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Uma nova era na Vale

A escolha do CEO pôs à prova a governança da Vale. Agora, caberá a Gustavo Pimenta, o escolhido, torná-la uma empresa mais sustentável

Por Márcio Juliboni 27 set 2024, 06h00

Nos últimos meses, o Brasil acompanhou com atenção o embate de personagens poderosos da política e do mundo dos negócios para definir quem comandará uma potência multinacional com operações em dezessete paí­ses, dezenas de milhares de empregados e lucros bilionários. O que estava em jogo não era apenas um cargo cujo salário anual pode ultrapassar os 50 milhões de reais, entre renumeração fixa, bônus e incentivos de longo prazo, mas também um orçamento de dezenas de bilhões, capaz de impulsionar a economia de regiões inteiras e extensas cadeias de fornecedores. A trama, recheada de intrigas de bastidor, ataques públicos e reviravoltas, seria digna das melhores séries de streaming, mas não vem de Hollywood. Esses foram os ingredientes que temperaram o processo de sucessão na Vale, o qual culminou na indicação de Gustavo Pimenta, seu atual diretor-financeiro, para substituir Eduardo Bartolomeo na cadeira de executivo-chefe a partir de outubro.

“Não imaginávamos que isso geraria tanto ruído”, afirmou Daniel Stieler, presidente do conselho de administração da empresa, a VEJA NEGÓCIOS (leia a entrevista). “Mas a Vale saiu mais forte desse processo.”

arte Vale

Em matéria de barulho, ninguém foi páreo para o presidente Lula neste caso. Ciente de que o mandato de Bartolomeo terminaria em maio, Lula começou a articular, um ano antes, a nomeação de seu ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. No início de 2024, o presidente saiu a campo e passou a criticar publicamente o comando da Vale. As manobras envolveriam, inclusive, Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, que teria ligado para alguns acionistas da mineradora em janeiro para deixar claro que seu chefe queria Mantega na cadeira de CEO. Pegou tão mal que Lula abandonou o plano no fim de janeiro.

A apreensão do mercado, contudo, voltou em meados de fevereiro, quando o conselho de administração da companhia rachou, com seis membros defendendo a renovação do mandato de Bartolomeo, e outros seis, sua saída. O resultado foi visto como a prova de que Brasília ainda operava nas sombras, já que conselheiros independentes, mais alinhados ao mercado, teriam apoiado a permanência de Bartolomeo, enquanto representantes da Previ (incluindo Stieler), o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, maior acionista da Vale e visto como mais suscetível a Lula, pediam sua saída. Semanas depois, o conselho estendeu o mandato do atual CEO até dezembro, a fim de selecionar o sucessor. A decisão causou a última explosão na cúpula da Vale, com a renúncia de dois conselheiros. Um deles, José Penido, acusou seus ex-colegas de agirem com objetivos políticos. Dias depois, questionado pela Comissão de Valores Mobiliários, Penido se retratou e afirmou que se baseara em notícias de jornal. “Essa resposta foi bastante esclarecedora, porque mostra que as acusações eram infundadas”, diz Stieler. “Nunca houve pressão política do governo.”

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arte Vale

Para ele, esses episódios representam apenas o debate franco que ocorre em qualquer conselho diante de uma decisão desse porte. “A beleza do debate está em saber ouvir e se posicionar”, afirma. O embate acalorado reflete também os novos tempos da Vale. Até 2020, as decisões eram ditadas por um bloco de controle composto, entre outros, por Bradespar, Mitsui e BNDESPar, o braço de participações do BNDES. Com o fim do acordo de acionistas, alguns dos antigos sócios venderam uma fatia de suas ações, a fim de reduzir seu peso no capital da mineradora. Outros, como o BNDESPar, deixaram a empresa. Com isso, a Vale se tornou uma companhia de capital pulverizado, sem a figura de um controlador. Hoje em dia, seu maior investidor é a Previ, que detém 8% do capital, seguida pela Mitsui, com 6%. Como ocorre com empresas do tipo, sem ninguém com força suficiente para dar as cartas, o poder se concentrou na cúpula da Vale. “São os conselheiros e os diretores-executivos que tomam as decisões importantes”, diz Luiz Martha, diretor do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “Por isso, o processo de indicação dos administradores precisa ser muito bem conduzido.”

Coube à Russell Reynolds, uma das maiores empresas de recrutamento de executivos do mundo, a missão de identificar os possíveis substitutos de Bartolomeo. A lista inicial, com quinze nomes, foi apresentada no início de julho. Após algumas rodadas de reuniões extraordinárias, assessoradas pelos headhunters e limitadas por um rigoroso protocolo para evitar o vazamento de informações, o conselho de administração chegou a um veredicto no fim de agosto. Pimenta, um economista mineiro de 46 anos e mestre pela Fundação Getulio Vargas, foi eleito por unanimidade. Na semana de seu anúncio, enquanto o Atlético Mineiro, time pelo qual torce, enfrentava o São Paulo pela Copa do Brasil, as ações da companhia acumulavam uma alta de 4%, em um claro sinal de que o mercado chancelava seu nome.

Canteiro de obras na China: o crescimento não virá mais dos imóveis e da infraestrutura por lá
Canteiro de obras na China: o crescimento não virá mais dos imóveis e da infraestrutura por lá (CFOTO/Future Publishing/Getty Images)

Antes de ingressar na Vale, em 2021, Pimenta atuou em corporações de destaque, como o Citigroup, onde chegou a vice-presidente, e o grupo americano de energia AES, no qual atuou como diretor-financeiro global. Além dessa bagagem executiva, seu principal trunfo é uma soft skill, no jargão dos recrutadores: saber se relacionar com todo mundo. “Essa competência é imprescindível para um CEO de uma mineradora que depende de concessões para seu negócio”, diz Stieler. O próprio Pimenta compreende bem seu novo papel. “Dedicarei muito tempo a me relacionar com os diversos públicos, como comunidades, poder concedente e investidores”, afirmou a VEJA NEGÓCIOS, em entrevista por e-mail, publicada nesta reportagem, na pág. 24 — a primeira concedida à imprensa, desde que foi confirmado no cargo.

Não faltará gente querendo conversar. Entre os primeiros da fila, estão os familiares dos quase 300 mortos e os milhares de atingidos pelas tragédias de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, quatro anos depois. “A sensação é de que nossas demandas não chegam à cúpula da Vale”, diz Josiane Melo, que perdeu a irmã, Eliane, grávida de sua sobrinha, Maria Elisa, em 2019, e dirige a Avabrum, associação que representa as vítimas de Brumadinho. “Queremos um encontro com Pimenta e todo o conselho.” Em nota, a Vale declarou que “reafirma seu respeito às famílias impactadas pelo rompimento da barragem e segue comprometida com a reparação dos danos”.

Resgate em Brumadinho: cinco anos depois, a tragédia ainda pesa sobre a Vale
Resgate em Brumadinho: cinco anos depois, a tragédia ainda pesa sobre a Vale (Alexandre Mota/Nitro)

No caso de Mariana, o próximo capítulo começa em outubro, quando a Justiça britânica iniciará o julgamento de uma ação movida pelo escritório Pogust Goodhead contra a mineradora anglo-australiana BHP, sócia da Vale na Samarco — a empresa responsável pela barragem do Fundão, em Mariana. A causa representa 700 000 vítimas e reivindica mais de 250 bilhões de reais em indenizações. Embora não seja ré, a Vale selou um acordo com a BHP para arcar com metade das despesas em caso de derrota. “Não se trata apenas de uma questão financeira, mas de garantir às vítimas do maior desastre ambiental da história do Brasil o direito de processar os responsáveis e serem indenizadas integralmente pelos danos que sofreram”, afirma Tom Goodhead, sócio do escritório. “Mariana é um exemplo emblemático de negligência corporativa com graves consequências ambientais, políticas e sociais.” Em nota, a Vale declarou que, “como uma das acionistas da Samarco, segue engajada nas negociações para a repactuação do acordo de Mariana e busca, junto às autoridades envolvidas, estabelecer um acordo que garanta a reparação justa e integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente”.

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Outro desafio de Pimenta será encontrar novas vias de crescimento. Roger Agnelli, que comandou a Vale de 2001 a 2011, costumava dizer que acendia uma vela todos os dias para a China, cuja economia despontava entre as maiores do mundo naquela época, à base de grandes investimentos em infraestrutura — o que catapultou o preço do minério de ferro. Nos últimos anos, contudo, o país asiático vem adotando novas estratégias para crescer: aumentar as exportações de produtos de alta tecnologia e o consumo interno. “A China não desacelerou e ainda cresce 5% ao ano”, diz Hsia Hua Sheng, vice-­presidente do Bank of China no Brasil e professor da Fundação Getulio Vargas. “Mas a forte expansão baseada apenas no setor imobiliário e em infraestrutura não acontecerá mais.”

A própria Vale reconhece que a produção chinesa de aço vai declinar nas próximas décadas, ao mesmo tempo que a empresa conclui investimentos para colocar mais 50 milhões de toneladas por ano de minério no mercado. Segundo Pimenta, a saída será investir em novos compradores, como os do Sudeste Asiático, da Índia e do Oriente Médio. Outra aposta se dá nos chamados metais de transição energética, como o níquel e o cobre. Em 2023, foi concluída a criação da VBM, subsidiária que passou a tocar as operações de metais básicos da Vale. Na próxima década, a VBM investirá até 30 bilhões de dólares para garantir à Vale uma posição de destaque quando os veículos elétricos sobrepujarem os movidos a combustíveis fósseis.

Para Stieler, se Pimenta for bem-sucedido, o maior valor que criará é intangível: o resgate da reputação da empresa. “Essa reputação será construída a partir de muita confiança e de um processo de crescimento consistente, estável e seguro, que respeite o meio ambiente e as comunidades, que engaje os funcionários, o poder concedente, os acionistas e os parceiros da companhia”, diz o conselheiro. “Assim, todos os que participam do nosso ecossistema terão benefícios que vão muito além dos financeiros.” A partir de outubro, todos saberão se Pimenta corresponderá a essas toneladas de expectativas.

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“Seremos uma empresa mais aberta ao diálogo”

Em entrevista exclusiva concedida por e-mail a VEJA NEGÓCIOS, Gustavo Pimenta, o futuro presidente da Vale, afirma esperar que a companhia seja vista, cada vez mais, como parceira do governo e da sociedade

Pimenta: “Há enorme convergência entre a nossa agenda e a do Brasil”
Pimenta: “Há enorme convergência entre a nossa agenda e a do Brasil” (Ben Hider/.)

Qual é seu balanço da Vale? A Vale avançou muito nos últimos anos, sobretudo em segurança e na estabilização das operações. Para o próximo ciclo, precisamos acelerar para sermos líderes em mineração sustentável, com mais diálogo e conexão com a sociedade. Tudo isso, claro, com a entrega de resultados positivos. Dedicarei muito tempo a me relacionar com os diversos públicos, como comunidades, poder concedente e investidores. Estou muito otimista com o futuro da Vale e certo de que há enorme convergência entre a nossa agenda e a do Brasil.

Como o senhor vai lidar com pressões políticas? A Vale é uma companhia sólida, que segue as melhores práticas em termos de ética e governança corporativa. Vamos seguir trabalhando com todas as esferas de governo, buscando ser um parceiro ativo na construção de soluções conjuntas para o desenvolvimento do Brasil. Aprofundaremos nossa conexão com diferentes setores da sociedade para ser uma companhia mais próxima e aberta ao diálogo. Acredito que é por meio da escuta ativa e do avanço em pautas comuns que podemos gerar valor compartilhado e trazer resultados positivos para a sociedade.

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Como o senhor lidará com a tendência de queda da produção de aço na China? A demanda segue crescendo, e a transição energética exige mais aço de alta qualidade, inclusive na China. Isso aumenta a busca por minério de alta qualidade. A Vale está muito bem posicionada, com ativos estratégicos como Carajás. Nosso portfólio será fundamental na descarbonização da siderurgia mundial. Além disso, mercados emergentes, como o Sudeste Asiático, a Índia e o Oriente Médio, crescem aceleradamente e demandarão mais minério nas próximas décadas.

Quais são os planos para os metais de transição energética? Somos o maior produtor ocidental de níquel, e um grande produtor de cobre. Temos enorme potencial de crescimento, sobretudo em cobre, já que nossas reservas são de classe mundial. Desde 2023, adotamos um modelo de gestão mais dedicado ao negócio de metais de transição. Como parte desse maior foco, implementamos uma profunda revisão de nossos ativos, a fim de capturar maior valor. Em Sudbury (Canadá), por exemplo, houve aumento de cerca de 30% na produção. Essa revisão de ativos nos permite identificar oportunidades de melhorar a operação e a estabilidade da produção de níquel e cobre.

Publicado em VEJA, setembro de 2024, edição VEJA Negócios nº 6

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