Um setor em busca de novos recordes
Com tecnologia e inovação, o Brasil pode ampliar a produção de alimentos sem expandir as fronteiras agrícolas
O aumento da produtividade no campo vai garantir novos recordes ao agronegócio brasileiro. A safra 2024/2025, já estimada como a maior da história, deverá chegar a 322,5 milhões de toneladas de grãos, colhidas de 81,4 milhões de hectares. Mas as projeções do Ministério da Agricultura e Pecuária para 2034 apontam que a produção pode chegar a 379 milhões de toneladas em 92,2 milhões de hectares, puxada pelo crescimento nas lavouras de arroz, feijão, soja, milho e trigo. De cada hectare de terra, os produtores passariam a colher 4 110 quilos de grãos, ante os 3 962 quilos da atual safra. Isso significaria uma produtividade 3,7% superior. Nos últimos 35 anos, houve uma média de aumento anual de 3% na produtividade da agricultura brasileira de grãos.
Outros 12 milhões de hectares no país são utilizados para plantio de frutas, hortaliças e florestas, entre outras culturas. Embora mandioca, café, laranja e fumo devam perder área no futuro, a produção será compensada por maiores taxas de produtividade. As perspectivas também são animadoras na pecuária. Nos próximos dez anos, a produção de carnes de frango e suína deve crescer 28%, e a de bovina, 10%. O setor passaria de 30,8 milhões para 37,6 milhões de toneladas de carnes produzidas, quase 70% consumida pelo mercado interno. Estudos mostram que, sem os ganhos de produtividade obtidos desde 1990, a atual produção agropecuária brasileira estaria usando quase seis vezes mais áreas de terras.
Alto potencial de pastagens degradadas
Diante da necessidade de alimentar a população e aproveitar a demanda internacional por commodities, a expectativa é que a expansão agrícola siga o ritmo dos esforços de sustentabilidade. Para Clenio Pillon, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa, o Brasil tem conhecimento e tecnologias que permitem aumentar a produção sem abrir novas áreas, pressionar os biomas e comprometer a biodiversidade. Uma das tendências é a recuperação de áreas de pastagens degradadas, aquelas que perderam a capacidade de recuperação natural e estão sob risco de impactos ambientais. Um estudo da Embrapa calcula que existam 28 milhões de hectares de pastagens com alto potencial de conversão para o cultivo de alimentos, respeitando territórios indígenas e quilombolas, conservação da biodiversidade, acesso à infraestrutura de logística e risco climático agrícola.
A pretensão do governo federal é, em dez anos, converter até 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade, metade da área explorada na safra atual. Ainda dependendo do financiamento de investidores estrangeiros, o programa evitaria, no primeiro momento, o avanço da agropecuária sobre áreas de vegetação nativa e desestimularia o desmatamento. Posteriormente, ajudaria a reduzir ou compensar a emissão de gases do efeito estufa proveniente da criação de gado. Pillon avista outras oportunidades. “Podemos colocar o melhor da nossa tecnologia na recuperação dessas áreas e diversificar a matriz, produzindo frutas, hortaliças e matéria-prima para combustíveis verdes”, diz ele.
Os investimentos poderão ser direcionados também para projetos de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), que passaram a atrair o interesse das empresas de papel e celulose. Em valores, o setor é o quarto maior exportador do agronegócio, atrás da soja, das carnes e do complexo sucroalcooleiro, faturando 13 bilhões de dólares em 2023. A associação público-privada Rede ILPF estima em 17,4 milhões de hectares a área ocupada no Brasil por esses sistemas integrados. A Suzano, por exemplo, investiu 220 milhões de reais em pesquisa e desenvolvimento em 2023, em parte pela necessidade de aumentar a produtividade por causa da diminuição da área plantada de madeira em relação ao consumo mundial de celulose. “A floresta plantada do futuro precisará ser ainda mais resiliente, eficiente e socialmente responsável para enfrentar os desafios do século 21 e atender à demanda da população global”, afirma Leonardo Grimaldi, vice-presidente executivo comercial de celulose e de logística da Suzano. O Ministério da Agricultura prevê um crescimento médio anual de 2,2% na produção de celulose.
Evolução tecnológica e desafios
A produtividade está intimamente relacionada ao desenvolvimento tecnológico. Geraldo Barros, coordenador científico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, conta que o agronegócio brasileiro começou a ser estruturado após a crise financeira mundial de 1929. O modelo exportador, no entanto, só ganhou força depois da Segunda Grande Guerra, quando os Estados Unidos e a Organização das Nações Unidas propuseram a Revolução Verde. Agências governamentais e fundações privadas americanas financiaram pesquisadores brasileiros de universidades e instituições públicas, entre as quais a Embrapa. Nos anos seguintes, desenvolveu-se um sistema agroindustrial mais adaptado à realidade nacional, condicionada ao uso de grandes extensões de recursos naturais com ampla biodiversidade e variedade climática — hoje identificado como agricultura tropical.
No Brasil, o crescimento da agropecuária só superou o da indústria no início da década de 1980, quando o processo de substituição de importações perdeu força no país. Dos anos 1990 até a safra de 2024/2025, a produção brasileira de grãos cresceu à taxa média de 5,2% ao ano. A área plantada, por sua vez, aumentou em média 2,2% ao ano. O setor incorporou técnicas e máquinas de manejo de solo, água e adubação. A genética e a biotecnologia trabalharam no melhoramento de sementes e espécies, e a digitalização possibilitou o sensoriamento remoto e a agricultura de precisão. Ao mesmo tempo, além do investimento em ciência, décadas de políticas públicas foram importantes em questões de logística, armazenamento, beneficiamento, acesso a crédito, assistência técnica e extensão rural, acrescenta Pillon, da Embrapa.
Ainda há gargalos a resolver, como a dependência excessiva de matérias-primas importadas para a fabricação de fertilizantes, como nitrogênio, fósforo e potássio. Em 2023, 86% dos 46 milhões de toneladas de fertilizantes distribuídos no Brasil vieram do exterior. A oscilação dos preços do material, importado principalmente da China e da Rússia, tem influência direta no custo da safra. Há alguns anos, testa-se a substituição dos produtos químicos por soluções biológicas, mas a transição tem sido lenta. Outro desafio é expandir os benefícios da tecnologia e da ciência, que garantem recordes para a agricultura empresarial, para os pequenos produtores e a agricultura familiar. Barros reforça o potencial das cooperativas, modelo que deu certo principalmente no sul do Brasil, na distribuição de crédito e tecnologia para reduzir a disparidade de poder de barganha. Dados recentes mostram que apenas 9% dos estabelecimentos rurais concentraram 85% do valor bruto da produção, indicador que representa o faturamento total do setor em um determinado período.
O futuro promete novas possibilidades com o poder de processamento de dados das ferramentas de inteligência artificial, aliadas a conexões 5G e à internet das coisas — a chamada agricultura 5.0. Para 42% dos executivos e lideranças do campo, o aumento da produtividade é um dos maiores benefícios do uso das tecnologias, indica o Termômetro do Setor Agronegócio, da consultoria Falconi. A adoção descontrolada de novidades, porém, pode ser uma armadilha. “A inovação foi um divisor de águas para o agronegócio brasileiro, mas o desafio agora é desenvolver a gestão e a governança. Manter essa tradição de inovação faz sentido se o investimento em pessoas e tecnologia gerar resultados na produtividade”, diz André Paranhos, vice-presidente da unidade de negócios agro da Falconi.
GPS, aplicativos de gestão financeira e agronômica, imagens de satélite, ferramentas de agricultura de precisão e drones já estão consolidados nas grandes propriedades, mostra a pesquisa Caminhos da Tecnologia no Agronegócio, da associação SAE Brasil e da consultoria KPMG. Os entrevistados convergem na opinião sobre a relação positiva entre tecnologia, produtividade e redução dos custos de produção, mas consideram a pauta econômica mais importante do que a ambiental e social. Em contrapartida, apenas 4% disseram não saber como gerir a propriedade em conformidade com a legislação socioambiental e 27% buscam oportunidades em direção à agricultura sustentável. “Esse é um recorte muito otimista da pesquisa, porque esses produtores também veem a conformidade ambiental como uma oportunidade de diferenciação no mercado”, afirma Daniel Zacher, mentor de agro da SAE Brasil. Apoiada no conhecimento, a agropecuária tem um campo aberto para crescer.
Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2024, edição especial nº 2923