Usinas nucleares voltam a ganhar atenção em meio às mudanças climáticas
Depois de anos em baixa, elas retornam em um contexto de busca por alternativas de energia limpa
Além de trocas de afagos, os presidentes Lula e Emmanuel Macron firmaram uma série de parcerias durante a visita do líder francês ao Brasil há alguns dias. Entre elas, está a promessa de ampliar os investimentos em energia nuclear e na exploração de minerais voltados às energias limpas. O noivado inclui, ainda, o que será o primeiro submarino movido a propulsão atômica do Brasil, um projeto que faz parte do ProSub, programa liderado pela Marinha brasileira. “É uma tecnologia que permite aplicações diretas para a sociedade civil, com benefícios à indústria e à medicina”, diz Renato Cotta, professor de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e consultor da Amazul, empresa estatal que coordena o ProSub. A retomada de projetos nucleares não é exclusividade brasileira. Pelo contrário: está inserida no renascimento global da fonte atômica, depois da rejeição provocada pelos acidentes de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, e de Fukushima, no Japão, em 2011.
O renovado interesse se deve sobretudo à busca, nas grandes economias, de meios para cumprir metas de redução de emissões e, assim, combater as mudanças climáticas. Por não emitir gases de efeito estufa, a energia nuclear é uma das opções mais limpas de geração de energia. Há outros benefícios. Apesar das manchas em sua reputação, suas taxas de mortalidade estão entre as mais baixas pelos critérios que incluem vítimas por acidentes e poluição do ar (veja o quadro).
As crises de abastecimento após a guerra da Ucrânia, que atingiram em especial os países europeus dependentes do gás russo, colaboraram para acelerar a procura de alternativas energéticas. Durante a COP28, em dezembro do ano passado, 22 países se comprometeram a triplicar a geração nuclear nas próximas décadas. Estados Unidos, França, Emirados Árabes e Japão são alguns dos signatários. Foi também a primeira edição da conferência do clima em que a energia nuclear acabou incluída no documento final como parte da solução para frear o aquecimento global. “Das energias limpas, a nuclear é a única dita firme, porque fornece energia independente se chover, ventar ou fazer sol”, diz Inayá Corrêa, coordenadora do programa de Engenharia Nuclear do instituto de pesquisas em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). “Por isso, no combate às mudanças climáticas, todos os tipos de energia terão que ser considerados.” Atualmente, há 57 reatores em construção no mundo, de acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês). E existem 415 ativos. O número está distante do pico, alcançado no início do século, mas a retomada dos projetos levará a novos recordes.
No Brasil, a produção de energia nuclear engatinha. O país conta com apenas duas usinas — Angra 1 e Angra 2 —, número distante dos países líderes nessa tecnologia: são 94 nos Estados Unidos, 56 na França e 55 na China. Ainda assim, estímulos à fonte nuclear estão presentes no Plano Nacional de Energia (PNE) 2050, que define como metas a retomada dos estudos na área e a desmistificação do tema para a sociedade. Peça-chave para isso é a conclusão de Angra 3, incompleta há quase quarenta anos.
Paralisado ainda nos anos 1980, o projeto foi retomado em 2008 e interrompido novamente em 2015, após suspeitas de corrupção apuradas pela Operação Lava-Jato. Atualmente, 66% da estrutura da usina está pronta, sendo que 11 500 equipamentos já foram entregues e aguardam instalação. A retomada exige investimentos altos, preço a pagar para acompanhar essa tendência global. Mas existe uma movimentação para viabilizar as obras. O BNDES prepara uma bateria de estudos para delimitar o cronograma e definir o orçamento para o seu reinício — estima-se que serão necessários 20 bilhões de reais, que se somariam aos 7,8 bilhões já investidos até aqui. “Não concluir Angra 3 é mais caro do que concluí-la”, alerta Raul Lycurgo, presidente da Eletronuclear, estatal responsável pela operação do complexo nuclear de Angra. “Se abandonarmos o projeto, serão bilhões de reais jogados fora sem que haja retorno para a sociedade.”
Custos altos de implementação são uma barreira em todo o mundo. Uma usina nuclear pode demorar até dez anos para ser construída, o que drena recursos e desestimula investimentos. Para contornar o problema, uma alternativa cada vez mais usada são os pequenos reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês), menores que os reatores convencionais e que podem ser fabricados em escala. Os SMRs são também considerados mais seguros. É nessa tecnologia que investe a TerraPower, empresa de energia de Bill Gates, o criador da Microsoft, que anunciou em março planos para construir sua primeira usina nuclear, contando com 2 bilhões de dólares do governo americano.
Com o aumento do interesse global, o Brasil sai ganhando. O país tem a oitava maior reserva de urânio do mundo e é uma das poucas nações que detêm a tecnologia para enriquecê-lo. “O Brasil tem a chance de ser um player mundial”, diz Carlos Moreira, presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear. No mundo, o urânio, devido ao aumento da demanda, vive uma escalada de preços, que está no maior nível desde 2007.
A INB, estatal brasileira que tem o monopólio da mineração de urânio do país, voltará a abastecer Angra 1 e Angra 2 ainda em 2024 — nos últimos cinco anos, 100% da matéria-prima das usinas brasileiras foi importada. A INB opera apenas um sítio de mineração, em Caetité, na Bahia, com capacidade de extração de 400 toneladas de urânio por ano. Em 2027, a empresa planeja inaugurar o Projeto Santa Quitéria, no Ceará, para extrair por ano 2 300 toneladas. De acordo com Adauto Seixas, presidente da INB, a nova empreitada tornará o Brasil autossuficiente para atender às demandas de Angra 1, 2 e 3. Entre prós e contras, a energia nuclear renasce como uma alternativa cada vez mais viável.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2024, edição nº 2887