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ESTUDO #10

O Custo Brasil: entraves à competitividade e ao crescimento industrial do país

por Da Redação
27 set 2021
10h21

Apresentação

O termo custo Brasil apareceu pela primeira vez num seminário promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 1995. Já naquela ocasião, com praticamente um ano de Plano Real, os empresários alertavam sobre a necessidade de uma reforma tributária que eliminasse os impostos cumulativos vigentes nas esferas federal, estadual e municipal. A história mostra que, 26 anos depois, o problema não foi resolvido e se agravou.

Estudo elaborado no ano passado pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC), em parceria com o Ministério da Economiae associações setoriais da indústria, mostra que empresas brasileiras estão em desvantagem em relação às dos países mais desenvolvidos, em decorrência da elevada e complexa tributação, da burocracia excessiva e de gargalos logísticos.

De acordo com o estudo, tema de um dos artigos desta publicação, as empresas brasileiras pagam, em comparação a congêneres dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 1,5 trilhão de reais a mais para realizar seus negócios. Essa cifra representa 22% do PIB.

Para chegar a esse cálculo, foram analisados doze temas relacionados ao ciclo de vida de uma empresa. Apenas cinco deles respondem por quase 80% do total do custo Brasil — empregar capital humano, honrar tributos, dispor de infraestrutura, acesso a capital ou financiamentos e insegurança jurídica. Como resultado, o país fica em último lugar entre dezessete economias de características similares à brasileira. Segundo o estudo, o ambiente de negócios no país até melhorou nos últimos dez anos, mas não o bastante.

O fato é que o Brasil não pode esperar mais por uma mudança drástica em seu sistema de tributos. Nos últimos dez anos, o PIB do país cresceu a uma taxa média anual de apenas 0,3%, enquanto o PIB da indústria de transformação encolheu 1,6% ao ano, em média.

Para o Brasil voltar a crescer, são necessárias medidas firmes, como a redução do custo Brasil, que trava o crescimento da indústria e, consequentemente, do país. Nesse sentido, é essencial agilizar, entre outras ações, a aprovação de novos marcos legais no setor de infraestrutura e a realização das mais que urgentes reformas tributária e administrativa.

Esta edição de Veja Insights, produzida em parceria com a CNI, traz uma série de artigos que discutem o impacto do custo Brasil na produtividade industrial do país. O objetivo é expor a dimensão do problema e apontar soluções para uma situação que há mais de duas décadas apenas corrói a competitividade econômica da nação. Boa leitura.

O preço é alto demais

A pandemia apenas agravou os múltiplos entraves que há mais de duas décadas obstruem o desenvolvimento econômico do país - Por Robson Braga de Andrade*

EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS NO PORTO DO RIO DE JANEIRO: desafio de manter a competitividade -
(Luoman/Getty Images)

A crise provocada pela Covid-19 expôs as fragilidades que, há muitos anos, comprometem o bom desempenho da indústria e da economia brasileira. Por isso não podemos esperar a pandemia passar. É preciso buscar a solução desses problemas para garantir a retomada consistente das atividades produtivas e a volta do crescimento sustentado do país.

Entre os entraves que precisam ser atacados com a máxima urgência está o custo Brasil, um antigo conjunto de ineficiências que retira 1,5 trilhão de reais por ano das empresas, como mostra um estudo do Movimento Brasil Competitivo e do Ministério da Economia. Essa cifra assombrosa, que equivale a 22% do nosso produto interno bruto (PIB) e é superior ao total da produção industrial brasileira, encarece a produção nacional e reduz a capacidade de enfrentarmos em igualdade de condições os principais competidores globais.

Por essa razão o Congresso Nacional instalou, recentemente, a Frente Parlamentar Mista Brasil Competitivo. Composta de 194 deputados e oito senadores de diferentes partidos políticos, a Frente será um importante canal de interlocução do setor produtivo com o Poder Legislativo e vai contribuir para o avanço das reformas estruturais, indispensáveis à modernização do país.

O grupo também se propõe a trabalhar para acelerar a aprovação de propostas que aumentem a segurança jurídica, reduzam a burocracia, melhorem a infraestrutura, facilitem a inserção internacional das empresas e fortaleçam a indústria brasileira. Essas políticas são fundamentais para combater o custo Brasil e resgatar a competitividade do país.

Embora tenha avançado em alguns quesitos, o Brasil se mantém, há mais de dez anos, no penúltimo lugar no ranking de competitividade, elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Na lista, que compara a performance de dezoito países, só ficamos à frente da Argentina, estamos atrás de Chile e México, e muito longe da primeira classificada, que é a Coreia do Sul.

Com dificuldades para concorrer com o resto do mundo, a indústria brasileira vem perdendo espaços importantes nos mercados interno e externo. Nossa indústria de transformação encolheu, em média, 1,6% ao ano na última década e sua participação no PIB do país caiu de 15% em 2010 para cerca de 11% em 2020. O fraco desempenho do setor compromete o resultado da economia como um todo. Nos últimos dez anos, o PIB do país cresceu, em média, apenas 0,3% ao ano.

Além disso, a indústria de transformação brasileira, embora seja mais diversificada do que a média dos países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), está concentrando a produção em setores tradicionais. Esse processo, que vai na contramão das nações avançadas, é mais uma desastrosa consequência do elevado custo Brasil.

As disfunções enfrentadas diariamente pelas empresas afetam com mais intensidade os fabricantes de bens de capital e de produtos de consumo duráveis, que são segmentos dinâmicos, de maior complexidade tecnológica e com impacto significativo sobre a produtividade. Conforme estudo da CNI, a participação desses ramos no valor adicionado da indústria de transformação recuou de 24% para 19% nos últimos dez anos. Em igual período, a fatia dos setores tradicionais, em geral, produtores de bens de consumo não duráveis ou semiduráveis, cresceu de 26% para 35%.

A recuperação da indústria brasileira e da economia como um todo requer uma reforma tributária ampla, que simplifique o sistema de arrecadação de impostos, reduza a cumulatividade e desonere os investimentos e as exportações. É igualmente necessário fazer uma reforma administrativa que modernize o Estado, controle a expansão dos gastos com pessoal e melhore a qualidade dos serviços prestados à população.

É indispensável, ainda, a aprovação de novos marcos regulatórios para as áreas de infraestrutura e de meio ambiente. Também precisamos de uma política industrial que promova a inovação e o desenvolvimento tecnológico das empresas, incentive, especialmente, os setores que produzem bens de alta complexidade e seja capaz de reverter o acentuado processo de desindustrialização do país.

Os desafios são muitos e a agenda é complexa. Felizmente, o Congresso Nacional tem trabalhado com determinação para dar as respostas adequadas aos problemas do país e levar adiante as reformas essenciais há muito esperadas pela sociedade. Nossa expectativa é que, com a Frente Parlamentar Mista Brasil Competitivo, as medidas fundamentais para estimular o crescimento da indústria e da economia tenham uma atenção ainda mais especial do Poder Legislativo. Com diálogo e entendimento, podemos construir um Brasil melhor para todos.

*Robson Braga de Andrade, empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

Oportunidade histórica

O Congresso tem a chance de aprovar uma reforma tributária ampla, com unificação de tributos, fim da cumulatividade e potencial para trazer crescimento ao país

Plenário da Câmara dos Deputados
CÂMARA DOS DEPUTADOS, EM BRASÍLIA: projetos de reforma em tramitação no Legislativo – (Taylor Weidman/LightRocket/Getty Images)

O ritmo de crescimento da economia brasileira pode aumentar em até 25% nos próximos quinze anos com a aprovação de uma reforma tributária ampla, que melhore o ambiente de negócios e estimule investimentos no setor produtivo. Essa aceleração do crescimento será resultado dos ganhos de competitividade da produção nacional em relação aos concorrentes externos e da melhor alocação dos recursos produtivos.

Um dos estudos utilizados no cálculo, de autoria dos economistas Edson Domingues e Debora Cardoso, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estima que esse potencial de crescimento seria possível com a substituição de cinco tributos — três federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). As atuais taxações seriam trocadas por dois impostos sobre bens e serviços, nos moldes do imposto sobre valor agregado (IVA), e um imposto seletivo. Esse último seria cobrado sobre combustíveis fósseis, fumo e bebidas alcoólicas.

Tal modelo de reforma vem sendo discutido desde o início dos anos 1990. Não foi um processo simples, uma vez que enfrentou forte resistência dos estados. Essa resistência, hoje, é considerada superada, pois os 27 secretários de Fazenda apoiam uma reforma que leve à extinção do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), adote um imposto sobre bens e serviços de base ampla, sem benefícios fiscais, e que seja cobrado no destino. O ambiente mais favorável à reforma decorre principalmente do entendimento que a sociedade brasileira passou a ter de que o atual sistema tributário é caótico, disfuncional e complexo e precisa ser reestruturado.

Todas as reformas atualmente em trâmite no Congresso apresentam uma convergência nesse sentido. Tanto a PEC 45, delineada pelo economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, a PEC 110, do economista e ex-deputado Luiz Carlos Hauly, e o PL 3887, encaminhado pelo governo e que propõe a criação da contribuição sobre bens e serviços (CBS) ao unificar o PIS e a Cofins, seguem na direção do IVA. Com isso, abandonam-se fórmulas ingenuamente simplificadoras, como o imposto único, ou formas mais exóticas.

Uma vantagem para a realização é a boa disposição reformista da atual legislatura do Congresso. Isso não afasta, entretanto, dificuldades que existem no caminho. Uma delas seria a falta de clareza sobre a posição do governo. O coordenador do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Fórum Nacional da Indústria (FNI), Armando Monteiro, é um dos defensores da necessidade de reestruturação de todos os tributos da base de consumo, incluindo o ICMS e o imposto sobre serviços (ISS), sob pena de não haver uma reforma verdadeira.

Uma preocupação é que a janela de oportunidade aberta nos últimos dois anos já esteja comprometida e acabe não acontecendo até o fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Especialistas como o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria Integrada, apontam que a agenda de curto prazo está mais voltada à abertura de espaço fiscal para gastos, por causa de pressões em ano eleitoral. As dificuldades de coordenação política somadas à falta de prioridade do governo têm dificultado o encaminhamento. Atualmente, acontece um movimento no Senado de retomada das discussões da PEC 110, mas há dúvidas quanto à conclusão em curto prazo — e em ano eleitoral, o que tende a enfraquecer o assunto.

A maior dificuldade está no fato de que o governo não quer uma reforma ampla, já que a PEC 110 e a PEC 45 não parecem ser prioridades do Executivo. A visão da equipe econômica responde muito mais à desoneração da folha de pagamentos, para evitar a criação de outro tributo e não tratar do imposto de consumo, que envolve uma questão federativa.

Boas práticas

A adoção de um IVA moderno trará ao Brasil as melhores práticas internacionais de tributação, tornando o sistema tributário mais simples e eficiente, com foco na promoção da competitividade da economia. Para isso, discute-se o melhor modelo de transição que mitigue os efeitos sobre os setores. Na PEC 110, em discussão no Senado Federal, o prazo, por exemplo, é de cinco anos. Na PEC 45, a fase de adaptação prevista é o dobro, dez anos. Independentemente do tempo necessário, é consenso que a reforma tributária é uma oportunidade para ajudar a destravar a economia. Um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no ano passado mostra que, com a adoção do IVA, o PIB pode crescer 5,42% até 2023.

O sistema brasileiro de tributação sobre o consumo é marcado pela fragmentação da base de incidência entre União, estados e municípios, o que resulta em muitas leis sobre o tema. Além disso, contém falhas estruturais, como a cobrança majoritariamente na origem, regras que impedem plena não cumulatividade, alíquotas diversas e concessão excessiva de benefícios fiscais. Tudo isso causa complexidade, litigiosidade e má alocação de recursos e contribui para a regressividade do sistema e o afastamento da desejada neutralidade fiscal.

As propostas de reforma sobre o consumo têm potencial de corrigir falhas estruturais do sistema tributário brasileiro, tornando os processos produtivos mais eficientes, e reduziriam os custos administrativos das empresas para pagar tributos. Outro eixo importante e muito debatido é a redução do uso dos tributos para financiar políticas públicas, deixando que estas sejam implementadas pelos gastos orçamentários, mais transparentes e focalizados.

Deputados e Senadores votam nesta segunda-feira, 27
(Beto Barata/Agência Senado)

Em artigo publicado no jornal O Globo, em 3 de agosto, Robson Braga de Andrade, presidente da CNI, defende a ideia de que o Brasil não pode desperdiçar a chance de fazer uma reforma tributária ampla. “Para não ter outra década perdida, o Brasil precisa fazer uma reforma tributária abrangente, que simplifique e traga mais racionalidade ao sistema de arrecadação de impostos. Isso requer a substituição dos tributos federais, estaduais e municipais que incidem sobre o consumo pelo IVA”, escreveu. “Essa mudança aproximará o Brasil das melhores práticas internacionais de tributação, promoverá a competitividade das empresas e estimulará a produção e os investimentos no país.”

A reforma tributária ampla, basicamente, tem dois tipos de ganho. Primeiro, os diretos, que demoram de três a quatro anos para se fazerem sentir. Tais ganhos decorrem de mudanças de preços relativos, incentivos e mais investimentos com o novo modelo tributário. Há também os ganhos indiretos, como efeitos macroeconômicos que podem se refletir no curto prazo. Se a economia cresce mais, mantendo a carga tributária, o governo arrecada mais, melhora o resultado fiscal, aumenta o PIB e, portanto, a trajetória tende a ser mais positiva com a reforma.

Competitividade

Outro aspecto de uma reforma mais ampla é a geração de empregos. Ao unificar tributos federais, estaduais e municipais num imposto sobre valor agregado, estimulam-se investimentos e, com isso, aumenta-se a oferta de empregos. O principal mérito da PEC 110, por exemplo, é caminhar para a criação de um IVA dual, cobrado em parte pelo governo federal e em parte pelos estados. Além de um ambiente mais favorável à proposta no Congresso Nacional, o período de transição ajuda a reduzir resistências.

Cumulatividade

Em relação às empresas, a reforma tributária aumenta a competitividade por vários motivos. O primeiro, mais evidente, diz respeito à cumulatividade. No sistema atual, há tributos pagos ao longo da cadeia que acabam onerando o custo do investimento, as exportações e a produção nacional mais do que as importações. O segundo efeito é a eliminação da complexidade. Com isso, se reduz o custo burocrático de pagar imposto e se reduz o litígio, contencioso e tributário.

A cumulatividade é uma distorção que pode ser resolvida com uma reforma ampla do sistema tributário brasileiro. Um de seus impactos, por exemplo, é que o produto importado pague menos tributos em relação ao produto feito no Brasil. A cumulatividade de PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI representa, em média, 7,4% do preço líquido de impostos, ou seja, do produto antes de o empresário adicionar os tributos.

Além disso, o sistema tributário brasileiro gera muitos custos administrativos para as empresas. Por isso, elas precisam de um departamento fiscal muito grande para calcular e pagar tributos, além do custo com contencioso. Virou consenso entre os especialistas do setor tributário o conceito de que são necessárias 1 500 horas por ano para pagar os tributos. Na verdade, uma grande empresa no Brasil gasta cerca de 34 000 horas para calcular e pagar tributos segundo estimativas da CNI.

Em um mundo sem impostos, uma empresa montaria seu centro de produção onde pudesse minimizar o custo de logística, ou seja, reduzir gastos com caminhão e combustível. No Brasil, a empresa se instala onde tem o melhor benefício fiscal, aumentando o custo de logística. Isso não faz sentido, porque gasta mais para levar o mesmo produto para o mesmo consumidor final. Outro exemplo de ineficiência é a diferença no custo entre construir um prédio de concreto armado (opção muito mais barata) e um com estruturas pré-fabricadas, cuja tributação encarece o preço final.

Passivo tributário

Com um sistema mais simples e menos insegurança jurídica, a tendência é que o passivo tributário deixe de crescer após as mudanças. Estudo elaborado pelo Insper estima que o contencioso tributário brasileiro alcançou 5,4 trilhões de reais em 2019, o equivalente a 75% do PIB daquele ano. O estudo, coordenado por Vanessa Rahal Canado, ex-assessora especial do Ministério da Economia, considera, na sua composição, as estimativas de contencioso tributário, judicial e administrativo nos três níveis federativos. O contencioso judicial e administrativo da União responde pela maior parte do estoque total: 3,8 trilhões de reais, ou 52,7% do PIB, em 2019.

Entre os entes subnacionais, destacam-se os estados e o Distrito Federal, que respondem por 1,2 trilhão de reais, isto é, 16,2% do PIB. As 26 capitais analisadas, considerando-se as vias administrativas e judiciais, respondem por um contencioso de 270 bilhões de reais, o que equivale a 3,7% do PIB. Um dos principais motivos do litígio tributário é a complexidade, que leva a divergências de interpretação. A adoção de um sistema como o proposto na reforma, em que há uma regra uniforme, reduz esse litígio.

Os dados revelam a disfuncionalidade do sistema tributário brasileiro em relação aos padrões internacionais, impactando negativamente a economia ao tornar investimentos pouco atrativos. Isso gera a formação de um grande estoque de capital improdutivo, acarreta a perda de eficiência na atividade de arrecadação, tornando-a mais custosa, e submete os contribuintes brasileiros a altos custos de conformidade, afetando a sua produtividade.

Os dados obtidos na pesquisa do Insper mostram o ICMS como tributo especialmente problemático no sistema tributário, o que converge com a percepção do empresariado apurada num estudo da CNI, no qual o ICMS (imposto estadual) é apontado por 75% dos empresários como o tributo que mais afeta negativamente a competitividade da indústria. Conforme o estudo, na esfera federal, destacam-se IRPJ, PIS/Cofins e contribuições previdenciárias.

A complexidade dos conceitos constitucionais tributários no Brasil abre a possibilidade de múltiplas interpretações. A simplificação resolve boa parte desse problema. Não tudo, mas reduz o litígio tributário e a insegurança e aumenta a taxa de investimentos. Não existe bom sistema tributário sem que se alterem o ISS e o ICMS, até porque a fronteira entre o que é mercadoria e o que é serviço é cada vez menos clara. Essa é uma reforma complicada, com ganhadores e perdedores em termos relativos. Entretanto, a compreensão da importância da reforma pela sociedade cresceu.

A pressão dos supercustos

Indústrias brasileiras pagam 1,5 trilhão de reais a mais por ano para realizar seus negócios em comparação com os países membros da OCDE

MONTADORA DE AUTOMÓVEIS EM SÃO PAULO: desvantagem com relação às empresas de outros países -
MONTADORA DE AUTOMÓVEIS EM SÃO PAULO: desvantagem com relação às empresas de outros países – (Brazil Photos/LightRocket/Getty Images)

No campo da competitividade global e também interna, as empresas brasileiras começam o jogo em desvantagem na comparação com as de países desenvolvidos. Culpa do chamado czzusto Brasil, que agrega alta e complexa tributação, burocracia excessiva e gargalos de logística. Essa certeza está exposta em um estudo encomendado pelo Ministério da Economia e realizado pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC) e associações do setor produtivo.

Na pesquisa, divulgada há um ano, comparou-se o Brasil com membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e estimou-se o tamanho da desvantagem: 1,5 trilhão de reais. Tal quantia é o que as empresas brasileiras pagam a mais para realizar seus negócios. O número, sob todos as aspectos exorbitantes, representa 22% do produto interno bruto nacional, a soma de todas as riquezas produzidas no país.

A redução do custo Brasil sempre foi uma das principais bandeiras das entidades que representam as industrias brasileiras. O tema é crucial para o crescimento e desenvolvimento econômico do país, uma vez que sua redução tem impacto direto na retomada da atividade econômica, do emprego e da renda. O trabalho do MBC levou quatro meses de coleta e agrupamento de centenas de dados e índices e contou com a parceria da iniciativa privada e do poder público.

Mas a questão mais importante é: como reduzir esse custo que tira a competitividade das empresas brasileiras? O caminho mais factível é atuar em cada um dos temas levantados no estudo, priorizando aqueles que têm maior impacto para as empresas brasileiras. Essa é a tarefa do Programa de Melhoria Contínua da Competitividade, criado pelo Ministério da Economia em 2019 e que usa o estudo como uma espécie de guia l.

Para chegar ao cálculo do custo Brasil, foram analisados doze temas, representando o ciclo de vida de uma empresa. Do total de itens analisados, cinco impactam de forma mais significativa os negócios e representam quase 80% do custo Brasil. São eles: empregar capital humano, que está estimado entre 260 milhões e 320 milhões de reais; honrar tributos, que custa cerca de 260 milhões de reais a mais às empresas brasileiras; dispor de infraestrutura, fundamentalmente logística e de comunicação, o que causa um impacto a mais nos negócios de cerca de 210 milhões de reais; acesso a capital ou financiar o negócio, estimado em cerca de 200 milhões de reais; e insegurança jurídica, cujo custo é de cerca de 180 milhões de reais. Abaixo, os principais problemas identificados no país em relação a outras nações da OCDE.

Competitividade

O Brasil ocupa o penúltimo lugar no ranking geral, entre dezoito economias selecionadas, à frente apenas da Argentina e logo atrás do Peru. O terço inferior do ranking (os últimos seis colocados) é ocupado por Indonésia, Índia e Colômbia. O Chile e o México — os outros dois casos de economia latino-americana — situam-se no terço intermediário (oitava e 12ª posição, respectivamente). Polônia, Rússia, África do Sul e Turquia completam o terço intermediário do ranking. As economias mais competitivas são: Coreia do Sul, Canadá, Austrália, China, Espanha e Tailândia.

Financiamento

Nos nove quesitos determinantes da avaliação, o Brasil não tem boa performance (o que equivale ao terço superior do ranking). Em seis dos nove fatores, o Brasil está no terço inferior. A situação mais crítica do país é no fator financiamento, o que reflete sobretudo os custos elevados. O Brasil apresenta a mais alta taxa de juros real de curto prazo (8,8%) e o maior spread da taxa de juros (32,2%). A segunda maior taxa de juros é 68% inferior à taxa brasileira (Rússia: 5,2%) e o segundo maior spread é quase três vezes menor (Peru: 11,9%).

Tributação

O Brasil é o penúltimo colocado dos dezoito países, com o segundo maior peso dos tributos e o sistema tributário de mais baixa qualidade. A carga tributária no Brasil representa quase um terço do PIB (32,3%) e 65,1% do lucro das empresas. Ela é quase a mesma de países cuja renda per capita é cerca de duas vezes superior à brasileira, como Espanha (33,7%) e Polônia (33,9%).

Ambiente macroeconômico e ambiente de negócios

O Brasil está na antepenúltima posição, o que prejudica o aumento dos investimentos. O ambiente hostil ao investimento é resultado, principalmente, da falta de equilíbrio fiscal, da falta de segurança jurídica e do excesso de burocracia. A dívida bruta do governo representa 88% do PIB nacional e a despesa com juros nominais representam 5,6% do PIB — a terceira maior dívida e a maior despesa com juros entre os dezoito países.

Infraestrutura e logística

Em todos os modais de transporte avaliados (rodoviário, ferroviário, aquaviário e aéreo), com base tanto em variáveis quantitativas como qualitativas (pesquisas de opinião), o Brasil situa-se no terço inferior do ranking. Em infraestrutura de energia, o Brasil apresenta o maior custo de energia elétrica para clientes industriais (0,17 dólar por Kwh) e a segunda pior qualidade no fornecimento de energia elétrica (as perdas são de cerca de 16,1% da energia gerada).

Educação

Apesar de o Brasil apresentar o segundo maior gasto público em educação como proporção do PIB (5,6%), os resultados em disseminação e qualidade da educação são insatisfatórios. Entre os brasileiros com idade para cursar o nível superior, apenas metade (51%) está matriculada nesse nível. Esse resultado põe o Brasil em posição intermediária (11ª). No Chile, esse porcentual alcança 88,5% — o quinto maior de dezessete países. Em relação à qualidade, avaliada com base no Pisa 2018, a situação é ainda pior: as notas do Brasil nos testes de matemática, leitura e ciências o colocam na 13ª posição de quinze países, à frente apenas da Argentina e da Indonésia.

Tecnologia e inovação

O Brasil realizou o quinto maior investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) como proporção do PIB (1,26%), enquanto a participação das empresas no investimento nacional foi a nona maior (45%). Em relação aos resultados dos esforços de P&D, o Brasil ocupa posição intermediária quanto à publicação de artigos científicos e técnicos em jornais de alto impacto e quanto às exportações de alta tecnologia (uma medida aproximada de inovação nas empresas). Não obstante, é o 13º de dezessete países em número de pedidos internacionais de patente (invenções).

Apesar do desempenho na maioria dos quesitos avaliados, o Brasil tem registrado uma ligeira melhoria de performance quando se comparam os resultados mais recentes com as avaliações anteriores. O país avançou, por exemplo, uma posição em ambiente de negócios. Também apresentou redução no tempo dos procedimentos para abertura de empresa (já foi de 79,5 dias, passou para 20,5 e hoje está em dezessete dias). Outra redução foi no custo requerido para completar os procedimentos para abertura de empresa (representava 5% da renda per capita, caindo para 4,2%), segundo dados da pesquisa Doing Business.

No cômputo final, a média geral do Brasil cresceu. A média das notas obtidas nos nove fatores subiu de 4,26 para 4,4 (alta de 3,2%), mostrando que a situação do país melhorou. No entanto, como o Brasil está distante dos países imediatamente acima e como tais países também avançaram, a melhora da situação brasileira não é suficiente para o país conquistar posições de maior destaque.

O Brasil tem pressa

Alerta feito pela CNI há 25 anos segue atual e urgente, uma vez que o custo Brasil continua a prejudicar o crescimento da indústria e dos demais setores

CASA DA MOEDA, NO RIO DE JANEIRO: o conceito de custo Brasil remonta ao início do Plano Real, nos anos 1990 -
CASA DA MOEDA, NO RIO DE JANEIRO: o conceito de custo Brasil remonta ao início do Plano Real, nos anos 1990 – (Marcelo Sayão/EFE)

O termo custo Brasil surgiu pela primeira vez em 1995, no ano seguinte ao lançamento do Plano Real, quando a Confederação Nacional da Indústria (CNI) promoveu um seminário e o tema foi levado para um debate em âmbito nacional. Com a participação de empresários, economistas e parlamentares, o evento propiciou uma ampla discussão sobre o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que, já naquela época, atrapalhava o ambiente de negócios no país. Esse conjunto encarece os custos das empresas e dificulta seus investimentos. No ano seguinte, em 1996, em documento elaborado pela CNI, o então presidente da entidade, Mario Amato, materializou um documento contundente sobre o assunto. A frase de abertura era a mesma do título deste artigo: “O Brasil tem pressa”.

No manifesto, divulgado em forma de cartilha, a CNI argumentava que as empresas industriais brasileiras haviam passado por um processo de ajustamento, refletido em ganhos de qualidade e produtividade. E isso apesar das condições adversas, como “deterioração da infraestrutura, sistema tributário complexo e penalizador dos investimentos e das exportações, custos portuários excessivos e custos regulatórios incompatíveis com uma economia aberta”.

Passados 26 anos do documento, pouco ou quase nada mudou no cenário do custo Brasil. Recentemente, o empresário Jorge Gerdau, integrante do grupo de controladores da Gerdau S.A. e do Movimento Brasil Competitivo (MBC), voltou à carga em entrevista na revista Indústria Brasileira, uma publicação da CNI. Do cidadão comum ao setor produtivo, todos sofrem as consequências de um sistema tributário complexo, de excesso de burocracia, de elevado custo do crédito, de enormes gargalos logísticos e de uma insegurança jurídica que não estimula os investidores, que fez com que, em quase vinte anos, o Brasil ocupasse posições incômodas nos principais rankings internacionais de competitividade”, declarou.

O que é custo Brasil?

Os empresários da indústria são unânimes quanto à origem do custo Brasil, ou à descoberta da existência dele. A estabilização da moeda e o fim da inflação, que chegou a 5 000% ao ano, proporcionados pelo Plano Real, pegaram um país despreparado diante de uma nova e melhor realidade econômica.

Profundas distorções de uma legislação inadequada tornaram-se visíveis, especialmente no sistema tributário, que se mostrou desigual, e nos altos custos de financiamento, além de uma regulação excessiva da atividade econômica.

O custo Brasil afeta o setor produtivo e o setor público, em todas as esferas de administração, municipal, estadual e federal. É um estorvo que não agrega nada para ninguém.

Todos perdem: ele torna os produtos mais caros para o consumidor, dificulta a geração de empregos, obstrui investimentos, impede o crescimento do país e prejudica a sua inserção nas cadeias globais de valor.

Quais são os fatores que geram o custo Brasil?

Encontrar formas de superar os obstáculos impostos pelo custo Brasil tem sido o desafio do empresário da indústria desde a segunda metade da década de 90. E o maior deles é a burocracia.

Estudo do Banco Mundial envolvendo 145 países mostrou que, dez anos após o lançamento do Plano Real, o Brasil ocupava a posição de segundo pior país para fazer negócios. À frente apenas do Chade, nação africana sem saída para o mar, com renda per capita equivalente a um quarto da brasileira.

Na comparação com países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o custo Brasil é composto de doze elementos. Entre eles estão os custos para empregar capital humano (de 260 bilhões a 320 bilhões de reais), para honrar tributos (de 240 bilhões a 280 bilhões de reais) e para dispor de infraestrutura (de 190 bilhões a 230 bilhões de reais).

O presidente do conselho executivo do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Rogério Caiuby, destaca que os doze fatores identificados como constituintes do custo Brasil podem ser agrupados em cinco obstáculos para o empreendedor brasileiro: 1) acessar o capital; 2) empregar o capital humano; 3) enfrentar o custo da infraestrutura logística; 4) obter segurança jurídica; e 5) pagar tributos.

Custo Brasil por ano

A estimativa é que o custo Brasil drene 1,5 trilhão de reais por ano das empresas instaladas no território nacional, o que representa 22% do produto interno bruto (PIB). Esse custo cria uma reação em cadeia que se reflete no preço final de produtos e serviços, tornando-os mais caros para todos.

Para a CNI, muitos dos avanços necessários não dependem de amplas reformas constitucionais, que são mais difíceis de ser aprovadas, mas de ações sobre a legislação comum, mudanças que partiriam de iniciativas dos poderes Executivo e Judiciário. Quem vai decidir, no entanto, é o Legislativo, uma vez que tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados tramitam projetos para a reforma tributária.

Como o sistema tributário afeta o custo Brasil?

O sistema tributário brasileiro é complexo, burocrático e com distorções que elevam os custos das empresas, penalizam as exportações e os investimentos e trazem insegurança jurídica e problemas com o fisco. Trata-se de um emaranhado burocrático que sobrecarrega as empresas, aumentando ainda mais seus custos. É um problema que só se agrava com o passar dos anos. A carga tributária do país, que era ao redor de 22% a 23% nos anos 1990, hoje está entre 33% e 34%. Consequentemente, os fatores tributários estão pesando muito mais do que antigamente.

A complexidade fica patente quando se constata a existência de milhares de legislações que regulam a tributação em estados e municípios, além de mais de uma dezena de taxas e contribuições federais, que podem ainda se desdobrar em centenas de obrigações, considerando alíquotas diferenciadas e regimes de exceção.

No cenário internacional, o Brasil é praticamente o único país do mundo que continua no sistema de não fazer o débito e o crédito financeiro. Consequentemente, existem impostos cumulativos e todos os tipos de tributo. Tais circunstâncias, uma vez realizada uma reestruturação fiscal que siga critérios internacionais, fazem com que realmente possa haver uma melhoria significativa na legislação. Sob tal aspecto, acabar com a cumulatividade é extremamente importante para a competitividade do país.

Caso o país não ataque o problema de maneira consistente e rápida, deixará de atrair investimentos, uma vez que a reforma é uma questão prioritária para investidores. A solução da questão do custo Brasil é crucial para melhorar as condições de competitividade das empresas nacionais no mercado global. É uma situação preocupante em um momento em que as empresas precisam de recursos para se modernizar e incorporar novas tecnologias que formam a chamada indústria 4.0.

Se tradicionalmente os componentes do custo Brasil enfraquecem as empresas brasileiras na hora de competir com as estrangeiras pelos principais mercados, essas desvantagens denunciam uma potencial baixa imunidade a crises e choques externos. Alguns exemplos foram a desvalorização cambial de 1999 e a crise nos EUA em 2008. Em 2020, a pandemia causada pelo coronavírus trouxe danos consideráveis ao ambiente econômico brasileiro.

No entanto, os desafios em torno da recuperação econômica no pós-pandemia abrem uma oportunidade para o país reorganizar o sistema tributário com o objetivo de viabilizar investimentos e criar empregos, além de ampliar sua competitividade e inserção no comércio internacional. Nesse sentido, a frase que abria o manifesto da CNI há um quarto de século continua mais relevante do que nunca.

O futuro é verde

O compromisso com a sustentabilidade tornou-se um elemento decisivo na competitividade das empresas e fator crucial para os negócios no pós-pandemia

PARQUE DE GERAÇÃO EÓLICA EM OSÓRIO (RS): transição energética para um modelo mais sustentável -
PARQUE DE GERAÇÃO EÓLICA EM OSÓRIO (RS): transição energética para um modelo mais sustentável – (Brazil Photos/LightRocket/Getty Images)

Até poucos anos atrás, a questão do aquecimento global era um assunto que que rendia acaloradas discussões entre governantes, cientistas e empresários. Hoje não é mais. Um relatório recente produzido por cientistas e estudiosos das mudanças climáticas reunidos no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) confirma que, de fato, a atividade humana tem alterado a temperatura do planeta de forma dramática e com resultados catastróficos manifestados em recordes de temperatura, tempestades, secas e degelo das regiões polares. Tais dados, agora estabelecidos de forma inquestionável, apenas reforçam a urgência climática em que todos devem fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura em 1,5 grau.

Esse é o pano de fundo para 26ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas, (COP26), que ocorre de 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. Sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas, o encontro deve reunir líderes e representantes de 197 países para discutir o processo de implementação e resultados do Acordo de Paris para o Clima, firmado em 2015. Trata-se de uma vitrine única para entidades e nações exibirem seus modelos de sucesso e conseguirem investimentos para iniciativas sustentáveis e que buscam associar desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

Para o Brasil, o ambiente da COP26 é uma oportunidade para atrair a atenção de investidores internacionais, uma vez que o país ainda possui participação tímida na obtenção de recursos no mercado internacional para essas iniciativas. Segundo dados levantados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), enquanto a Ásia recebeu 38% dos recursos provenientes de fundos climáticos, a América Latina e o Caribe ficaram com apenas 4,5% do total. A adoção de uma agenda pautada por medidas que combatam as mudanças climáticas é hoje uma condição intrínseca ao mundo dos negócios e às políticas públicas, como forma de estimular a produção e o consumo de forma mais consciente e eficiente.

Nesse sentido, o setor industrial brasileiro tem uma participação ativa na batalha contra o aquecimento global, com propostas que estão em sintonia com as negociações internacionais relacionadas ao clima e à sustentabilidade. A CNI, por exemplo, defende um projeto nacional que consolide a economia de baixo carbono, ba­seada em quatro pilares: transição energética, precificação do carbono, economia circular e conservação das florestas.

Para o setor industrial brasileiro, o desenvolvimento sustentável passa pela expansão do uso de fontes renováveis, pelo reconhecimento da importância dos biocombustíveis, pelo estímulo ao consumo racional de energia e por ações de eficiência energética. Da mesma forma, a CNI propõe a adoção de um mercado baseado no sistema “cap and trade”, em que empresas com volume de emissões inferior ao autorizado possam vender o excedente para as que lançam uma quantidade maior de gases de efeito estufa na atmosfera, o que estimulará investimentos em tecnologias limpas.

Com sólida tradição na área de gestão estratégica dos recursos naturais, o setor industrial propõe a ampliação de práticas de economia circular como ecodesign, manutenção, reúso, remanufatura e reciclagem, ao longo de toda a cadeia de valor. O conjunto de medidas envolve ainda a conservação ambiental, por meio da ampliação das áreas sob concessão florestal no país, o fortalecimento do manejo florestal sustentável e o estímulo aos negócios voltados à bioeconomia. Também propõe uma ação mais efetiva de combate ao desmatamento ilegal e às queimadas, sobretudo na Amazônia, fundamental para reduzir os riscos associados às secas nas áreas de produção agropecuária e à perda da biodiversidade.

No mundo pós-Covid-19, a tecnologia será essencial para enfrentar o próximo grande desafio global, que será a mudança climática. Nesse cenário, especialistas como o futurologista Gerd Leonhard, CEO da Futures Agency, o Brasil está no centro da transformação que ocorrerá nesse campo e pode ter uma década de sucesso se souber utilizar as tecnologias digitais para criar novos negócios e reduzir a desigualdade social.

Em recente palestra ministrada no Encontro Nacional da Indústria (ENAI) ele avaliou que, após a Covid-19, a próxima onda a nortear os debates políticos, econômicos e sociais será a mudança climática. Para Leonhard, o Brasil não pode perder a revolução da sustentabilidade global, que se tornará tanto uma necessidade quanto um negócio lucrativo, como já apontam transações feitas em bolsas de valores em torno de empresas ambientalmente responsáveis.

Antes da crise da Covid-19, a tecnologia era vista como uma ferramenta ligada à eficiência, mas agora a prioridade é a resiliência aos desafios. Os negócios bem-sucedidos serão aqueles que utilizarem a tecnologia para criar novas respostas com solidariedade, criatividade e agilidade. Entre os países da América Latina, o Brasil é, ao lado da Colômbia, o país com maior potencial para aproveitar o novo cenário, dado o grau de empreendedorismo e inovação que possui.

Nesse sentido, o momento da pandemia seria uma bifurcação em uma estrada que deve ser utilizado pela indústria para estratégias ousadas, capazes de antecipar necessidades e surpreender clientes e consumidores, dentro do contexto da chamada quarta revolução industrial. Trata-se de um conceito que abrange dez tecnologias — como big data, internet das coisas e computação quântica — e se materializará em produtos e serviços dos próximos dez anos. O emprego do futuro também será aquele com qualidades humanas.

No mundo pós-pandemia, a transição para matrizes energéticas mais sustentáveis, o apoio à inserção de pequenas e médias empresas no comércio internacional e a qualificação de profissionais diante de novas tecnologias serão cruciais para garantir a competitividade em um ambiente de negócios cada vez mais exigente. Da mesma forma, será decisiva a adoção de uma agenda focada nos princípios do ESG — sigla em inglês para os termos ambiental, social e governança — pelas empresas.

No campo político, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), presidente da Frente Parlamentar da Economia Verde, defente a ideia de que o Congresso priorize e dê sequência às discussões sobre a criação de um mercado de carbono por meio do Projeto de Lei 528/21. A medida é um instrumento fundamental para que possamos ter uma base econômica alinhada aos princípios da sustentabilidade ambiental. A agenda legislativa também precisa incorporar a sustentabilidade nas políticas públicas de modo geral, incluindo a criação de moedas verdes, de incentivos tributários para projetos sustentáveis e de mecanismos que evitem a bitributação em iniciativas de reciclagem. Uma preocupação com esse tema foi a aprovação de projetos recentes, como as debêntures de infraestrutura e dos fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais (Fiagro).

A consolidação desses instrumentos mudará a percepção da imagem do Brasil no exterior. Com isso, a imagem de vilão atribuída ao país em fóruns internacionais pode ser revertida com a potencialização de características que já possui, como a matriz energética mais limpa do mundo, uma matriz diferenciada com a presença dos biocombustíveis e uma legislação ambiental detalhada e rigorosa. A COP26 vai ser a grande vitrine em que o Brasil pode de fato expor seu compromisso com o futuro ao lado das conquistas que já fazem parte de sua história.

Partrocínio
(Hiroshi Watanabe/Getty Images)

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