Economia de baixo carbono – Pilares para o desenvolvimento
por Da RedaçãoAtualizado em 29 jul 2022, 16h43 - Publicado em
29 jul 2022
12h00
Apresentação
Orientada por tecnologias limpas e processos de produção mais eficientes, a economia de baixo carbono é essencial para alavancar o desenvolvimento sustentável do país e tornar as empresas mais competitivas no mercado nacional e internacional. O setor industrial brasileiro tem sido um grande aliado no desafio de promover investimentos verdes e deve ser considerado parte da solução nas questões que dizem respeito à sustentabilidade. Para isso, tem atuado fortemente para acelerar a implementação de programas e tecnologias capazes de fazer o país avançar em direção às metas de redução dos gases que causam o efeito estufa (GEE) estabelecidas na esfera do Acordo de Paris.
A estratégia da indústria rumo a uma economia de baixo carbono é baseada em quatro pilares: transição energética, mercado de carbono, economia circular e conservação florestal. Para consolidar esses pilares, entidades do setor, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) trabalham na mobilização das empresas e na articulação com o governo federal e demais partes interessadas. E é com esse intuito que a CNI realizará, nos dias 16 e 17 de agosto, em São Paulo, o encontro “Estratégia da Indústria para uma Economia de Baixo Carbono”.
O evento é uma agenda preparatória para a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP 27) que será realizada em novembro, no Egito. Os objetivos do encontro são dialogar sobre as oportunidades de negócios para a descarbonização da indústria brasileira e a contribuição do Brasil para as metas de redução de emissão estabelecidas no Acordo de Paris; apresentar experiências e cenários em transição energética e economia circular; discutir os desafios e oportunidades do estabelecimento do mercado de carbono para estimular o ambiente de negócios; debater os desafios e oportunidades relacionados ao uso sustentável dos recursos florestais e da biodiversidade e ao desenvolvimento da bioeconomia no Brasil; e debater a estratégia e agenda da indústria para a COP 27.
Em sua 20ª. edição, Veja Insights, em uma parceria com CNI, Senai e Sesi, traz um apanhado das ideias e dados que sustentarão esse debate de altíssima relevância para o futuro econômico e ambiental do país.
O Brasil e a economia de baixo carbono
Por Robson Braga de Andrade*
Um dos 21 estudos que a CNI elaborou e entregou aos pré-candidatos da Presidência da República, como subsídios para o próximo mandato, tem como tema a descarbonização de economia. Denominado “A Economia de Baixo Carbono: Para um Futuro Sustentável”, o documento apresenta diversas propostas de medidas que a indústria brasileira considera fundamentais para o enfrentamento desta que é uma das questões mais relevantes da atualidade, em função das crescentes mudanças climáticas, que afetam todos os países, inclusive o Brasil. Os prejuízos econômicos e sociais deixados pelos desastres ambientais, que incluem danos à saúde das pessoas e estragos na infraestrutura, desafiam os países e as empresas a adotarem estratégias ambiciosas de redução das emissões de gases de efeito estufa.
Para a CNI, a consolidação de uma economia de baixo carbono no Brasil, que seja dinâmica e próspera deve se basear em quatro pilares: transição energética, precificação de carbono, economia circular e conservação das florestas. Entre as recomendações da indústria estão a consolidação do mercado de carbono regulado, no modelo de Sistema de Comércio de Emissões (SCE); o fortalecimento da política nacional de biocombustíveis; a promoção de incentivos adequados para tornar o consumo energético mais eficiente; a implementação de parques para geração de energia eólica em alto-mar (offshore); e a regulamentação do mercado de hidrogênio. O objetivo é impulsionar a economia de baixo carbono e, assim, atingir as metas do Acordo de Paris.
Já temos diversas iniciativas empresariais neste campo. Entre elas, está o recente lançamento do Instituto Amazônia+21, articulado pelas federações das indústrias dos nove estados que integram a Amazônia Legal e que conta com o apoio da CNI. O objetivo da entidade é promover reflexões e apresentar soluções para o desenvolvimento sustentável na região, levando em conta o seu potencial e as oportunidades para implementação de negócios no campo da bioeconomia, que combinem a conservação da floresta com o crescimento econômico e a geração de emprego e renda, sobretudo para os 24 milhões de brasileiros que vivem naquela região.
A indústria também vem fazendo investimentos expressivos na descarbonização dos processos de produção. Atualmente, as emissões de gases de efeito estufa dos fabricantes de cimento instalados no país são 11% menores do que a média mundial. O setor de papel e celulose, que destina 9 milhões de hectares ao cultivo de árvores para fins industriais, preserva outros 5,9 milhões de hectares de florestas nativas. E, entre 2006 e 2016, as indústrias químicas reduziram em 44% as emissões de gases de efeito estufa. O setor industrial brasileiro também tem investido bastante em economia circular. Pesquisa realizada em 2019 pela CNI revelou que 77% das empresas desenvolvem alguma iniciativa sobre o tema. Esse é um dos principais caminhos para a consolidação de uma economia de baixo carbono.
Temos todas as condições para ser protagonista no processo de descarbonização da economia no mundo e consolidar uma posição de destaque na oferta de produtos da biodiversidade. A expressiva área coberta por florestas, a rica biodiversidade e a maior reserva de água doce do mundo são características naturais que favorecem o Brasil na corrida pela economia verde. O país também se destaca pela matriz energética limpa. Dados do Balanço Energético Nacional mostram que as fontes renováveis têm uma participação de 83% na geração brasileira de energia elétrica. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) esse percentual é de apenas 27%, conforme a Agência Internacional de Energia.
Para aproveitar melhor essas vantagens, é preciso definir, com urgência, uma estratégia nacional sólida que contribua para o enfrentamento dos desafios climáticos e estimule os investimentos em pesquisa, inovação e desenvolvimento de tecnologias sustentáveis. Com uma ação governamental articulada, associada ao trabalho que vem sendo feito pela indústria, o país pode liderar a mobilização global pela economia de baixo carbono. É essencial, ainda, acelerar o ritmo dos aprimoramentos regulatórios e estruturais para fortalecer a indústria nacional e, claro, atrair investidores. São vários desafios a serem enfrentados, como a redução do Custo Brasil e a melhoria da segurança jurídica, que são determinantes para que o investidor atue no país com foco nas agendas internacionais, como a produção de energia eólica offshore, de hidrogênio verde e de hidrogênio azul.
A revolução verde, que está transformando hábitos de consumo, métodos de produção e modelos de negócios em todo o planeta, também pode mudar, para melhor, o futuro dos brasileiros.
*Robson Braga de Andrade, empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
Transição energética e novas tecnologias
A consolidação de uma economia de baixo carbono exigirá dos países a promoção de um conjunto de inovações e transformações na forma como produzem e consomem a energia. Globalmente, esse processo é conhecido como transição energética. Significa a passagem de uma matriz em que predomina a utilização de combustíveis fósseis, com elevada emissão de gases de efeito estufa (GEE), para uma ancorada em fontes renováveis e com baixa emissão de carbono.
Esta é uma das estratégias adotadas pelos países nos esforços para se alcançar a meta do Acordo de Paris e manter o aumento da temperatura média do planeta abaixo de 1,5º C. Este é um dos pilares da estratégia definida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) como um dos principais ativos do País em sua agenda ambiental.
Entre os quase 200 países signatários do Acordo de Paris, o Brasil assumiu uma das metas mais ambiciosas de redução de suas emissões de GEE, entre os países em desenvolvimento. Tendo como base as emissões de 2005, o compromisso do país é de redução de 37% até 2025 e 43%, até 2030. Para o setor de energia a indústria defende a expansão do uso de fontes renováveis, o reconhecimento da importância dos biocombustíveis, o estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias de baixo carbono e ações de eficiência energética.
Eficiência energética na indústria
A perspectiva da indústria brasileira é de impulsionar o desenvolvimento sustentável tanto por meio da expansão do uso de fontes renováveis como também pela otimização dos processos produtivos. Nesse contexto, muitas empresas têm investido em projetos de eficiência energética. Isso significa usar menos energia para obter o mesmo resultado e esse resultado pode ser alcançado por meio de melhorias tecnológicas ou de mudanças na gestão energética das empresas.
Uma das iniciativas que contribui para um uso mais racional dos recursos é o Programa Aliança. Criado em 2015, ele é resultado de uma parceria entre a CNI, a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel).
Coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, o Procel resultou na economia de 195,2 bilhões de kWh entre 1986 e 2020. Com as ações do programa em 2020, foi evitada a emissão do equivalente a 1,36 milhão de t CO2. No ano, o investimento foi de 42,34 milhões de reais e 22,02 bilhões de kWh de energia foram economizados. Isso representa 4,64% de economia em relação ao consumo total de energia elétrica no Brasil.
O Programa Aliança, por sua vez, busca reduzir o consumo de energia e de água em grandes indústrias por meio de ajustes nos processos de produção, identificar oportunidades de tratamento e reaproveitamento de efluentes e resíduos e de redução das emissões de gases do efeito estufa. A primeira etapa do Aliança foi implementada entre 2017 e 2020 em 12 plantas industriais de setores como siderurgia, metalurgia e mineração, cimento, papel e celulose e químico.
Além dos 5,75 milhões reais investidos pelas indústrias participantes, 45% do orçamento necessário dos serviços de consultoria, para a identificação e implementação das ações, foi financiado por meio de um convênio celebrado entre a CNI e a Eletrobras, por meio do Plano de Aplicação de Recursos (PAR Procel – 2017).
Nessa parceria, a CNI oferece metodologia de trabalho, equipe de consultores especializados, softwares e laboratórios, treinamento e acompanhamento da equipe da indústria. Em contrapartida, a empresa se compromete a implementar as ações aprovadas e a manter o programa por 24 meses.
No caso da metalurgia, da siderurgia e da mineração, as ações incluíram aumento da geração de vapor nas caldeiras e otimização de alto-forno. Já nos setores químico, petroquímico, automotivo e de papel e celulose, algumas medidas foram redução do consumo de amônia e uso de modelagem fluidodinâmica das caldeiras de recuperação.
Inovação como aliada
No desenvolvimento dessas soluções, a rede dos Institutos SENAI de Inovação é uma aliada na busca da eficiência energética. No Instituto SENAI de Inovação em Metalmecânica, localizado em São Leopoldo (RS), por exemplo, pesquisadores desenvolveram um sistema de sensores de rastreamento de falhas em processos de produção.
As novas tecnologias e a digitalização dos processos facilitam o uso racional da energia na indústria. É o caso, por exemplo, de máquinas que controlam seus sistemas eletrônicos a partir de informações que recebem. Com a ajuda de dados, equipamentos ou ferramentas elas podem aprender – no que ficou conhecido como machine learning – a desligar subsistemas e partes que não estão sendo utilizadas.
Novas unidades industriais mais modernas e eficientes, ações de gestão de uso de energia e renovação das instalações elétricas são ações previstas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) no âmbito da eficiência energética no Plano Decenal de Expansão de Energia 2030.
Com essas medidas, a estimativa é que os ganhos de eficiência permitam reduzir cerca de 6% do consumo energético total da indústria em 2030, de acordo com a EPE. Quando se fala do consumo elétrico, a expectativa é de queda de 3% no mesmo período, ou cerca de 12 TWh, equivalente ao montante consumido pelas indústrias de mineração e pelotização (transformação de minério de ferro) em 2019.
Uma matriz de energias renováveis
O Brasil se destaca por possuir uma matriz energética com grande participação de fontes renováveis, o que ocorre em poucos países do mundo. Isso significa que as emissões de GEE por unidade de energia consumida no Brasil são menores comparadas a outros países. Não apenas o cenário atual é favorável, como também a perspectiva é de um futuro ainda mais verde, por meio da ampliação das fontes eólica, solar, biomassa e hidrogênio verde.
Segundo o relatório síntese do Balanço Energético Nacional (BEN 2021), publicado pela EPE, 84,8% da oferta interna de energia elétrica do país em 2020 foi de fontes renováveis, liderado pela hidráulica (65,2%). Também foi observada a expansão contínua da fonte eólica (8,8%), a expressiva participação da biomassa (9,1%), e o avanço da solar (1,7%).
Para se ter uma ideia da vantagem do Brasil, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA na sigla em inglês), nos Estados Unidos e nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) essa representatividade seria em torno de 18% e de 27%, respectivamente. Já a média mundial da energia elétrica produzida em 2018 contou com apenas 25% de fontes renováveis, segundo a IEA.
No caso da matriz energética — que inclui não apenas eletricidade, mas todas as fontes de energia disponíveis para o Brasil, inclusive combustíveis, como petróleo e gás — as fontes renováveis chegaram a 48,4% em 2020. O número é puxado pelo uso de fontes tradicionais, como derivados da cana-de-açúcar (19,1%), hidráulica (12,6%) e lenha e carvão vegetal (8,9%), mas também conta com a participação da eólica (1,7%) e da solar (0,3%), que já possuem significativas produções agregadas.
O Brasil também está à frente de outros países nessa comparação. De acordo com os dados da IEA, em 2018, apenas 14% da matriz energética mundial era sustentável. O percentual cai para 11% quando consideramos apenas os países membros da OCDE, no mesmo ano.
De acordo com a EPE, em 2020, o total de emissões antrópicas associadas à matriz energética brasileira foi de 398,3 milhões de toneladas de CO2, sendo a maior parte gerada pelo setor de transportes. A taxa média de crescimento anual das emissões foi de 1,6% de 2000 a 2020 e deve subir para 2% ao ano de 2020 a 2030.
Apesar do aumento, os números per capita são positivos quando analisamos outros países. Cada brasileiro emitiu, em média, 1,9 tonelada de CO2. Esse número é 6,1t CO2 eq/hab na União Europeia, 6,8t CO2 eq/hab na China e chega a 15,0t CO2 eq/hab nos Estados Unidos, na comparação com dados da IEA em 2018.
Evolução de fontes renováveis
Desde 2015, a participação de renováveis na geração de energia no Brasil tem crescido. Esse movimento é marcado pelo aumento da oferta de biomassa da cana e do biodiesel associada à redução da oferta das fontes não renováveis, com recuo de 5,6% de petróleo e derivados, segundo dados elaborados pela EPE.
O maior destaque das renováveis nos últimos anos vem dos ventos. De acordo com a EPE, cerca de 1.065 GWh adicionais de energia em 2020 em relação a 2019 se devem à evolução da geração eólica, com sucessivos incrementos ao longo dos anos. Em 2019, ela superou a participação de biomassa e em 2020, o setor avançou 1,9%, consolidando a liderança de crescimento entre as fontes renováveis.
A perspectiva até 2030 é de continuidade dessa tendência. De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia, a maior oferta de energia elétrica no período será de empreendimentos eólicos, representando uma expansão de 16,4 GW, localizados exclusivamente no Nordeste. A região também será cenário da ampliação da energia solar, que terá um incremento de 5,3 GW no decênio. Para as usinas termelétricas a biomassa estima-se a instalação de 1,1 GW no mesmo período.
A expansão da energia eólica
Principais fontes de energia renovável em ascensão no Brasil, as usinas eólicas devem chegar à capacidade instalada de 30,2 GW até 2024, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). Em 2020, o montante estava em 17,7 GW. Com esse volume futuro, será possível abastecer 28,8 milhões de casas e beneficiar 86,4 milhões de habitantes.
Na prática, o valor pode ser menor porque a operação das usinas depende de decisões do Operador Nacional do Sistema (ONS) e porque os processos de transformação de eletricidade têm perdas e paradas técnicas. O montante de energia que pode ser gerado depende da velocidade dos ventos. Já o tamanho da turbina e o comprimento de suas pás determina quanto de energia eólica é possível converter em elétrica.
Os dados futuros apresentados pelo setor se referem a contratos viabilizados em leilões realizados e no mercado livre. Com novas contratações, a capacidade de geração será ainda maior. A capacidade atual do setor é de 19,1 GW e vem crescendo nos últimos anos. Em 2012, o Brasil era o 15º colocado no ranking mundial de capacidade instalada de energia eólica. Em 2019, passou para o 5º lugar. De acordo com a presidente da ABEEólica, Elbia Gannoum, o potencial eólico onshore (em terra) e o offshore (no mar) é promissor.
Quanto ao financiamento, o setor usa como referência levantamento da Bloomberg New Energy Finance, que contabiliza 20,6 bilhões de reais na produção de energia eólica em 2020, o equivalente a 45% do montante destinado à renováveis e um crescimento de 23% em relação ao ano anterior. Os números refletem desenvolvimentos eólicos de longo prazo e forte pipeline de projetos apoiados por leilões. Entre 2010 e 2020, foram 37,3 bilhões de dólares destinados ao setor.
De acordo com a ABEEólica, a produção de energia por meio dos ventos evitou a emissão de 21,2 milhões de toneladas de CO2 em 2020, o equivalente à emissão de cerca de 20,9 milhões de automóveis. Além de não emitir gás carbônico, os parques eólicos ocupam pouca terra, o que permite a criação de gado e o plantio no mesmo espaço.
A competitividade da energia solar
A participação da energia solar na matriz elétrica brasileira, por sua vez, evitou a emissão de mais de 10,7 milhões de toneladas de CO2, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Esse volume deve ser ampliado. Segundo estimativa da entidade, a geração de energia distribuída no país deve saltar de 4,4 GW para 8,3 GW, em 2021.
A tendência de crescimento tem sido observada nos anos anteriores. Em 2020, a geração de eletricidade a partir da energia solar atingiu a marca de 10.750 GW, um avanço de 61,5% em relação a 2019. Já a capacidade instalada subiu 32,9% no mesmo período, de acordo com a EPE.
Desde 2012, os investimentos privados no setor ultrapassaram R$ 51,3 bilhões. Neste ano, devem chegar a mais de R$ 17 bilhões, segundo a Absolar. Além da instalação de painéis em casas, condomínios ou empresas — sistemas conectados à rede elétrica e chamados de on-grid — há também a geração centralizada. É o caso de projetos acima de 5 MW, como usinas de grande porte.
Essa energia pode ser comercializada no Ambiente de Contratação Livre (ACL) e no Ambiente de Contratação Regulada (ACR). No primeiro, são feitos contratos bilaterais e contratos de compra entre geradoras, comercializadoras e consumidores, mercado em ascensão.
No segundo, as geradoras participam de leilões de energia elétrica, com diretrizes estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia, em conjunto com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Atualmente, o ACL representa cerca de 35% do Sistema Interligado Nacional e o ACR os outros 65%, aproximadamente.
Segundo a Absolar, a energia solar tem sido a fonte mais competitiva de leilões regulados desde 2019. Isso ocorre devido ao preço de oferta. O setor, no entanto, entende que o Brasil necessita de uma política industrial competitiva que permita a redução de preços de componentes e equipamentos produzidos no país.
Hoje há 70 fabricantes do kit do sistema solar fotovoltaico, mas apenas sete produtores dos painéis e 10 do inversor fotovoltaico, que transforma a corrente contínua gerada pela luz solar em corrente alternada. Já os rastreadores solares, que permitem que os painéis fotovoltaicos mudem de posição para seguir o sol ao longo do dia, são produzidos por oito empresas. Há apenas um fornecedor de baterias para o sistema e um de string box, mecanismo que protege o equipamento.
Os incentivos à biomassa
Outra importante fonte de energia renovável no Brasil, a biomassa também tem expectativa de expansão. As termelétricas movidas a esse tipo de combustível devem levar à instalação de 1,1 GW até 2030, sendo que 635 MW já estão contratados, de acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia 2030. Desse total, 508 MW são de usinas a bagaço de cana e 127 MW de usinas a biomassa florestal, localizadas no Sudeste e Centro-Oeste, associadas à cultura da cana-de-açúcar, principal matéria-prima da fonte.
A bioeletricidade tem potencial para crescer mais de 55% até 2030, segundo dados da EPE. Um dos principais estímulos é a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), em operação desde 2020. Ela se dá por meio de metas anuais de redução de emissões do setor de combustíveis, o que incentiva o uso dos biocombustíveis, que devem ser certificados para atestar a eficiência da produção. Estima-se que a implementação do programa evitou a emissão de 18,5 milhões de toneladas de CO2 em 2020.
Segundo levantamento da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), a partir de dados da Aneel, a estimativa é que o setor sucroenergético possa aumentar a capacidade de geração de bioeletricidade em 2 300 MW de 2021 a 2026. Caso esses investimentos se concretizem, a geração de bioeletricidade a partir da cana-de-açúcar poderá aumentar de 20% a 30% até 2026, na comparação com 2020. Isso significa atender entre 2,2 e 3,5 milhões de residências a mais por ano.
No ano passado, a geração de energia elétrica para a rede pelo setor sucroenergético foi equivalente a abastecer 11,7 milhões de casas, de acordo com a UNICA. Foram 22 600 GWh, sendo 82% da geração de energia elétrica a partir de biomassa. Desse total, 83% foram ofertados entre maio e novembro, período seco, o que reforça o papel como alternativa nos momentos de crise hídrica.
Neste ano, de janeiro a 15 de agosto, a geração pela bioeletricidade à rede foi de 15 721 GWh. O número inclui outras fontes além da biomassa da cana de açúcar e foi responsável por atender 35% do consumo anual industrial do estado de São Paulo ou o equivalente a 21% da geração do ano passado pela Usina Itaipu.
De acordo com a UNICA, essa oferta permitiu economizar 11% da energia armazenada na forma de água dos reservatórios hidrelétricos do submercado Sudeste/Centro-Oeste do setor elétrico, o principal do sistema. Segundo a associação, o setor aproveita apenas 15% do potencial para geração de energia. Com o aproveitamento pleno, a bioeletricidade teria potencial técnico para chegar a 148 mil GWh, o equivalente a 30% do consumo de energia no Sistema Integrado Nacional.
Com base nos dados da Aneel, a UNICA aponta que o setor sucroenergético instalou 5 500 MW de 2011 a 2020, equivalente a um investimento da ordem de 14 bilhões na cadeia produtiva sucroenergética. Entre 2021 e 2026, o investimento esperado é de 6 bilhões de reais na cadeia produtiva.
Devido à baixa emissão de carbono, a geração de bioeletricidade de cana em 2021 evitou a emissão de 4,3 milhões de toneladas de CO2, o equivalente ao cultivo de 30 milhões de árvores nativas ao longo de 20 anos, segundo estimativa do setor.
Potencial de crescimento
O Brasil tem grande potencial para aprofundar a geração de energia por fontes renováveis, como solar, eólica e biomassa. No entanto, é necessário que o país realize alguns avanços no setor ambiental. “Para que o país aproveite melhor esse potencial comparativo e tenha mais competitividade no cenário internacional, é importante combater o desmatamento ilegal e criar um mercado regulado de carbono”, destaca Eduardo Viola, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP) e professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Segundo Viola, a guerra entre Rússia e Ucrânia, aliada à pandemia, está provocando uma transformação significativa no sistema internacional. Ele observou que, enquanto a pandemia acelerou os planos de descarbonização, a invasão da Ucrânia gerou um desequilíbrio no mercado energético mundial.
“No curto prazo, está havendo uma corrida pela segurança energética com intensificação de busca por fontes fósseis, mas a tendência é de aceleração da transição energética, sobretudo, no mundo ocidental, liderada pela fonte solar”, afirma Viola, complementando que, na Europa, sobretudo, na Alemanha, há grande potencial de absorção de hidrogênio verde vindo do Brasil.
A guerra e a segurança energética
Gerente de Mudança Climática e Mercados de Carbono da Petrobras, Maria Izabel Ramos, acredita que a guerra ressaltou a importância da segurança energética para os países. Segundo ela, o Acordo de Paris deve ser feito de forma responsável. “Sempre haverá demanda marginal por petróleo no mundo e esse petróleo tem de ser com baixa pegada de carbono e preço competitivo”, diz.
Segundo ela, a Petrobras possui cinco frentes que contribuem com a transição energética: produção de petróleo de baixo carbono; fornecimento de gás para energia; novos produtos de baixa intensidade em carbono; pesquisa e desenvolvimento para soluções de baixo carbono; e projetos socioambientais com foco em florestas, para geração de crédito de carbono.
Para Marcelo Moraes, presidente do Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico (FMASE), há tendência de crescimento de outras fontes renováveis de energia, como a eólica e solar, na matriz elétrica brasileira, que já é 83% renovável.
Segundo ele, para se garantir o abastecimento de energia com modicidade tarifária é preciso que o Sistema Interligado Nacional (SIN) foque em soluções híbridas, hidrogênio, eólicas offshore e armazenamento de energia.
O potencial do hidrogênio verde
Globalmente, o setor de energia é o responsável pela maior fatia de emissões de gases de efeito estufa: 73,2% das emissões no mundo estão relacionadas a eletricidade, geração de calor e transporte. No Brasil, pela matriz energética majoritariamente renovável por causa das usinas hidrelétricas, o setor representa 18,2% das emissões brutas.
Uma das apostas do mercado internacional para reduzir as emissões vinculadas ao setor de energia é o hidrogênio verde. Na Europa, o combustível é considerado uma peça-chave para garantir a segurança energética dos países do bloco europeu.
De acordo com a consultoria McKinsey, o Brasil pode se tornar um dos líderes mundiais na produção de hidrogênio verde. A posição de vantagem se dá por causa do “potencial de energia eólica e solar abundante, um sistema elétrico integrado e de baixo carbono e uma posição geográfica vantajosa para alcançar a Europa e a costa leste norte-americana, além de uma relevante indústria doméstica”.
Segundo dados da McKinsey, o potencial é de 15 bilhões a 20 bilhões de dólares em 2040, com a maior parte desse potencial, entre 10 bilhões e 12 bilhões de dólares, para o mercado doméstico, principalmente no transporte de carga por caminhões, a siderurgia e outros usos energéticos industriais. Até 6 bilhões de dólares devem vir das exportações de derivados de hidrogênio verde para a Europa e Estados Unidos, já que o custo do Brasil nessas regiões será competitivo frente ao produto de outros países.
Ao mesmo tempo, para viabilizar esse cenário, a consultoria destaca que o hidrogênio verde precisará de 200 bilhões de dólares em investimentos, incluindo 180 GW de capacidade de geração de eletricidade renovável adicional.
No início de julho, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) anunciou um programa de financiamento para a produção de hidrogênio no Brasil. O banco vai usar recursos do Fundo Clima e investirá 300 milhões de reais em créditos para o desenvolvimento de projetos que estimulem o hidrogênio verde no país.
O hidrogênio é um dos elementos químicos em maior abundância na natureza. Contudo, ele não é encontrado de uma forma natural e disponível para ser usado como combustível. Por isso, o hidrogênio precisa ser produzido a partir de processos que quebram as moléculas que contêm hidrogênio, como a da água, por exemplo.
Esse processo é o que determina se o hidrogênio será, de fato, sustentável ou não. No caso do hidrogênio verde, ele é produzido com energia eólica, solar e água a partir da eletrólise. Enquanto as matrizes forem renováveis, o hidrogênio será uma fonte de energia limpa.
Em junho, durante o Simpósio Global sobre Soluções Sustentáveis em Água e Energia realizado em Foz do Iguaçu, o presidente da Associação Brasileira de Hidrogênio (ABH2), Paulo Emílio Valadão, afirmou que o mercado está crescendo no Brasil.
“Há um ano tínhamos apenas sete empresas associadas. Hoje temos 43, e outras oito em processo de associação. Isso mostra o interesse nessa área, com possibilidades muito interessantes do ponto de vista ambiental e de saúde da população”, disse.
A urgência em reduzir a emissão de carbono no mundo e conter as mudanças climáticas tem feito com que os países busquem novas soluções para gerar energia. A esse cenário, acresça o conflito entre Rússia e Ucrânia, que acelerou os planos nacionais de transição rumo à geração de energia baseada em fontes renováveis.
Dentre as possibilidades, a mais promissora é o hidrogênio verde. A Agência Internacional de Energia (IEA) estima que, em 2050, 60% da produção total de hidrogênio no mundo virá da rota do hidrogênio verde. Além disso, o Hydrogen Council, iniciativa global de CEOs de empresas líderes em energia, transporte e indústria, estima que a neutralidade climática em 2050 poderá criar um mercado de US$ 2,5 trilhões para hidrogênio e equipamentos de célula de combustível, proporcionando empregos verdes para mais de 30 milhões de pessoas e evitando 6 Gt de emissões de CO2.
“O caráter inovador dessa tecnologia aliado à queda dos custos de quase 60% esperada até 2030 fazem do hidrogênio verde um vetor estratégico de descarbonização da indústria”, afirma o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo.
“Pela a primeira vez, o Plano Decenal de Energia 2031 do Brasil dedicou um capítulo ao hidrogênio. Isso mostra que está havendo um alinhamento de políticas, programas e iniciativas para que o hidrogênio verde entre para compor essa nova economia de baixo carbono, torne-se competitivo e integre os planos dos países para atingirem os compromissos assumidos em fóruns internacionais”, completa.
Como o Brasil é destaque mundial em relação ao uso de fontes renováveis – hidrelétrica, eólica, solar e biomassa – para geração de energia elétrica, temos, consequentemente, potencial para sermos um player fundamental na produção do novo combustível.
“O Brasil tem um potencial de energia renovável que daria para atender a demanda mundial. É um potencial gigantesco tanto hidroelétrico, quanto de biomassa e principalmente de energia eólica e solar. Para energia eólica e solar, as áreas mais promissoras estão no Nordeste e isso faz com que haja grande viabilidade para produzir o hidrogênio verde e exportar para Europa através de portos como Pecém e Suape”, afirmou o consultor de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), Jurandir Picanço Jr.
É justamente esse potencial que leva o Brasil a investir no hidrogênio verde com projetos que somam cerca de 20 bilhões de dólares e estão localizados nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco. Todos com foco principal na exportação.
“O hidrogênio verde é uma fonte que não gera emissões. Hoje fala-se muito em energia limpa e redução da emissão de carbono e o hidrogênio verde entra para compor essa nova economia e ser parte da estratégia dos países para atingirem os compromissos assumidos em alguns fóruns ambientais”, afirmou o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo.
No litoral sul do estado de Pernambuco, está o Complexo Industrial Portuário de Suape, que alia o conceito de porto-indústria. O local deverá abrigar em breve uma empresa que irá produzir hidrogênio verde.
O Complexo surgiu em 1978 para administrar a implantação do distrito industrial, o desenvolvimento das obras e a exploração das atividades portuárias. É considerado um dos maiores projetos de desenvolvimento da economia do país e oferece oportunidades em diversos setores. Lá, já foram firmadas seis parcerias para a pesquisa e produção de hidrogênio verde, segundo o diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Porto de Suape, Carlos Cavalcanti.
Entre elas está uma parceria entre o porto, a Neo Energia e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) para, em 2023, ter uma molécula de hidrogênio a ser utilizada em veículos leves de pequeno porte. Em breve, também será anunciado um chamamento público para abrigar a instalação de uma usina de produção do hidrogênio verde no Complexo.
“É um projeto muito recente e que vem sendo demandado no mundo inteiro. A própria situação entre a Rússia e a Ucrânia fez com que esse processo se acelerasse ainda mais nos últimos meses, objetivando encurtar a dependência dos combustíveis fósseis. Além disso, os compromissos estabelecidos dentro dos pactos de descarbonização nas Conferências das Partes (COPs) fazem com que o hidrogênio seja parte da estratégia no sentido de transformar uma energia que é altamente emissora de poluentes em uma fonte energética com baixa emissão. Essas reflexões estão sendo feitas e vários arranjos já estão sendo implantados”, afirmou Carlos.
O Complexo irá disponibilizar uma área de 72 hectares, além da infraestrutura de acesso à área e o acesso ao canal para possibilitar o transporte do material. Uma vez estabelecido o contrato, a empresa que irá produzir o hidrogênio fica responsável em montar a unidade de produção, fazer o processo de licenciamento ambiental, os estudos de viabilidade econômico-financeira e técnica.
A demanda por hidrogênio verde vem junto com a necessidade de profissionais qualificados capazes de viabilizar a produção do combustível. Tendo isso em vista, o SENAI já está se antecipando e iniciou projetos para formação de pessoal.
“Ainda não há uma demanda imediata por profissionais nesse sentido, mas isso virá com a produção e o SENAI está antecipando as ações para formação de pessoas em todos os níveis, desde integrador de energia até chegar ao desenvolvedor. Já temos projetos com a alemã GIZ – agência alemã de cooperação internacional que atua no Brasil na promoção do desenvolvimento sustentável – , com a chinesa CTG – grupo de energia limpa focado no desenvolvimento e operação de hidrelétricas de grande porte – e com uma indústria de petróleo que está interessada na produção do combustível”, afirmou Jefferson Gomes, Superintendente de Inovação e Tecnologia do SENAI Nacional.
Na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, o SENAI, em conjunto com a GIZ (sigla em alemão para Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit) e o apoio do Ministério de Minas e Energia, fechou uma parceria de R$ 12,5 milhões, que prevê construção de hubs regionais de educação e treinamento para apoiar a expansão do hidrogênio verde no país.
Segundo o diretor do Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) e do Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER) do Rio Grande do Norte, Rodrigo Mello, há alguns anos, quando o gás começou a ser explorado, o SENAI formatou uma estrutura necessária para possibilitar o funcionamento da produção do combustível. Isso incluía desde o modelo a ser utilizado, passando pelo tamanho e as especificações dos laboratórios de educação, até discutir os perfis profissionais para a cadeia de produção do gás e a formação de profissionais.
Esse processo foi repetido em 2009 com a exploração das energias renováveis e agora o desafio é replicar esse projeto na formação de profissionais para a cadeia do hidrogênio verde.
“A ideia é que este centro desenvolva desde os cursos mais simples de operador, eletricista e instrumentador, até cursos de pós-graduação voltados para operador de fábrica, pesquisadores e professores”, afirmou Rodrigo. O projeto não deverá ficar restrito ao Rio Grande do Norte. “A ideia é expandir para todo o SENAI nacional e as outras instituições públicas e privadas que tenham interesse”, finalizou.
Em uma frente paralela, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) em parceria com a Eletronorte lançaram uma nova chamada de Missão Industrial para projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação para aplicação de energia solar no Brasil e geração de Hidrogênio Verde na Usina Hidrelétrica de Balbina (AM). Empresas, Instituições de Pesquisa e startups nacionais podem se inscrever pela Plataforma Inovação para a Indústria.
Ao todo, R$ 12 milhões serão destinados para o financiamento das propostas de projeto aprovadas. O investimento faz parte da estratégia da nova chamada de inovação “Missão Estratégica Balbina Green Connection”, que conecta os melhores centros de pesquisa do Brasil para ajudar as empresas a desenvolver soluções para desafios complexos, como a transição energética rumo a uma economia de baixo carbono.
A ação será coordenada pelos Institutos SENAI de Inovação em Energias Renováveis e as alianças formadas pelos Institutos de Inovação de todo o país. Os resultados esperados são o desenvolvimento local e nacional, com a cocriação de soluções personalizadas em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I).
A estratégia visa conectar empresas industriais ou investidores por meio do compartilhamento de risco financeiro e tecnológico para projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), com base em um conjunto de soluções inovadoras para os desafios encontrados pelas indústrias.
O SENAI e a Eletronorte querem impulsionar a capacidade de geração de energia no país pela fonte solar. Por isso, essa iniciativa marca o início de uma nova parceria entre as instituições, com o objetivo de ampliar, diversificar e socializar a energia produzida na Hidroelétrica de Balbina, localizada no estado do Amazonas, no município de Presidente Figueiredo.
Mercado de carbono: o caminho da regulação
A criação de um mercado global de carbono é uma das estratégias para ajudar os países a reduzir as emissões e atingir a meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura do planeta abaixo de 1,5ºC. No entanto, um dos pontos no qual ainda falta consenso entre as nações sobre como deve ser a implementação dessa medida. Enquanto o posicionamento comum não é alcançado, diversos países já estão criando seus próprios sistemas de precificação do carbono, na forma de taxação de emissões ou de comercialização de cotas via mercado de carbono.
Para a indústria brasileira, liderada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o caminho mais adequado, dentre as opções de precificação, para o Brasil contribuir no atingimento das metas da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) é por meio do mercado de carbono regulado. O compromisso do país é de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 37% até 2025 e 43% até 2030, tendo como base as emissões de 2005.
São duas as estratégias centrais para promover ações de mitigação de emissões de gases de efeito estufa. A primeira é por meio de políticas de “comando e controle”, em que o Estado estabelece a regulação direta. Já a segunda é via instrumentos econômicos, por meio da adoção de incentivos e subsídios e por meio da precificação de carbono. Esta consiste na atribuição de um preço sobre as emissões de gases de efeito estufa.
A precificação pode ser feita de duas formas. A primeira é pela taxação de carbono e a segunda é por meio de mercados de carbono, que podem ser voluntários ou regulados.
No caso dos mercados regulados, o tipo mais comum mundialmente é o Sistema de Comércio de Emissões, sob a ótica do Cap and Trade. Neste mercado há interação entre os setores regulados, que podem comprar e vender permissões de emissões de GEE (de acordo com alocações definidas pelo governo). Este é o caminho defendido pela Confederação Nacional da Indústria.
Uma eventual taxação de carbono no Brasil levaria ao aumento de custos de produção, uma vez que não sendo possível zerar as emissões, alguns setores produtivos vão pagar mais tributos. A taxação do carbono resultaria em cumulatividade na cadeia produtiva, gerando perdas de competitividade econômica. Além disso, não existe garantia de que a receita gerada pelo pagamento desse tributo será destinada a ações de redução de emissões ou desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono.
Foram mapeadas as seguintes perdas potenciais: redução de 800 000 postos de trabalho, queda de 130 bilhões de reais no PIB, aumento de custos e redução da atividade econômica em até 3%, quedas nas exportações em até 5% e aumento dos custos de insumos da indústria, sobretudo de energia elétrica (6%), transportes (16%) e combustíveis (22%).
O projeto Partnership for Market Readiness (PMR Brasil), coordenado pelo governo brasileiro em parceria com o Banco Mundial, avaliou impactos econômicos e sociais da implementação de sistemas de precificação de carbono no Brasil. Como resultado, sugeriu como mecanismo mais adequado para o país o mercado regulado de carbono, ou seja, um sistema de comércio de emissões no modelo Cap and Trade, para apoiar o cumprimento das metas estabelecidas pelo Brasil no Acordo de Paris.
No sistema de comércio de emissões (SCE), sob o racional Cap and Trade é definida uma quantidade máxima de emissões de gases de efeito estufa aos agentes regulados (cap) e são emitidas permissões de emissão de GEE. As permissões são distribuídas gratuitamente ou via leilões e podem ser comercializadas entre empresas. Em discussão no Brasil nos últimos anos, a regulação de um mercado de carbono deve avançar nos próximos meses.
A criação de um mercado regulado permite um ambiente de segurança jurídica e confiança da indústria. Com regras claras e garantias de monitoramento e governança, as empresas conseguem decidir qual a melhor estratégia e quais medidas precisam ser adotadas para alcançá-la, como troca de equipamento ou investimento em novas tecnologias para reduzir as emissões de CO2, por exemplo.
Segundo o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, esse instrumento estimula o ambiente de negócios sem aumentar a carga tributária. “O mercado regulado de carbono será mais efetivo e complementará a estratégia para o cumprimento da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) no âmbito do Acordo de Paris”, declara.
O setor industrial defende uma fase inicial de aprendizado e a utilização dos recursos financeiros da comercialização de permissões de emissões de gases de efeito estufa para reinvestimento em tecnologias de baixo carbono. Além disso, a indústria quer que a regulamentação do mercado contemple também o uso de offsets (geração de créditos para compensação) em diversas frentes, como créditos florestais, energias renováveis, gestão de resíduos, entre outros.
Outro ponto defendido é a consolidação e implementação de um sistema robusto de mensuração, relato e verificação (MRV) de emissões e remoções de gases de efeito estufa.
A indústria também sugere a criação de um órgão colegiado que conte com a participação do governo e do setor privado, além da criação de comitês técnicos especializados, também com a participação do setor privado, para subsidiar o órgão colegiado. Segundo a CNI, essa é a base para que o sistema funcione. Para a efetividade desse mecanismo, é fundamental que haja alto nível de governança por parte do governo, para planejar e implementar um sistema adaptado ao contexto nacional.
Elaborado pela CNI abordando iniciativas da União Europeia, do México, do Western Climate Initiative (WCI) no Canadá e Califórnia, do Japão e da Coreia do Sul, o estudo Mercado de Carbono: análise de experiências internacionais aponta para importância de uma governança bem estruturada, com participação do setor privado, para o sucesso da implementação de programas duradouros.
Três elementos cruciais foram apontados nos mercados de maior sucesso: governos com forte capacidade de articulação que transcende o setor público e favorece um diálogo aberto com o setor privado; vontade política para avançar na agenda climática como um tema de Estado e não de governo, com consistência ao longo dos anos e experiência; e com um sistema de relato obrigatório de emissões.
Além da liderança no Executivo, outros pilares identificados pela pesquisa e apoiados pela CNI são a descentralização, criação de novas estruturas, organização dos sistemas de compensação, interface com o setor privado e formas de interação com setores não regulados.
A criação de um mercado regulado de carbono tem sido discutida pelo Congresso. O principal projeto é o PL 528/2021, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PL/AM). Atualmente ele está na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) aguardando deliberações.
O tema também tem sido discutido pelo Executivo. Entre 2016 e 2020, a CNI, federações de indústrias, associações setoriais e empresas participaram do projeto Partnership for Market Readiness (PMR Brasil), coordenado pelo governo brasileiro em parceria com o Banco Mundial. O PMR é um programa global que já apoiou 23 países na avaliação de instrumentos de precificação de carbono.
O projeto PMR Brasil finalizou em dezembro de 2020, com recomendação para a adoção do mercado regulado de carbono. Outra iniciativa do governo brasileiro, lançada em 2020, é o Floresta+. Trata-se de um programa do Ministério do Meio Ambiente que inclui um mercado voluntário de carbono em áreas de vegetação nativa, por meio da criação, fomento e consolidação de um mercado de serviços ambientais.
Atualmente, dezenas de sistemas de mercado regulado já foram implementados para a comercialização de cotas de carbono ou para a taxação das emissões. De acordo com a pesquisa do Banco Mundial State and Trends of Carbon Pricing 2021, em países desenvolvidos, a precificação de carbono aumentou a produtividade e a inovação. Segundo dados da instituição, foram movimentados US$ 53 bilhões em receitas, em 2020, geradas a partir de estratégias de precificação de carbono que cobriram cerca de 21,5% das emissões globais de gases de efeito estufa, em 64 iniciativas implementadas.
O primeiro sistema de comércio de emissões implementado na Europa (EU-ETS), por exemplo, surgiu há 15 anos e está na quarta fase. O ETS (Emissions Trading System, na sigla em inglês) é a principal referência de mercado de carbono. Já surgiram iniciativas relevantes em países do continente americano, como Estados Unidos, México e Chile. Na Ásia, diferentes países têm avançado concretamente na agenda da precificação.
Maior emissor de carbono do mundo, a China lançou este ano seu mercado interno, o maior do mundo em volume de emissões cobertas, com 2 225 empresas do setor elétrico. Essas companhias são responsáveis por um sétimo das emissões globais de carbono provenientes da queima de combustíveis fósseis, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
A sustentabilidade está na estratégia da indústria brasileira, que não só usa a matriz energética a seu favor, mas está constantemente se atualizando para aumentar sua eficiência. Entre as iniciativas que já contribuem para o cumprimento das metas de redução de emissões, estão os esforços nas áreas de energias renováveis, recuperação de resíduos, eficiência energética e maior eficiência nos processos industriais. Também merece menção o RenovaBio, programa que prevê metas anuais de descarbonização para o setor de combustíveis.
Enquanto a participação de renováveis na geração elétrica dos países da OCDE está em torno de 18% a 27%, no Brasil as fontes renováveis representam 83% da matriz elétrica.
Para mostrar os feitos do setor em prol da transição para uma economia de baixo carbono, a CNI fez um levantamento de iniciativas e indicadores de seis setores – cimento, alumínio, vidro, papel e celulose, químico e aço –, responsáveis por 85% das emissões do setor.
O setor de cimento brasileiro, por exemplo, emite 11% a menos de GEE quando comparado à média mundial do setor. No setor de papel e celulose, enquanto 9 milhões de hectares são destinados ao cultivo de árvores para fins industriais, outros 5,9 milhões de hectares são preservados em florestas nativas, entre Áreas de Preservação Permanente (APP), Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e Reserva Legal (RL).
A reciclagem no Brasil alcança índices bastante representativos. Por exemplo, no caso do papel a taxa é de 66,9%, uma das mais altas do mundo. No setor de alumínio, a reciclagem responde por cerca de 56% do volume total do consumo dos produtos de alumínio, enquanto a média global é de 26%. No caso das latas de alumínio para bebidas, o percentual chega a 97%. A indústria de embalagens de vidro recicla em torno de 400 000 toneladas de vidro por ano, o que equivale a uma redução de 100 000 toneladas de gases de efeito estufa não emitidas na atmosfera anualmente.
O setor químico também se destaca nessa agenda de baixo carbono. Entre 2006 e 2016, as indústrias químicas reduziram em 44% as emissões de gases de efeito estufa associados aos seus processos industriais. Outro setor com contribuição relevante é o de aço, que teve a iniciativa pioneira de utilizar o carvão vegetal em substituição ao carvão mineral para produção de aço com baixa pegada de carbono. O carvão vegetal é obtido a partir da madeira extraída de florestas plantadas. Desta forma, a captura de CO2 que ocorre durante o crescimento das árvores iguala, ou mesmo supera, o volume liberado deste mesmo gás durante o processo de produção do aço.
Diversas instituições públicas e privadas participam do processo de elaboração dos Inventários Nacionais, contribuindo junto ao governo com a disponibilização de dados de atividades, ou com o desenvolvimento de parâmetros e fatores de emissão nacionais. Essa abordagem é chamada top-down.
Atualmente não há um banco de inventários de emissão bottom-up (onde o preenchimento é feito pela própria empresa) consolidado e disponível para todos os setores econômicos.
Apesar de muitas empresas relatarem as suas emissões de forma voluntária, estados como São Paulo e Rio de Janeiro já exigem, de forma obrigatória, o relato de emissões.
Em relação aos relatos voluntários, as demandas estão ligadas ao atendimento a requisitos de mercado, à comunicação externa, à adesão às plataformas voluntárias, como o Carbon Disclosure Project (CDP) e o Programa Brasileiro GHG Procotol, além dos sistemas nos estados de Minas Gerais e Paraná, ainda na fase de relatos voluntários.
O mercado de carbono é um dos instrumentos que pode apoiar o Brasil no cumprimento das metas estabelecidas na NDC. Existem outras agendas para o Brasil implementar a NDC, como: avançar na implantação de energias renováveis mais competitivas, desenvolver ações para combater o desmatamento ilegal, fortalecer a política nacional de biocombustíveis, ampliar os índices de reciclagem, estabelecer a recuperação energética de resíduos, implementar ações de eficiência energética, avançar nas agendas de economia circular e bioeconomia, entre outros.
A NDC brasileira é “economy-wide”, o que significa que vale para o conjunto da economia e não tem metas específicas para setores. Dessa forma é mais difícil concluir qualquer questão relacionada a impactos para a indústria.
Um dos principais pontos que vem sendo discutido e o que ainda falta alcançar consenso é o instrumento financeiro estabelecido no Acordo de Paris. O Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS) permite que o setor privado invista em projetos voluntários de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs).
Por meio do MDS, será estabelecido o mercado de carbono global que, se bem operado, propiciará novos negócios, investimentos e transferência de tecnologia para o Brasil. Assim, pode ser uma das soluções baseadas no desenvolvimento sustentável para a geração de emprego e renda no país, principalmente no cenário pós-covid-19.
Alguns temas também estão no radar do setor industrial e têm feito parte das discussões prévias da COP 26 com a presença de ministros e representantes de alto nível: financiamento climático, adaptação, transferência de tecnologia e pagamento por serviços ambientais.
Entre as prioridades para atrair mais investimentos para o Brasil estão: energias renováveis, hidrogênio, ações para combater o desmatamento ilegal, conservação florestal, reciclagem, recuperação energética de resíduos, eficiência energética, projetos de economia circular e bioeconomia.
O Brasil tem grande potencial para ser protagonista no processo de transição para uma economia de baixo carbono. A matriz energética brasileira tem grande participação de fontes renováveis, o que acontece em poucos países. Segundo dados do último Balanço Energético Nacional (BEN 2020), a participação das fontes renováveis é destaque na geração de eletricidade, na qual elas representam 83% da oferta interna do País.
De acordo com a International Energy Agency (IEA), nos EUA e nos países membros da OCDE essa representatividade seria em torno de 18% e de 27%, respectivamente. Além disso, o país detém a maior biodiversidade (20% do número total de espécies da Terra) e disponibilidade hídrica do mundo (12% das reservas mundiais), tendo 58% do território nacional com cobertura florestal.
Para a agenda climática como todo, podemos destacar a necessidade de definição de uma estratégia nacional mais ampla e integrada para a redução de emissões com políticas que criem um ambiente favorável aos investimentos; o estabelecimento de governança institucional e coordenação de esforços entre governo e setor produtivo para garantir mais transparência no cumprimento das metas do Acordo de Paris; a elaboração de um plano de descarbonização para o país com participação do setor produtivo; e investimentos em P&D visando novas tecnologias associadas a baixo carbono (como eólica offshore, hidrogênio, e captura e armazenamento de carbono).
A CNI defende que a implementação dos compromissos adotados pelo país seja integrada e transparente, com ampla participação do setor produtivo e, para contribuir nesse processo, mapeou quatro pilares estratégicos para desenvolver uma economia de baixo carbono: transição energética, precificação de carbono, economia circular e conservação das florestas.
Em relação ao tema específico sobre mercado, a CNI entende como prioridade a criação de um mercado regulado de comércio de emissões. Mas para isso, é fundamental a consolidação de um sistema robusto de mensuração, relato e verificação (MRV) de emissões e remoções de gases de efeito estufa.
É uma medida da União Europeia que estabelece um Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, em inglês), para cobrança de tarifa adicional, sobre produtos importados com base na quantidade de carbono emitida em sua produção. A proposta legislativa anunciada prevê uma fase transitória, de três anos, a partir de 2023. Reino Unido, Estados Unidos e Canadá também estudam adotar medidas semelhantes.
Ao precificar o carbono, o Brasil também se protege de novas taxações externas, como o CBAM, anunciado pela União Europeia. O CBAM é um fator de pressão para o Brasil estabelecer normas para precificação interna de carbono. Se o Brasil já tiver um mercado regulado quando o CBAM for implementado — o que deve ocorrer em fase transitória em 2023 —, pode solicitar uma redução do número de certificados CBAM se comprovar que já paga pelo carbono em território nacional.
Os benefícios da economia circular
A economia circular é um conceito que associa desenvolvimento econômico a um melhor uso de recursos naturais, por meio de novos modelos de negócios e da otimização nos processos de fabricação com menor dependência de matéria-prima virgem, priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis. Ela baseia-se fundamentalmente em repensar a forma de desenhar, produzir e comercializar produtos para garantir o uso e a recuperação inteligente dos recursos naturais.
Trata-se de um aperfeiçoamento do sistema econômico atual, que visa um novo relacionamento com os recursos naturais e a sua utilização pela sociedade. Nesse sentido, é uma proposta de adição e retenção de valor dos recursos, e regeneração do meio ambiente, que busca produzir sem esgotar os recursos naturais, e sem poluir o meio ambiente, consequentemente, preservando o nosso planeta.
Uma definição mais atual para a economia circular está sendo desenvolvida no âmbito da Organização Internacional de Normalização (ISO). Segundo a entidade, “é um sistema econômico que utiliza uma abordagem sistêmica para manter o fluxo circular dos recursos, por meio da adição, retenção e regeneração de seu valor, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.”
O conceito de Economia Circular tem origem em diversas escolas e linhas de pensamento, que construíram a base para o debate sobre desenvolvimento sustentável, tais como: Ecologia Industrial, Gestão do Ciclo de Vida, Economia de Performance, dentre outras. Entende-se que as atividades econômicas em uma Economia Circular geram e recuperam valores de produtos e serviços, mantidos por longo prazo e para todas as partes envolvidas no sistema econômico.
O primeiro passo para a transição da lógica linear para a circular consiste em analisar as oportunidades de inovação nos modelos de negócios das empresas, possibilitando a criação de melhores processos, produtos e serviços, e expandindo a proposição de valor, capturando valores perdidos e não percebidos por todas as partes interessadas.
O modelo econômico linear de produção-consumo-descarte está atingindo seu limite. Nos últimos trinta anos, apesar dos avanços tecnológicos e do aumento da produtividade dos processos que extraem 40% mais valor econômico das matérias-primas, a demanda nesse mesmo período aumentou 150%. Além disso, este modelo tem se mostrado ineficaz para enfrentar os principais desafios da sociedade contemporânea, entre eles: redução da pobreza e das desigualdades sociais, mudanças climáticas, escassez hídrica, perda de biodiversidade e exaustão dos recursos naturais. Do ponto de vista dos negócios, é um modelo que se baseia somente na redução de custos, na visão de curto prazo, e não privilegia a geração de valores diferenciais no mercado, como serviços e produtos mais duráveis e de melhor qualidade.
Para atingir um desenvolvimento econômico que concilie prosperidade com sustentabilidade, é preciso sair de uma economia baseada na escassez, de curto prazo e com foco no processo, para uma economia baseada no valor, de longo prazo e com visão sistêmica.
Um dos caminhos é por meio de uma economia que dissocie o crescimento econômico do consumo de recursos e da geração de externalidades negativas ambientais e sociais. Deve-se passar a associar o crescimento econômico a um modelo que promove a regeneração e a restauração do capital natural e gera impactos sociais e econômicos positivos.
Por associar o crescimento econômico a um ciclo de desenvolvimento positivo contínuo, o modelo econômico circular contribui para a preservação e aprimoramento do capital natural, otimização da produção de recursos e minimização de riscos sistêmicos, com a administração de estoques finitos e fluxos renováveis.
Essa transição já vem ocorrendo paulatinamente com os novos modelos de negócios e as atuais tendências tecnológicas, como digitalização, produto como serviço, compartilhamento e conectividade, o que promove maior acesso a informações, integração de cadeias de valor e novas parcerias.
Dessa forma, há uma oportunidade de se implantar a maior mudança sistêmica do atual modelo econômico desde a revolução industrial. Mais que uma necessidade, a Economia Circular traz soluções inovadoras para a indústria, os governos e a sociedade.
Desde o ano 2000, o crescimento da demanda por bens primários e a elevação dos preços internacionais das commodities ajudaram a impulsionar a economia dos países primário-exportadores, como o Brasil. No entanto, a volatilidade dos preços fragiliza muito as economias dependentes das exportações desses produtos.
No Brasil, o setor industrial tem perdido significativamente sua participação relativa no PIB. Na década de 80, a indústria representava 45% do PIB; atualmente responde por, aproximadamente, 21%, sendo que a indústria de transformação caiu de 34% para 11% no mesmo período. Serviços, em contrapartida, corresponderam, em 2016, a 73,3% do PIB.
Este quadro de perda do peso da indústria na economia também é verificado em outros países. Contudo, em alguns, como no Reino Unido, esta perda foi conciliada de forma estratégica com o aumento da contribuição de empresas tradicionalmente industriais em outros setores, de forma integrada. A indústria manufatureira inglesa, por exemplo, está se reinventando nos últimos anos: além da atividade fabril, está se tornando prestadora de serviços de alta qualidade. Um dos casos clássicos desta mudança é a Rolls-Royce, a qual, nos últimos dez anos, deixou de ser apenas uma fornecedora de turbinas para se transformar em uma empresa que oferece soluções completas para a aviação, garantindo a disponibilidade e o funcionamento contínuo destes equipamentos. Com isso, mais da metade da sua receita tem sido dos serviços relacionados à manutenção.
Essas oportunidades de impulsionar a economia e agregar valor aos produtos podem ser desenvolvidas no Brasil, o qual destaca-se por apresentar uma das condições-chave para a Economia Circular: o potencial de geração de energia renovável. As energias solar, eólica, biomassa de 1a, 2a, 3a geração, das marés, entre outras, abrem novas janelas de oportunidade com a Economia Circular.
O Brasil deve se beneficiar ao agregar valor às commodities; ao aumentar a oferta de empregos; ao promover práticas associadas a serviços de manutenção; ao criar mais atividades econômicas estruturadas relacionadas aos ciclos reversos, como a reciclagem (recuperação de materiais) e a remanufatura (recuperação de produtos), e fortalecer as cadeias; e ao promover novos negócios com soluções inovadoras que aumentem a competitividade e a penetração da indústria nacional nos mercados nacional e global. Mas, para que isso ocorra, governo, empresas, universidades e toda a sociedade precisam mudar os atuais modelos mentais. A partir disso, novos negócios, novas cadeias de valor, novas condições facilitadoras (como políticas públicas e tecnologias) precisam ser desenvolvidas para a formação de um Sistema de Negócios Circular.
Os benefícios da economia circular vão muito além de evitar o desperdício e reduzir custos. Ela promove novos modelos de negócios que agregam valor a produtos e serviços e contribuem para a redução de emissões de gases poluentes, para o combate à mudança climática e, sobretudo, para que o Brasil atinja a meta de neutralidade de carbono até 2050.
Apostando nisso, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) inseriu a economia circular como um dos pilares da estratégia de baixo carbono do setor industrial brasileiro, juntamente com a conservação florestal, transição energética e precificação de carbono.
A combinação de diversas vantagens, entre elas abundância de recursos naturais e a maior biodiversidade do mundo, uma indústria diversificada e amplo mercado consumidor, além de um corpo científico bastante qualificado, torna o Brasil uma nação com potencial de se tornar uma potência na economia circular.“Para transformar as vantagens do país numa alavanca para o desenvolvimento sustentável, é preciso políticas públicas e sistema de governança que impulsione a economia circular. Tudo isso vinculado à estratégia de neutralidade de carbono”, afirma Mônica Messenberg, diretora de Relações Institucionais da CNI.
O país já deu passos importantes rumo à economia circular. Em âmbito internacional, a CNI lidera a delegação brasileira que tem participado ativamente na elaboração das normas técnicas sobre economia circular que estão sendo criadas pela Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês) e devem entrar em vigor a partir de 2023.
Em relação a leis e políticas nacionais, o principal avanço foi a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em vigor desde 2010, que obriga setores industriais a desenvolverem a logística reversa. Os setores de eletroeletrônicos, medicamentos, embalagens e lâmpadas estão estruturando seus sistemas de logística reversa e alguns outros como os de pneus e de óleos lubrificantes e suas embalagens, pilhas e baterias, baterias automotivas e de embalagens de agrotóxicos já contam com redes de coleta bem avançadas.
No entanto, para que a logística reversa seja viabilizada é preciso desburocratizar os processos administrativos para que os materiais recolhidos possam ter facilidade de trânsito em todo o país. Também é fundamental remover a cumulatividade tributária da cadeia de reaproveitamento de materiais.
A CNI defende ainda uma política mais ampla, que inclua as demais práticas de economia circular, além da reciclagem. “É preciso que o tema seja regulamentado nacionalmente para que possa ser mais estimulado nos Estados e municípios, e que incentive a inovação para que as cadeias circulares tenham melhores condições de se desenvolver”, explica Mônica. “Com um arcabouço regulatório adequado, com ferramentas e métricas que considerem a realidade das organizações brasileiras e com a colaboração dos diversos atores da sociedade, será possível alavancar de forma consistente a transição para a economia circular no Brasil.”
Um passo importante, que pode ser implementado no curto prazo, é o uso de poder de compra do Estado para estimular práticas de economia circular. A CNI publicou uma cartilha sobre Compras Públicas Sustentáveis, que orienta como requisitos de sustentabilidade podem ser criados e incorporadas no processo de compras públicas.
Outro ponto para o avanço da agenda é a criação de uma rota de maturidade que possa avaliar os processos e produtos das empresas, considerando métricas de economia circular. “Dessa forma, será possível elaborar projetos consistentes e acessar recursos para o financiamento e viabilização das inovações nas empresas”, completa Mônica.
A aprovação do marco legal do saneamento básico, permitiu a evolução de outra pauta de economia circular: a regulamentação do reúso de água de efluentes tratados, que tramita no Congresso. Segundo a CNI, o Brasil, que produz um metro cúbico de água de reúso por segundo, tem potencial para produzir 13 vezes mais. Para isso, seriam necessários investimentos de R$ 1,89 bilhão em infraestruturas de reúso de água, que trariam um incremento de quase R$ 5,9 bilhões na economia.
Alguns estados também estão avançando em normas voltadas à economia circular. O Paraná é um dos pioneiros na questão da logística reversa. Desde 2012, o governo do Estado lança editais para que setores industriais apresentem propostas para logística reversa e, neste ano, já conta com nova legislação que obriga nove setores – entre os quais agrotóxicos, lâmpadas, embalagens e pneus – a apresentarem informações sobre logística reversa na plataforma Contabilizando Resíduos, recentemente lançada.
“Essa prestação de contas da logística reversa vai estar vinculada ao licenciamento ambiental, assim como já é feito em São Paulo e Mato Grosso do Sul”, explica Marcos Thiesen, especialista em Sustentabilidade da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP). “Todos os municípios do estado também terão de inserir na plataforma informações quanto a geração de resíduos sólidos urbanos.”
A FIEP está apoiando empresas a se adequar à nova legislação e também trabalha com o governo do estado para criar uma política pública específica para economia circular. Em breve, lançará a Câmara Temática de Economia Circular, que reunirá representantes da indústria, academia e governo, para debater avanços nessa agenda no estado com base em propostas que estão no documento Rota Estratégica para a Economia Circular, lançado em 2019.
Na relação com a transição para a economia de baixo carbono, não é obrigatório que empresas façam inventário de emissões, mas o governo criou o Selo Clima, para empresas que publicam seus inventários. “Com certeza empresas que investem em economia circular, reduzem emissões”, completa Thiesen.
Recentemente, no Rio de Janeiro, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) criou um novo sistema de licenciamento ambiental em que empresas que atendem a critérios de sustentabilidade têm maior número de anos licenciados. Além disso, simplificou o licenciamento para atividades relacionadas à economia circular, como o transporte de resíduos e as estruturas para coleta seletiva, a partir de propostas da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN).
Segundo Carolina Zoccoli, especialista em Sustentabilidade da FIRJAN, essas mudanças beneficiaram, principalmente, as pequenas empresas. “É preciso fazer o acompanhamento ambiental, mas o excesso de burocracia acaba fazendo com que muitas empresas desistam da reciclagem ou geração de energia a partir de resíduos e optem por destiná-los a aterros sanitários, com processo mais tradicional e, portanto, conhecido”, avalia.
O foco de articulação da FIRJAN no momento está em valorizar o encadeamento produtivo da reciclagem, propondo ações que viabilizem o retorno dos resíduos, como a formalização e registro das cooperativas de catadores de recicláveis. “Na informalidade, as cooperativas não podem fornecer para um cliente industrial que precisa cumprir exigências de rastreabilidade”, explica Carolina.
Além da articulação com o governo para melhorar o ambiente de negócios e atrair investimentos para iniciativas circulares, federações de indústria também apoiam empresas tanto para adequação a legislações quanto no desenvolvimento de inovações em produtos, processos e modelos de negócios sustentáveis.
Pesquisa da CNI mostra que 76,5% das empresas do país adotam alguma prática de economia circular. Entre as principais iniciativas estão otimização de processos, uso de insumos circulares e recuperação de recursos.
Para dar escala a iniciativas circulares, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) lançou recentemente a Rede de Economia Circular, que é uma evolução do Programa Mineiro de Simbiose Industrial, implantado em 2009 nos municípios de Sete Lagoas e Uberaba. A iniciativa, realizada nas dez regionais da Fiemg espalhadas pelo estado, permite que empresas desenvolvam um modelo de negócio coletivo de prestação de serviços para reaproveitamento e intercâmbio de recursos. As negociações envolvem desde serviços laboratoriais e cessão de horas de profissionais até venda de resíduos e água.
“O Estado de Minas Gerais aderiu à campanha Race to Zero (Corrida para o Zero) e essa rede é fundamental para que o estado atinja a meta de neutralidade de carbono até 2050”, destaca Guilherme Zaforlin, analista Ambiental da FIEMG.
Antes da Rede de Economia Circular, a FIEMG desenvolveu por dois anos o Programa de Economia Circular em Distritos Industriais, com empresas localizadas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Entre os resultados do projeto, estão a reciclagem de 1,93 milhão de tonelada de resíduo por ano, redução de custos de R$ 1,77 milhão por ano e redução de emissões de 139,44 tonelada de carbono equivalente por ano.
Tanto no Paraná quanto no Rio de Janeiro empresas contam com o apoio do Instituto SENAI de Inovação para o desenvolvimento de bioprodutos, como o bioplástico – a partir de matéria prima renovável – e biogás – a partir de resíduos. Além disso, no Rio de Janeiro, o Instituto Euvaldo Lodi (IEL) promove a Trilha de Design Circular, uma capacitação para gestores empresariais que tem como resultado final o desenho de um produto ou modelo de negócios que contemple a circularidade.
Entre os participantes está Paula Correa, coordenadora de design na fabricante de sandálias Kenner. A partir da capacitação, a empresa, que já usa 25% de matéria-prima regenerada a partir de sobras de EVA e PVC no processo industrial, está desenvolvendo pesquisas para reutilizar sandálias usadas na fabricação de novos produtos. “Estamos ainda com o desafio na limpeza em escala das sandálias que retornam”, conta Paula.
Ricardo Guatagnin, diretor da empresa Leve Móveis Inteligentes, disse que a marca surgiu após projeto desenvolvido com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) no Rio de Janeiro, que criou os “móveis que trocam de roupa”, para permitir que os consumidores possam mudar a capa que reveste os produtos para dar um visual novo aos ambientes sem precisar trocar as peças inteiras.
Com a participação na Trilha de Design Circular do IEL, Guatagnin pensou em três formas para reaproveitar os tecidos que os consumidores querem trocar: envio de molde para consumidor fazer a própria ecobag; devolução do tecido na fábrica; e assinatura de coleções, com pagamento de mensalidade que permite receberem novas capas para os móveis. “Por enquanto, implementamos o envio de molde de ecobag aos clientes. Os outros dois formatos vamos implementar quando estivermos com a loja virtual”, planeja Guatanin.
ORIGEM DA ECONOMIA CIRCULAR
A Economia Circular pode ser entendida como uma proposta de modelo econômico que integra diversas escolas e linhas de pensamento, tais como: Ecologia Industrial, Engenharia do Ciclo de Vida, Gestão do Ciclo de Vida, Economia de Performance, entre outros.
A Ecologia Industrial apresenta, de modo geral, dois grandes eixos de atuação e pesquisa que se integram: um que busca soluções tendo como modelo os fenômenos ecológicos (linha semelhante à Biomimética, que busca soluções inspiradas na natureza) e outro que busca o equilíbrio entre os sistemas naturais e os construídos pelo ser humano, de modo a evitar os impactos ambientais negativos. Uma sociedade internacional (International Society for Industrial Ecology) e um periódico científico internacional (Journal of Industrial Ecology) são os espaços atuais de encontro e disseminação desta escola.
A Engenharia do Ciclo de Vida (Life Cycle Engineering – LCE) e a Gestão do Ciclo de Vida (Life Cycle Management – LCM), a primeira advinda da Academia Internacional de Engenharia de Produção (CIRP) e a segunda do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), trabalham junto às perspectivas da Engenharia e Gestão, respectivamente, para identificar os impactos do ciclo de vida do produto e gerar soluções para reduzir os impactos negativos deste ciclo, principalmente desde o desenvolvimento até o fim de vida do produto.
A Economia de Performance é liderada por Walter Stahel e, entre as principais contribuições desta linha, pode-se destacar a ideia de uma economia baseada na função, onde a oferta dos serviços deveria se destacar ao invés da venda somente do produto físico.
Além desses, as linhas relacionadas ao ciclo fechado e à geração de impactos positivos no ciclo de vida do produto – como do Berço ao Berço da Economia Colaborativa e da Compartilhada, nos quais produtos e serviços podem ser usados por mais de um cliente, junto às tendências atuais da Era Digital – contribuíram para estruturar a proposta atual da Economia Circular.
Embora autores indiquem que quem introduziu o conceito de Economia Circular foi o trabalho de Pearce & Turner (1989), baseado em Boulding (1966), no qual a ideia da economia como um sistema circular já era considerada como pré-requisito para a manutenção da vida humana na Terra, a proposta contemporânea de Economia Circular é uma integração de várias áreas, como apresentado. Porém, o grande destaque desta é a incorporação da Economia Circular no mainstream econômico, não como “salvadora” do planeta e da espécie humana, mas “salvadora” da própria economia, com consequências benéficas ao planeta e à humanidade.
Para o mundo dos negócios, o tema ganhou repercussão mundial a partir, principalmente, do lançamento, em 2014, do relatório “Towards the Circular Economy: Accelerating the scale-up across global supply chains”, no Fórum Econômico Mundial elaborado em colaboração com a Fundação Ellen MacArthur.
Como um conceito dinâmico, contemporâneo e em construção, principalmente a partir da prática, entende-se que as atividades econômicas em uma Economia Circular geram e recuperam valores de produtos e serviços, mantidos por longo prazo e para todas as partes envolvidas do sistema econômico.
A transição para um modelo de Economia Circular está pautada na inovação, tendo como principal direcionador a efetividade sistêmica para geração de impactos positivos, no qual se busca, além da eficiência e eficácia, gerar consequências positivas para as partes envolvidas do sistema.
Assim, pode-se destacar o grande diferencial da Economia Circular ao propor a expansão do elemento central da economia linear – a Produção – para – o Sistema – e, com isso, ampliar, diversificar e trazer maior longevidade para a criação, proposição e captura de valor. Para isso, ela busca, de modo intencional e integrado, restaurar os recursos físicos e regenerar as funções dos sistemas naturais e antrópicos, trazendo maiores oportunidades econômicas e sociais, com consequências, portanto, positivas em sustentabilidade.
A bioeconomia e as mudanças climáticas
O termo bioeconomia foi definido pela primeira vez em 1998 como “uma parte da economia que utiliza novos conhecimentos biológicos com propósitos comerciais e industriais e para a melhoria do bem-estar humano”. Em 2009, a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) trouxe a seguinte definição: “um mundo no qual a biotecnologia representa uma parcela significante da produção econômica, sendo guiada pelos princípios do desenvolvimento sustentável”.
Ela pode consistir, ainda, em “transformação do conhecimento em ciências biológicas em produtos ambientalmente amigáveis e competitivos” ; “utilização de novos conhecimentos científicos e tecnologias emergentes para o desenvolvimento de processos de base biológica e a transformação de recursos naturais em produtos e serviços sustentáveis” e “toda a cadeia de valor que é orientada pelo conhecimento científico avançado e a busca por inovações tecnológicas na aplicação de recursos biológicos e renováveis em processos industriais para gerar atividade econômica circular e benefício social e ambiental coletivo”.
Mais importante do que memorizar definições é compreender o seu conceito moderno: a bioeconomia emprega novas tecnologias a fim de originar uma ampla diversidade de produtos. Sob esse aspecto engloba as indústrias de processamento e serviços e relaciona-se ao desenvolvimento e à produção de fármacos, vacinas, enzimas industriais, novas variedades vegetais e animais, bioplásticos e materiais compósitos, biocombustíveis, produtos químicos de base biológica, cosméticos, alimentos e fibras. Com isso, a bioeconomia tem muitos elementos positivos para unir a maioria de suas partes interessadas em um objetivo comum: tornar o planeta mais sustentável e nossas sociedades economicamente viáveis, fazendo uso inteligente da biomassa e da biodiversidade.
Ainda não existe uma única estratégia de Bioeconomia disponível para o mundo, havendo dezenas de formulações nos diversos países. É fato que dificilmente chegaremos a uma bioeconomia única, mas sim a tantas bioeconomias quanto ecossistemas e modelos socioeconômicos existentes no mundo. Contudo, a grande maioria dos governos e cientistas concorda que esse novo sistema econômico deve ser baseado no uso sustentável dos recursos biológicos. Destaca-se, ainda, que já é consenso que a bioeconomia e a economia circular são conceitos diferentes, mas altamente complementares.
Em 2012, a União Europeia (UE) apresentou a sua primeira estratégia dedicada à bioeconomia, focando em desenvolvimento de novas tecnologias e processos, desenvolvimento de mercados e competitividade, e promoção de uma estreita colaboração entre os elaboradores de políticas públicas e as partes interessadas. Além disso, o Programa Horizon 2020 (2014-2020) proporcionou a base para um maior desenvolvimento das estratégias nacionais de investigação e inovação na Europa. De acordo com essas definições, estima-se que, em 2015, a bioeconomia tenha sido responsável por gerar 18 milhões de empregos, com uma movimentação de 2,3 trilhões de euros e uma produção agregada de 621 bilhões de euros na UE. Ainda que movimente uma quantidade considerável de dinheiro, a bioeconomia nos países europeus é frequentemente tratada no contexto mais amplo das estratégias de crescimento e economia circular.
Diferentemente de outros locais como a América do Norte, a UE não classifica inovações médico-biotecnológicas como parte da bioeconomia, focando basicamente em substituir os combustíveis fósseis e a redução associada de gases de efeito estufa ao mesmo tempo em que cria uma vantagem tecnológica por meio de novos métodos de processamento de biomassa para fabricar novos produtos.
Como exemplo, o governo francês definiu bioeconomia como “a produção, o uso e a transformação de biorrecursos, de forma sustentável, para atender às necessidades de alimentos, de materiais e de eficiência energética para a sociedade”. As indústrias médica e farmacêutica não são referenciadas. Isso pode ser associado a uma questão de ordem prática, na qual a junção da indústria farmacêutica, já muito bem estabelecida e regulamentada, com as biorrefinarias, setor com processos, produtos e modelos de negócio em desenvolvimento, não é adequada para efeitos de políticas públicas e operacionais e para as empresas privadas, pois estas apresentam dinâmicas setoriais distintas decorrentes de suas fases diferentes de maturidade.
Há ainda que se destacar o fato de que a UE considera que uma bioeconomia global deve reconstruir o capital natural e melhorar a qualidade de vida de uma população mundial crescente, ao mesmo tempo em que equilibra o gerenciamento de bens comuns, como ar, água e solo, com as expectativas econômicas das pessoas. Para tanto, seriam necessários três tipos de inovação: tecnológica (como sistemas para reduzir as emissões de carbono), organizacional (como mudanças no comportamento institucional e na legislação) e social (como a criação de empregos).
Países da América do Norte e da América do Sul também estão empreendendo esforços significativos para melhorar seus setores da bioeconomia, visto que esta deve ser uma grande oportunidade de desenvolvimento econômico. Estados Unidos e Canadá possuem políticas bem desenvolvidas rumo à bioeconomia, embora somente os Estados Unidos usem essa nomenclatura em documentos oficiais. Ambos possuem grandes áreas de floresta, linha costeira e terra disponível para agricultura, de modo que praticam a bioeconomia em larga escala, no sentido da produção agrícola e florestal.
Os principais setores envolvidos são a produção de produtos químicos ou bioenergia, como pellets de madeira, bioetanol e biocombustíveis de última geração, de modo a complementar suas estratégias agrícolas por meio da biotecnologia industrial para desenvolvimento de tecnologias de conversão. Ressalta-se, ainda, que, para ambos, a bioeconomia também incorpora o setor de saúde, incluindo a indústria farmacêutica e serviços inovadores, como a bioinformática. Para os Estados Unidos, a bioeconomia é entendida como “uma transição industrial global destinada à utilização sustentável de recursos naturais renováveis para a produção de energia, intermediários e produtos com a finalidade de gerar benefícios econômicos, ambientais, sociais e de segurança nacional.” O Canadá, por sua vez, define a bioeconomia como “atividade econômica transversal e associada à invenção, ao desenvolvimento, à produção e ao uso de produtos e processos baseados em recursos biológicos, incluindo as indústrias de saúde, energia, agricultura, produtos químicos e materiais especiais.
Em 2017, o governo dos Estados Unidos lançou o Federal Activities Report on the Bioeconomy, que trata diretamente do desenvolvimento da bioeconomia do país rumo a tornar-se uma potência também nesse setor. O objetivo do plano é desenvolver e implementar abordagens inovadoras para remover as barreiras à expansão do uso sustentável dos recursos abundantes de biomassa dos Estados Unidos, enquanto maximiza os resultados econômicos, sociais e ambientais. Ao aumentar o uso de material vegetal renovável e resíduos de matérias-primas para biocombustíveis, bioprodutos e bioenergia, o plano visa estimular o crescimento do emprego e as oportunidades econômicas, aumentar a vantagem competitiva da nação, apoiar um futuro energético seguro e renovável e contribuir para melhorar a qualidade).
Para isso, foi criado um plano chamado Billion Ton Bioeconomy, que tem como meta expandir a produção de biomassa de modo sustentável para um bilhão de toneladas anuais até 2030, principalmente com o uso de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Trata-se de uma ideia impactante e que gera uma meta clara em torno da qual pode-se estabelecer uma estratégia.
Essa é um modelo que o Brasil, por exemplo, deve considerar para o estabelecimento de sua Política Nacional de Bioeconomia. Na América Latina, Argentina, Brasil, Colômbia, México, Paraguai e Uruguai possuem estratégias de políticas para a bioeconomia, sendo o Brasil o país que primeiro inseriu tal temática em seus documentos oficiais em 2007.
Brasil e a Argentina estão entre os líderes na produção de bioenergia e estão entre os cinco principais usuários de culturas geneticamente modificadas. Já Colômbia e Uruguai deram os primeiros passos com base em bioprospecção e tecnologias agrícolas. Em geral, os países da América Latina também não têm um consenso sobre a definição de bioeconomia, sendo esta tratada dentro do contexto mais amplo das estratégias de crescimento verde, bioenergia ou biotecnologia.
Na Ásia e Oceania estão localizados alguns dos países com os maiores índices de inovação e tecnologia, muitos com estratégias já definidas (BIOÖKONOMIERAT, 2015b). Para o Japão, a bioeconomia parte do ponto de vista do seu potencial inovador, uma vez que há restrições físicas ao desenvolvimento dos setores agrícola e florestal. China, Índia, Rússia e Austrália têm adotado estratégias avançadas de bioeconomia, principalmente no desenvolvimento da biotecnologia e das tecnologias de conversão de biomassa. Além destes, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Siri Lanka e Tailândia já iniciaram a implementação de políticas voltadas a diversos setores da bioeconomia, principalmente à produção de bioenergia e à inovação de alta tecnologia.
Por fim, a África, apesar de seu grande potencial, é a região que menos desenvolveu suas políticas, sendo África do Sul e Moçambique os países com algumas estratégias. Outros oito países no continente – Quênia, Mali, Ilhas Maurício, Namíbia, Nigéria, Senegal, Tanzânia e Uganda – desenvolveram algum conteúdo, mas somente a África do Sul usa o termo “bioeconomia” em seus documentos oficiais. Em geral, as perspectivas desses países se concentram no desenvolvimento do setor de bioenergia e tecnologia agrícola.
Globalmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou, em 2015, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento, contendo os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Nesse acordo, assinado por 193 líderes mundiais, incluindo o Brasil, governos e cidadãos de todo o mundo desenvolveram uma agenda global para acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar de todos, proteger o meio ambiente e combater as alterações climáticas. A maioria dos objetivos do plano, senão todos, englobam conceitos para o desenvolvimento da bioeconomia.
Além disso, o Acordo de Paris, assinado em 2015 após diversas negociações, tem como meta manter o aumento da temperatura do planeta abaixo dos 2 ºC, principalmente por meio da redução de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono, estratégia diretamente ligada ao desenvolvimento da bioeconomia. Existe potencial para o desenvolvimento de estratégias de bioeconomia mais explícitas em todos os lugares do mundo, o que se torna ainda mais evidente com a celebração de acordos globais no setor.
Por essa razão, compreender a importância da conservação dos ecossistemas e os levar em consideração na construção de novas cadeias produtivas é essencial para o sucesso das iniciativas de bioeconomia, podendo levar nações a saírem na frente no desenvolvimento efetivo do setor, a fim de se tornarem potências nessa onda de revolução biotecnológica.
Investimentos qualificados nessa área têm grande potencial de retorno, além de reduzir a dependência e aumentar a segurança econômica do país. Portanto, atuar na industrialização da biologia para o desenvolvimento de uma bioeconomia avançada, com maior margem para os produtos da pauta, é fundamental. O Brasil possui, hoje, todos os elementos necessários para isso: grande área para produção de biomassa, uma das maiores biodiversidades do planeta, com grande potencial para descobrimento de novas substâncias de alto valor agregado, expertise em biorrefinarias e manejo de biomassa e produção de ciência de alta qualidade em diversos campos, incluindo as biociências.
Como exemplo, em 2016, a cadeia produtiva da cana-de-açúcar rendeu 164,1 bilhões de reais, sendo 47,6 bilhões provenientes da produção primária, 84,2 bilhões provenientes da produção secundária e 32,3 bilhões provenientes do setor de serviços. O Brasil é o líder mundial da produção de cana-de-açúcar, sucesso baseado em incentivos políticos que resultaram em uma forte rede de instituições e empresas que se concentraram na produção de açúcar e álcool.
Para se tornar uma potência na bioeconomia no futuro, a rede de inovação existente no país precisa ser expandida, integrando os diferentes atores para a geração de novas tecnologias e produtos de maior valor agregado. Atualmente, a cadeia produtiva da cana-de-açúcar resulta em sete produtos: açúcar, etanol, rum, cachaça, pellets, eletricidade e biogás.
Entretanto, com investimentos de PD&I, seria possível desenvolver pelo menos outras onze categorias de produtos: bioplásticos, corantes, ácidos orgânicos, aminoácidos, lubrificantes, fármacos, enzimas, fragrâncias, cosméticos, detergentes e solventes Isso evidencia que, embora a cadeia da cana-de-açúcar seja um exemplo de sucesso, ela mal começou a ser explorada.
Em outro exemplo, o mesmo ocorre com o setor de base florestal plantada. Atualmente, o setor gera principalmente celulose, papel, pisos, painéis, carvão vegetal, pellets e eletricidade. Em 2018, foram gerados 86,6 bilhões de reais, equivalentes a 1,3% do PIB e 6,9% do PIB industrial. Entretanto, é possível ampliar a escala e desenvolver outros produtos como lignina, etanol celulósico, bioplásticos, nanofibras, tal oil e bio-óleo, além de tornar viável alternativas a materiais metálicos, plásticos, telas de LCD e outros.
Para isso é preciso rever, conceitualmente, a contribuição da madeira para a captura de carbono. Até aqui, seu uso foi, em grande parte, associado ao desmatamento ilegal, o que acabava por desmotivar sua utilização em construções e movelaria. Entretanto, com o plantio especializado de florestas para esse fim, o que temos é o contrário.
As florestas normalmente são estabelecidas em áreas de pasto degradado ou de baixa produtividade agrícola, produzindo, em pouco tempo, grandes volumes de biomassa. Essa biomassa, se utilizada para vigas ou móveis, terá um ciclo de vida longo, gerando uma significativa captura líquida de carbono com uso imediato dos produtos. Trata-se, portanto, de um setor preparado para inovar e que pode ter, em pouco tempo, uma forte inversão da percepção pública sobre seu papel na sustentabilidade.
Nesse cenário, é necessária a implementação de biorrefinarias que sejam capazes de utilizar os grandes volumes de biomassa do país para integrar a produção de commodities (por exemplo, biocombustíveis) com produtos de maior valor agregado (químicos, fármacos, bioplásticos, entre outros). Esse tipo de estratégia reduz o risco econômico do investimento com a diversificação de mercados, e é especialmente importante para cadeias produtivas nas quais a tecnologia ainda está sendo desenvolvida.
O governo brasileiro já possui ações voltadas à bioeconomia, mas que são executadas de forma desarticulada, por diferentes ministérios, inexistindo um consenso sobre o tema ou mesmo sobre o que seria a bioeconomia. É necessária a criação de uma Estratégia Nacional em bioeconomia, com a missão de gerar diretrizes para o tema e articular as diferentes iniciativas, com gestão objetiva e orientada por resultados.
O VALOR DA BIODIVERSIDADE BRASILEIRA
A biodiversidade pode subsidiar a Quarta Revolução Industrial, ao fornecer material biológico, genético e biomimético a ser transformado em fonte de renda e lucro. Se conseguir se apropriar de forma sustentável dessas riquezas, o Brasil, país com a maior biodiversidade no mundo que ainda é pouco conhecida e explorada, pode se reinventar como superpotência tropical da biodiversidade, o que, forçosamente, ocorrerá a partir da conexão entre conhecimento e empreendedorismo, como bases para a inovação.
A biodiversidade brasileira tem grande valor pela beleza, pelos serviços que os biomas naturalmente realizam e pelo grande número de bioquímicos e catalisadores que tais biomas encerram. Com exceção da beleza, os demais valores só podem ser percebidos e explorados a partir da lupa do conhecimento. Conhecer os benefícios que a natureza traz para a humanidade não é suficiente para incentivar a conservação ambiental. Assim, se torna necessário sistematizar o conhecimento, quantificar os benefícios e gerar mecanismos tangíveis de compensação que resultem em incentivos reais para a conservação.
Serviços ecossistêmicos são definidos como um conjunto de benefícios que os ecossistemas fornecem à humanidade. Dentre os mais evidentes e essenciais às sociedades humanas, estão os serviços de fornecimento e regulação. Pelos serviços de fornecimento, os ecossistemas geram alimento, água limpa, madeira e os mais diversos produtos derivados dos diferentes biomas. Já os serviços de regulação reduzem as alterações ambientais, mantendo os meios biótico e abiótico relativamente estáveis, ao regular o clima ou controlar pestes e doenças, por exemplo.
Na evapotranspiração, um exemplo de serviço de regulação, as árvores trazem para a atmosfera grande quantidade de vapor d’água, que influencia de forma decisiva o regime de chuvas do planeta. No caso brasileiro, sabe-se que os grandes volumes de vapor d’água que se elevam na Amazônia e desaguam no centro-sul do país – os rios voadores, em viagem de vários milhares de quilômetros – são fundamentais para a agricultura brasileira e não poderiam ser substituídos por alguma intervenção humana.
Com apenas 6,95 milhões de hectares irrigados, dos quase 64 milhões de hectares totais, a agricultura do Brasil é completamente dependente do regime de chuvas. Já os serviços ambientais podem ser definidos como iniciativas individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos.
Com os serviços ambientais cria-se a possibilidade de desenvolvimento de cadeias de negócios, como benefícios a agricultores que se empenhem na preservação ambiental, geração de ativos financeiros conectados a essa preservação, plantio de árvores e iniciativas correlatas. Para ilustrar, estima-se que o plantio de 1 trilhão de árvores poderia contrapor o efeito das emissões de gases do efeito estufa e mitigar as mudanças climáticas. Pensemos que, se o plantio estivesse associado a um sistema de financeirização das árvores e fosse convertido em um ativo financeiro, a chance de sucesso aumentaria consideravelmente, trazendo no seu bojo uma nova cadeia de valor, desde o desenvolvimento de viveiros até as tecnologias associado a plantio, preservação das plantas e manutenção da biodiversidade.
Considerando um cenário de economia de baixo carbono, energias renováveis e desmatamento ilegal zero, o plantio de florestas pode, além de mitigar as mudanças climáticas, impulsionar a economia. As florestas plantadas no Brasil ocupam entre 6 e 9 milhões de hectares, de acordo com estimativas do MapBiomas e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Esse setor, comumente, utiliza áreas antes degradadas, seguindo um plano de manejo para cada tipo de região.
As árvores ali cultivadas são matéria-prima para a produção de painéis de madeira, pisos laminados, celulose, papel, carvão vegetal e mais outros 5.000 produtos e subprodutos, que fazem parte do dia a dia. Ou seja, os produtos de base florestal estocam carbono, são renováveis e, muitos deles, biodegradáveis.
Em muitos casos, as florestas são certificadas por organismos reconhecidos internacionalmente que atestam a origem dos produtos, fortalecendo o mercado responsável e o comércio internacional. Sendo um setor importante na economia brasileira, a silvicultura movimentou quase 15 bilhões de reais em 2017. Ademais, o uso de espécies de árvores nativas em florestas plantadas pode contribuir tanto para a preservação da biodiversidade quanto para a geração de lucro e renda a partir de produtos da floresta.
A exploração de açaí, erva-mate, castanha-do-caju e castanha-do-Pará, por exemplo, somaram pouco mais de 1,1 bilhão de reais em 2017, o que ilustra o grande potencial para a utilização sustentável da biodiversidade brasileira. Assim, uma Bioeconomia com foco em tecnologia aplicada à biodiversidade permitirá, no futuro, melhor aproveitamento das matérias-primas da floresta, tanto produtos florestais madeireiros quanto não-madeireiros. Lignina, etanol de segunda geração, bioplásticos, nanofibras e óleos têm grande potencial de exploração econômica para as indústrias farmacêutica, química, cosmética e alimentícia.
Considerando os produtos de maior valor agregado, a biodiversidade brasileira apresenta uma série de enzimas e microrganismos, como fungos e bactérias, importantes para a biotecnologia industrial, que precisam ser utilizadas à luz das novas tecnologias e regulações. A diversidade de microrganismos existentes no Brasil traz uma enorme versatilidade metabólica para gerar novos produtos. A Embrapa Agroenergia avalia que os microrganismos são peças chave na transição de uma economia baseada em fontes fósseis para a bioeconomia.
Microrganismos formam um grupo heterogêneo, diversificado, complexo e ainda pouco conhecido. Estima-se, em nível global, que a diversidade de microrganismos exceda em algumas ordens de magnitude a diversidade de plantas e animais. No entanto especula-se que menos de 1% dos microrganismos tenha sido identificado.
Os procedimentos atuais de bioprospecção e biotecnologia são importantes nessa identificação, pois permitem, a partir da biodiversidade, descobrir com eficiência novas substâncias para o desenvolvimento de bioprodutos agregando, dessa forma, valor à biodiversidade. Para colocarmos em números, cerca de 15% de toda a biodiversidade continental do globo concentra-se apenas no ecossistema Amazônico, cuja biomassa vegetal armazena quase 200 bilhões de toneladas de carbono.
A floresta amazônica é a maior floresta tropical do mundo, com aproximadamente 7,5 milhões de km² e 68% de seu território no Brasil. A biodiversidade da região tem grande potencial para o desenvolvimento de novos bioprodutos como medicamentos e cosméticos. O desenvolvimento da Amazônia deve estar atrelado ao setor bioindustrial, agregando valor a biodiversidade de forma sustentável, conservando o ecossistema e impulsionando o cultivo dos recursos naturais no lugar de sua extração.
Reconhecidamente, o Brasil é uma superpotência verde ou superpotência da biodiversidade. Essa visão assume que a biodiversidade possa ter seu valor avaliado em termos econômicos. Apesar de as comunidades locais e tradicionais (como os povos indígenas) dependerem diretamente dos recursos naturais e de sua exploração direta, os benefícios do uso sustentado da biodiversidade estendem-se a diversos setores socioeconômicos, como o agronegócio.
Oportunidades como estas mensuram o capital natural e os benefícios e valores associados tanto à biodiversidade per se quanto aos serviços ambientais que dela provém. Para se ter uma noção de tamanho, o Brasil exporta mais de 300 produtos agrícolas, que dependem essencialmente de recursos naturais como água, solo e polinizadores, mas 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros provêm, de alguma forma, de agricultura familiar.
O turismo ecológico emprega 43 000 pessoas, demonstrando que a biodiversidade também pode ser fonte de geração de emprego e renda. Além disso, 40% da matriz energética brasileira provém de fontes renováveis, como usinas hidrelétricas, que dependem diretamente de bens e serviços ambientais fornecidos pela natureza e sua biodiversidade.
No Brasil, o valor da biodiversidade está nos mais diversos setores econômicos. Responsável por cerca de 25% do PIB do Brasil, o agronegócio movimentou cerca de 1,5 trilhões de reais no ano de 2018. A agricultura está diretamente relacionada aos recursos naturais e ao provimento de bens e serviços ecossistêmicos, como a polinização, na qual ocorre a fecundação dos gametas vegetais e a formação dos frutos. Apesar de a frutificação poder ocorrer na ausência da polinização em algumas plantas, a produção de frutos geralmente aumenta em 30% quando a polinização ocorre.
Como cerca de 85 das 141 culturas agrícolas brasileiras dependem dos serviços de polinização, o potencial de prejuízo aos agricultores pela perda dos polinizadores é elevadíssimo, com sérias ameaças à estabilidade econômica do setor. Essa valoração necessita do aprofundamento do modelo da bioeconomia, no qual a exploração inteligente da diversidade biológica se torna fonte de riqueza e não um empecilho para a produção agrícola ou a exploração mineral. Não se trata de abrir mão desses ativos, mas sim de aprofundar o seu uso e harmonizá-lo com a vegetação nativa, visando à produção sustentável e à manutenção da biodiversidade.
Poucas espécies da biodiversidade brasileira são aproveitadas em escala industrial. Como exemplo, espécies arbóreas nativas, como o paricá e a araucária, têm potencial de exploração industrial, mas representam pouco mais de 1% da área total de florestas plantadas. Isso reflete a necessidade de pesquisa e desenvolvimento tecnológico voltado à exploração da biodiversidade brasileira, que poderia encontrar grandes oportunidades econômicas nesse perfil de exploração.
Conceber um modo tropical de desenvolvimento significa repensar nossos paradigmas de empreendimento, onde ciência e tecnologia podem alavancar o aproveitamento da biodiversidade brasileira, criar oportunidades de negócio e permitir a inserção dos produtos brasileiros em nichos de mercado altamente especializados ao redor do mundo.
Na carência de um modelo a ser copiado, visto que nenhum país tropical e megadiverso tenha atingido o pleno desenvolvimento industrial, há que se usar a criatividade e imaginação na invenção de um novo caminho. Empreendedorismo, visão de negócio e educação ecológica precisam andar juntos, concomitantes ao desenvolvimento científico- -tecnológico do país. A Quarta Revolução Industrial pode vir a ser uma Revolução da Biodiversidade, na qual o Brasil se fortaleça, valorize e usufrua de sua rica biodiversidade, centrada no próprio desenvolvimento, na capacidade de criação e no empreendedorismo.
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