Voando alto
Acordo da Azul para adquirir as melhores rotas e parte da frota da Avianca vai acelerar seu plano de crescimento e facilitar a sobrevida da companhia rival
A Azul está prestes a resolver um pepino da indústria aeronáutica brasileira. A companhia fez um acordo para comprar parte importante dos ativos da concorrente Avianca, que entrou em recuperação judicial há três meses e ainda corre o risco de ir à falência. Se der certo, o movimento vai acelerar a estratégia de crescimento sustentado da Azul, aproximando-a da vice-liderança do transporte aéreo do país. Tudo isso sem a necessidade de interferência ou de socorro financeiro estatal em favor da Avianca, o que traz alívio para um governo avesso a meter a mão no mercado privado. O trato, anunciado na segunda-feira 11, prevê que a Azul desembolse 105 milhões de dólares (cerca de 400 milhões de reais) por setenta autorizações de pouso e decolagem concentradas em três aeroportos que estão entre os mais movimentados do Brasil — o de Congonhas e o de Guarulhos, ambos em São Paulo, além do Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Ela vai levar também o direito de utilizar cerca de trinta aviões fabricados pela Airbus, modelo A320, desde que as donas das aeronaves arrendadas à Avianca concordem, assim como pilotos, comissários e pessoal de solo necessários ao funcionamento da operação. “A solução organizada, se confirmada, vai beneficiar os passageiros e os funcionários da Avianca, em especial os que forem absorvidos pela Azul”, afirma André Castellini, sócio da consultoria Bain.
A Azul não ofereceu o negócio por pura bondade, naturalmente. Desde sua fundação, em 2008, ela tem obsessão por ganhar corpo nos maiores — e mais lucrativos — aeroportos do Brasil. Como as rotas que passam por Congonhas, Guarulhos e Santos Dumont são escassas e já tinham dono, a companhia adotou a estratégia de priorizar o interior do país e capitais menores, então deixadas em segundo plano pelas líderes do setor, Latam e Gol. Funcionou. Com operação centralizada em Campinas, no interior paulista, a Azul, fundada pelo empresário David Neeleman e comandada pelo americano John Rodgerson, voa hoje para 105 cidades, mais que qualquer concorrente. Sem presença nos terminais mais movimentados do país, porém, o crescimento tem um limite, em especial porque a companhia não opera a ponte aérea entre Rio e São Paulo. “Em situações de normalidade, com a economia crescendo, os voos que saem de Congonhas e do Santos Dumont possuem uma rentabilidade acima da média de mercado. A Azul está pagando para ampliar sua presença nessa rota”, diz Castellini.
Para conseguir o que quer, a Azul prometeu pagar à Avianca um valor entre 20 milhões e 40 milhões de dólares à vista. É esse dinheiro que, na prática, vai impedir que a empresa tenha suas dívidas executadas pelos credores e, caso isso aconteça, feche as portas. A recuperação judicial protege a companhia dos credores antigos, mas a Avianca vinha atrasando o salário de pilotos e comissários desde janeiro, bem como o pagamento pelo arrendamento de algumas aeronaves. “A Avianca está sinalizando ao mercado que há uma proposta firme de compra, ainda que esteja condicionada a muitas aprovações. Tinha de dar a notícia agora para ganhar o tempo necessário para manter os aviões e chegar até a assembleia com os credores (no próximo dia 29)”, explica Ronaldo Vasconcelos, professor do Mackenzie e advogado especializado em falências e recuperações.
Se o negócio for concretizado e houver a injeção adicional de recursos, a Avianca deverá destinar a maior parte deles para abater um pedaço da dívida, que chegava a 1,3 bilhão de reais no início do ano, segundo relatório da consultoria Alvarez & Marsal, que administra a recuperação judicial. O encolhimento da companhia será expressivo. A Avianca vai se desfazer de trinta de suas 48 aeronaves e de setenta das 234 autorizações de pouso e decolagem. “Ninguém do setor tinha muita expectativa de que a Avianca pudesse se manter como empresa independente”, diz Castellini.
A crise da Avianca está ligada a uma estratégia agressiva nos últimos anos de buscar crescimento em cima de endividamento substancial. Em um setor no qual 60% das despesas operacionais, como o combustível dos voos e o arrendamento das aeronaves, são atreladas à variação do dólar, é grande o risco de fatores alheios à operação em si tornarem a dívida impagável. A empresa de fato conseguiu um crescimento expressivo: o número de passageiros subiu 50% entre 2015 e 2018, de 8 milhões para 12 milhões, e as receitas aumentaram 70%. No entanto, o encarecimento do querosene de aviação e a valorização do dólar pressionaram os custos, e as dívidas com fornecedores, empresas de arrendamento e bancos mais que triplicaram. José Efromovich, fundador e controlador da companhia, tentou renegociar os passivos, mas em vão. A saída foi o pedido de recuperação em dezembro. Desde então, a Avianca trava uma disputa na Justiça com empresas que solicitaram a reintegração de posse das aeronaves arrendadas, diante da falta de pagamento. Conseguiu mantê-las graças a uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que não quis deixar dezenas de milhares de passageiros sem avião no Natal.
A manobra da Avianca não é inédita. Em 2005, já em grave crise financeira, a Varig conseguiu assegurar na Justiça a posse de aviões que eram reivindicados por empresas de arrendamento. A decisão abriu caminho para que a empresa gaúcha, já em recuperação judicial, tivesse o plano aprovado e, posteriormente, vendesse seus melhores ativos à Gol. A torcida de todos é que o desfecho seja diferente para a Avianca. O acordo com a Azul requer o aval das autoridades de regulação — a Agência Nacional de Aviação Civil e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Será também necessário honrar os pagamentos até que sua proposta de recuperação judicial seja aprovada pelos credores. E que as empresas de arrendamento desistam de retomar os aviões. Se tudo der certo, haverá ainda um último capítulo: pela lei, ela precisará promover um leilão em que as concorrentes terão a oportunidade de cobrir a proposta da Azul. A boa notícia é que, até agora, o governo entendeu que não é seu papel socorrer empresas ao primeiro sinal de crise.
Publicado em VEJA de 20 de março de 2019, edição nº 2626
Qual a sua opinião sobre o tema desta reportagem? Se deseja ter seu comentário publicado na edição semanal de VEJA, escreva para veja@abril.com.br