Trump mira universidades e abala o seu próprio orçamento
Governo tenta barrar a entrada de estudantes estrangeiros e ameaça um dos poucos superávits consistentes da balança comercial americana: o ensino superior

O governo americano vem agindo de forma a dificultar a entrada de estrangeiros em seu território. A medida mais recente do presidente Donald Trump foi ordenar que todos os consulados dos Estados Unidos no mundo que interrompam a concessão de vistos de estudantes. A decisão mais inflamada veio dias após o Trump proibir a Universidade de Harvard de matricular estudantes estrangeiros – uma retaliação política disfarçada de segurança nacional. A justificativa oficial? Harvard, como outras instituições de elite, estaria resistindo à agenda ideológica da Casa Branca, promovendo um discurso “antiamericano” e abrigando pesquisas que “enfraquecem os interesses do país”. A resposta judicial veio rapidamente: um tribunal federal barrou a medida, lembrando ao presidente Trump que o Estado de direito não se curva a impulsos autoritários. Mas o episódio revela uma tendência perigosa – e economicamente míope – na política americana: o isolamento autoimposto num dos poucos setores onde os EUA ainda são indiscutivelmente líderes globais.
A educação superior americana, com seus campi arborizados e laboratórios de ponta, é mais do que um símbolo de prestígio cultural: é uma das exportações invisíveis mais lucrativas dos Estados Unidos. O superávit comercial no setor triplicou nas últimas duas décadas e meia, saltando de US$ 15,6 bilhões, em 1999, para mais de US$ 56,3 bilhões em 2024. Ajustado pela inflação, os estrangeiros injetaram 43 bilhões na economia americana no ano passado e geraram cerca de 375 mil empregos diretos e indiretos, segundo a Associação de Educadores Internacionais (Nafsa). Harvard, Yale e MIT são apenas a face mais visível de uma extensa malha de universidades públicas e privadas que, juntas, exportam conhecimento e importam capital.
Mas esse ecossistema robusto corre o risco de ser asfixiado por uma cruzada ideológica promovida pela atual administração. A ironia é gritante: o ensino superior continua sendo uma das poucas arenas em que os Estados Unidos mantêm uma hegemonia global incontestável. Desde 2008, o país concedeu quase 1 milhão de diplomas de pós-graduação em áreas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) a estudantes estrangeiros — responsáveis por 45% dos títulos avançados nessas disciplinas. Muitos deles permanecem nos EUA, alimentando a inovação como pesquisadores, fundadores de startups e docentes em campos cruciais como inteligência artificial, computação quântica e biotecnologia. Outros retornam aos seus países levando consigo redes de contatos, métodos científicos e uma afinidade cultural duradoura com os Estados Unidos.
Enquanto isso, rivais geopolíticos aproveitam o vácuo. O Canadá simplificou seus processos de residência para estudantes internacionais, elevando sua população acadêmica estrangeira para mais de 1 milhão. A Austrália e o Reino Unido seguem a mesma trilha. E a China, antes exportadora de cérebros, começa a reverter o fluxo. A plataforma DeepSeek, concorrente de peso do ChatGPT, da OpenAI, foi totalmente construído por talentos locais ou repatriados, sem passar por Harvard ou Stanford. Segundo uma análise da FWD.us, 70% dos cientistas chineses treinados nos EUA e que contribuíram para pesquisas de ponta já retornaram à China.
Pior: a exclusão dos estrangeiros ocorre num momento demográfico desfavorável. O número de jovens americanos em idade universitária atingirá seu pico nesta década e depois começará a cair. Em estados do Meio-Oeste e do Sul, faculdades menores já enfrentam dificuldades para preencher turmas. Os estudantes internacionais, que pagam mensalidades mais altas e subsidiam colegas locais, são um alicerce financeiro para milhares de instituições.
O custo de transformar a educação superior em campo de batalha ideológico mina a capacidade dos EUA de formar talentos, manter sua primazia tecnológica e atrair o mundo. E ameaça uma das últimas exportações americanas cujo valor cresce sem esgotar recursos naturais, sem poluir rios e sem depender de tarifas: o conhecimento.