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Trump estampa selo de bear market com DNA republicano

S&P 500 registra o pior desempenho nos primeiros três meses de gestão de um presidente americano. A queda do índice é a maior desde George W. Bush

Por Luana Zanobia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 abr 2025, 18h11 - Publicado em 10 abr 2025, 14h46

Reeleito para um segundo mandato, o presidente Donald Trump reinicia sua cruzada protecionista com ainda mais fervor do que exibiu entre 2017 e 2021. Em sua visão de mundo binária, em que acordos multilaterais são armadilhas e a supremacia americana é conquistada na base do confronto, a guerra comercial nunca terminou — apenas hibernou. Agora, com tarifas de até 145% sobre produtos chineses e retaliações de até 84% vindas de Pequim, a batalha foi reacesa. O estrago, ao que tudo indica, será maior desta vez — inclusive em Wall Street. O velho selo de qualidade pró-mercado associado aos governos republicanos está cada vez mais puído.

Desde o anúncio do novo pacote de tarifas, em 2 de abril, os mercados globais entraram em colapso. O S&P 500 e o Nasdaq mergulharam em território de bear market, o índice japonês Nikkei sofreu um circuit breaker e o Hang Seng, de Hong Kong, registrou queda de 13% — sua maior desvalorização desde 1977. A abrangência das medidas também impressiona: mais de 180 países são alvo de tarifas americanas que variam de 10% a 50%, num movimento que não poupa aliados, tampouco rivais. O impacto esperado é uma escalada inflacionária global, acompanhada de uma sincronizada desaceleração do crescimento. Para alívio momentâneo, Trump anunciou o adiamento das medidas em 90 dias — uma trégua com data marcada para acabar, mas também um gesto calculado para atrair adversários à mesa de negociação. 

Mas a imprevisibilidade de Trump, mais do que os termos da guerra tarifária, é o que tem colocado os investidores em estado de alerta permanente. O desempenho do S&P 500 nos primeiros três meses de seu segundo mandato ilustra esse clima de incerteza: uma queda de 9,7%, a pior desde o início do governo de George W. Bush, em 2001. Nos três primeiros meses de Bush, o índice caiu 8,4%, segundo a plataforma Macrotrends.

Esta é a primeira vez, desde o governo de George W. Bush, que o S&P 500 acumula perdas. Em todas as administrações posteriores — incluindo as de Obama, Trump (em seu primeiro mandato) e Biden — o índice registrou ganhos, desde os primeiros meses, mantendo-os consistentes ao longo dos quatro anos. Nem mesmo durante a atribulada presidência de Joe Biden, marcada por uma pandemia global, disrupções nas cadeias produtivas e pressões inflacionárias persistentes, o mercado acionário sofreu um revés tão imediato. O contraste é particularmente agudo quando comparado ao primeiro mandato do próprio Trump, que entregou uma valorização de 4,6% nos primeiros três meses e de  63% ao fim da gestão.

A retórica trumpista de que presidentes republicanos são mais benéficos para os negócios começa a perder força diante dos números. Os períodos de melhor desempenho do índice coincidem, curiosamente, com gestões democratas. O democrata Bill Clinton deixou o cargo com o S&P 500 acumulando alta de 211,3% em seus dois mandatos, Obama, com sua política de estímulos em meio à crise de 2008, também impulsionou os mercados, somando ganhos de 81,4% no primeiro mandado e de 175,9% em seus oito anos de Casa Branca. Mesmo Joe Biden, alvo constante da ira republicana, viu o índice flutuar sem desastres até o fim de seu mandato. 

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O retorno de Trump também marca uma nova fase da rivalidade sino-americana. Se a retórica de Trump funcionou no primeiro mandato, por que não funcionaria agora? Há boas razões para isso. A principal é que, na época, a China estava menos preparada para enfrentar uma guerra tarifária. De lá para cá, o país reduziu a dependência dos Estados Unidos e expandiu significativamente suas relações comerciais com outras regiões do mundo. Pequim acelerou seu processo de diversificação comercial e de autonomia tecnológica, aprofundando parcerias com países da Ásia, África, América Latina e Europa. Em entrevista recente a VEJA, o economista Justin Yifu Lin, reitor da Universidade de Pequim e ex economista-chefe do Banco Mundial, afirmou que a China tem muitas oportunidades de expansão fora dos Estados Unidos. “Os Estados Unidos são, sem dúvida, um parceiro relevante, mas há muitas outras regiões com grande potencial: a Ásia, a América Latina, a Europa Ocidental e Oriental, além de países africanos”, disse. Segundo Lin, que também é conselheiro do governo chinês, desde 2008, a China tem sido responsável por cerca de 30% do crescimento global a cada ano. “Se o país continuar crescendo a um ritmo de 5% ou mais, continuará contribuindo com cerca de 1 ponto percentual para o crescimento global, o que equivale a algo entre 25% e 30% da expansão mundial. Manter a China aberta ao comércio não é apenas benéfico para nós — é uma oportunidade para praticamente todos os países do mundo”, disse.

Para o economista, manter a China aberta ao comércio não representa apenas um benefício doméstico: trata-se de uma oportunidade estratégica para praticamente todas as economias do mundo. Em outras palavras, Lin reforça que a China não apenas diversificou seus parceiros ao longo dos anos, mas consolidou sua posição como peça-chave na engrenagem do comércio internacional e que, dessa vez, a potência tem um poder maior de barganhar e não ceder às ameaças do republicano.

Os efeitos colaterais da nova ofensiva ainda são difíceis de mensurar. Mas há sinais claros de que, desta vez, Trump pode ter superestimado a eficácia de sua tática. A China não é mais a mesma de 2016 — e o mundo tampouco é. A interdependência das cadeias globais é ainda maior, a inflação global ainda ronda os países desenvolvidos e os investidores estão menos dispostos a tolerar instabilidade política por caprichos eleitorais.

Trump, ao que parece, voltou no momento em que menos poderia arcar com os custos de sua própria imprevisibilidade. A julgar pelo humor de Wall Street, talvez até o mercado tenha começado a se arrepender de sua aposta no populismo.

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