mercado de carbono pode incentivar a adoção de práticas mais sustentáveis, como a reciclagem, compostagem e tratamento de resíduos orgânicos. Essas práticas podem gerar oportunidades de emprego para profissionais especializados em gestão ambiental, engenharia ambiental, entre outras áreas relacionadas.

Eficiência energética: A melhoria da eficiência energética em edifícios e indústrias é outra área em que o mercado de carbono pode gerar empregos. A implementação de medidas de eficiência energética pode gerar demanda por profissionais qualificados em áreas como engenharia, arquitetura e tecnologia da informação.

Transporte sustentável: A adoção de modos de transporte mais sustentáveis, como bicicletas, transporte público e veículos elétricos, também pode gerar oportunidades de emprego em áreas como engenharia de transportes, tecnologia de veículos elétricos e logística.

E há ainda o mercado em si, ou seja, a negociação de créditos de carbono no Brasil e no palco internacional. Há uma série de oportunidades surgindo com a evolução do setor no Brasil:

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(André Valentim/.)

Consultoria em carbono: Profissionais especializados ajudam empresas a entender e gerenciar sua emissão de gases de efeito estufa (GEE), a identificar oportunidades de redução de emissões que possam gerar créditos de carbono. Eles também ajudam empresas a identificar projetos que podem gerar créditos de carbono e a negociá-los no mercado de carbono.

Verificação de projetos: Empresas que desejam gerar créditos de carbono a partir de projetos que reduzem as emissões de gases de efeito estufa precisam te-los verificados por organizações independentes que garantam que os créditos de carbono gerados são reais e representam reduções legítimas nas emissões. Para trabalhar nessa área precé preciso de formação em engenharia ambiental e especialização específica.

Vendas e negociações de créditos de carbono: Uma vez que os créditos de carbono são gerados, é necessário vendê-los no mercado de carbono para gerar receita. Profissionais que trabalham nessa área são responsáveis por negociar a venda de créditos de carbono com compradores em potencial e garantir que os créditos sejam vendidos a preços compatíveis com o mercado.

Análise de mercado e pesquisa: Empresas que desejam investir em créditos de carbono precisam de informações precisas e atualizadas sobre as tendências do mercado de carbono e os preços dos créditos de carbono. Profissionais que trabalham nessa área são responsáveis por analisar o mercado e fornecer informações úteis e relevantes para investidores.

O emprego não é mais o mesmo

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(Krisanapong Detraphiphat/Getty Images)

Chamava-se Ned Ludd o inglês que teria destruído dois teares a vapor em uma tecelagem no vilarejo de Anstey, em 1779, e assim inspirado 30 anos depois um movimento de trabalhadores que invadiam fábricas à noite para vandalizar o maquinário. Os integrantes do grupo temiam perder seus empregos para motores a vapor, e promoviam quebra-quebras como maneira de se manterem essenciais para as manufaturas. Ninguém tem certeza se a história de Ludd é verdadeira, mas era seu nome que assinava cartas abertas do movimento em jornais e, desde então, o termo “luditas” passou a designar aqueles que rejeitam avanços tecnológicos em nome da preservação de empregos. Foram chamados assim expoentes do pensamento ocidental do calibre do economista inglês John Maynard Keynes e do historiador israelense Yuval Noah Harari. Enquanto vivemos mais uma revolução tecnológica, com o avanço da robótica e da inteligência artificial, é fácil ser convencido de que, dessa vez, o apocalipse dos assalariados está próximo.

Um estudo realizado pela consultoria americana Gartner mostra que, em 2020, a digitalização de processos industriais extinguiu 1,8 milhão de empregos. Algumas profissões já começaram a se tornar ultrapassadas, incluindo carreiras técnicas e com remuneração mais elevada em áreas de produção e administrativas. No Brasil, por exemplo, entre 2009 e 2019, não foi registrado um único ano de crescimento do emprego formal com mais de dois salários mínimos, segmento típico das ocupações médias nos escritórios e fábricas. Uma análise um pouco mais profunda, porém, mostra que países com taxas muito maiores de robotização e digitalização de suas indústrias, como Estados Unidos, Japão e Alemanha, apresentam taxas de desemprego hoje próximas de suas mínimas históricas. “Profissões são extintas o tempo todo no mundo inteiro, assim como novas ocupações vão sendo criadas”, afirma Felipe Morgado, superintendente de Educação Profissional e Superior do SENAI. “O problema está em conseguir fazer a transição das pessoas de empregos velhos para empregos novos”.

Para enfrentar o problema, são necessárias medidas que permitam uma transição menos traumática entre os modelos de produção. Estudos capitaneados pela CNI, por exemplo, defendem ações públicas para mitigar esse impacto que vão de alterações no sistema educacional à modernização das relações trabalhistas. O governo federal também está atento, e em 2019 foi montado o Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet), que publicou no fim de 2021 um documento com propostas de políticas específicas para o setor. O objetivo dos economistas e sociólogos que participaram do grupo era mudar a mentalidade corrente de que os trabalhadores são “executores de tarefas”, de modo que eles passem a ser “resolvedores de problemas”. Trata-se de uma mudança brutal, que exigirá o aperfeiçoamento contínuo e grande capacidade de adaptação. “As pessoas vão precisar estudar ao longo de toda a sua vida, mas elas não poderão se dedicar a apenas uma área. Os especialistas vão perder mercado”, diz Ricardo Paes de Barros, economista do Insper e ex-chefe do Gaet.

As conclusões do Gaet vão ao encontro dos resultados do Mapa do Trabalho Industrial 2022-2025, estudo realizado pelo Observatório Nacional da Indústria para identificar demandas futuras por mão de obra e orientar a formação profissional de base industrial no país. De acordo com o documento, o Brasil precisará qualificar 9,6 milhões de pessoas em ocupações industriais até 2025, sendo 2 milhões em formação inicial – para repor inativos e preencher novas vagas – e 7,6 milhões em formação continuada, para trabalhadores que precisam se atualizar. Isso significa que 79% da necessidade de formação nos próximos quatro anos será em aperfeiçoamento.

O Mapa também mostra que os empregos no setor tampouco estão diminuindo. Até 2025, devem ser criadas 497 mil novas vagas formais em ocupações industriais, saltando de 12,3 milhões para 12,8 milhões de empregos formais. Essas ocupações requerem conhecimentos tipicamente relacionados à produção industrial, mas estão presentes em outros setores da economia. Importante esclarecer que o estudo foi feito em 2022, com base em contexto econômico, político e tecnológico. Mudanças nesse contexto, como a entrada do novo governo ou a recente popularização da ferramenta de inteligência artificial ChatGPT tendem a ter um impacto grande – para o bem ou para o mal – nas previsões.

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(Francesco Sgura/iStock/Getty Images)

Em um mundo cada vez mais consciente do aquecimento global e da importância de se cuidar do meio ambiente, é lógico que as oportunidades vão se abrindo nas áreas ligadas, direta ou indiretamente, à economia de baixo carbono.

Só na geração de energia solar são estimados mais 554 mil postos de trabalho no Brasil até 2030; 966 mil em 2034; e 1,4 milhão em 2038. As projeções baseiam-se nos empregos acumulados até 2019 e no Plano Decenal de Expansão de Energia 2026 (PDE 2026); e a própria publicação faz a ressalva de que a estimativa é muito conservadora. “Aqui os empregos estão mais ligados a serviços, como engenharia, administração, instalação, operação e manutenção, do que à fabricação de equipamentos”, explica o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo. “Mas o próprio Senai tem institutos de pesquisa com o objetivo de criar tecnologia nacional, o que pode gerar mais um boom de empregos”.

O uso da automação na produção e em processos burocráticos foi uma maneira de padronizar e aumentar a escala do trabalho em tarefas mecânicas, repetitivas e maçantes. Essa foi a porta de entrada para os robôs nas linhas de montagem de carros e até produtos mais prosaicos, como escovas de dentes. O impacto foi o fim das vagas nessas áreas. A evolução de tecnologias como sistemas de voz automatizados e a chegada de novos dispositivos de pagamentos eletrônicos já apontam para o fim de empregos como operador de telemarketing, caixas de bancos e supermercados, que começam a trilhar um processo de extinção irreversível. Por outro lado, carreiras como as de programador e especialista em computação tornam-se cada vez mais requisitadas, e muitas vezes em aspectos até então inimagináveis, o que é um desafio tanto para quem está em busca de um emprego quanto para quem precisa contratar. De acordo com uma pesquisa da consultoria americana Capgemini Research Institute, 64% das empresas enfrentam dificuldades de encontrar no mercado profissionais especializados na área de inteligência artificial. As competências requeridas têm mudado drasticamente, e hoje a familiaridade com modernas tecnologias é apenas parte da equação. Habilidades bem mais humanas, como originalidade, pensamento crítico, persuasão, inteligência emocional e liderança, são igualmente valorizadas. A mudança radical no mercado de trabalho é um caminho sem volta e exige um esforço triplo: governos, empresas e os próprios indivíduos precisam se aprimorar para garantir seu espaço no futuro.

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