Termelétricas: um ‘seguro’ para o setor elétrico
Artigo: No cenário de incertezas com o clima, essas usinas são vitais para garantir ao país o fornecimento de eletricidade com controle e sem intermitência
No contexto atual de atenção à situação hidrológica do setor elétrico, que indica a permanência da seca apesar do retorno gradual das chuvas nos próximos meses, é pertinente a reflexão sobre possibilidades para garantir a segurança energética do país. Uma das vias é o acionamento de termelétricas para prevenir a escassez de água, apesar do suporte considerável das fontes renováveis de nossa matriz. Seu uso, inclusive, foi uma recomendação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) – órgão responsável pela gestão operacional das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN) – para assegurar a confiabilidade e o fornecimento energético. O debate sobre geração térmica é crucial no Brasil de hoje que sofre os impactos do aquecimento global e precisa garantir uma matriz equilibrada.
Segundo o Balanço Energético Nacional, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a geração termelétrica registrou 19,2% de participação na matriz elétrica em 2023. Esse valor pode variar ano a ano e leva em conta, sobretudo, a situação dos reservatórios. Presentes no país de forma mais intensa desde o início do século 20, essas usinas funcionam como um pilar que estabiliza oferta e demanda de energia em períodos de seca para a geração hidrelétrica, além de compensar a intermitência das fontes solar e eólica.
Dessas instalações vem o fornecimento de energia permanente essencial para a manutenção da segurança energética. Seu acionamento varia conforme suas especificidades e características, já que há diferenças entre as fontes de geração em sua eficiência, produção, combustíveis adotados, e, por consequência, seu custo de produção. Quando o sistema necessita de ativação, as primeiras a funcionarem são as mais eficientes para mitigar o custo da operação do SIN e aumento de emissões.
Em 2021, a crise hídrica que assolou o país levou o sistema a mobilizar as usinas, como a William Arjona (MS), dando suporte ao setor elétrico por tempo prolongado. Em 2024, o quadro é diferente: as operações recentes foram para atender à demanda da curva de carga, principalmente na ponta, ou pico. Hoje, a situação é de alerta. Já temos a solicitação para que os agentes térmicos fiquem de prontidão para um acionamento garantindo o atendimento eletroenergético se houver necessidade de despacho no período seco e de transição para o ciclo úmido de 2024 e 2025.
O nosso modelo da matriz de energia elétrica leva os agentes do setor a recorrerem às térmicas. Apesar da diversificação das renováveis, que são majoritárias, ainda temos gargalos para resolver quanto à dependência de fontes intermitentes, como solar e eólica. Notamos um cenário de desequilíbrio no Brasil, no qual o pico de geração energética das fontes renováveis ocorre em descompasso com o de consumo.
Por exemplo, das 18h às 21h, quando temos o pico de consumo elétrico residencial, a geração solar cessa. “Combustível” da energia solar, o pôr do sol cria ainda um desafio imenso ao ONS: a saída dessa produção quase toda ao mesmo tempo para atender à curva de carga que está subindo nesse período. Este cenário é responsável pela chamada “rampa” de carga, que hoje atinge cerca de 25 GW, ou seja, praticamente 25% da maior ponta que já tivemos desde então. Esse tipo de evento da “rampa” só acontecia em jogos da seleção brasileira de futebol masculino, com a redução do consumo coletivo e retorno de todos ao mesmo tempo. Atualmente, esse desafio para o ONS tem acontecido todos os dias.
Precisamos de planejamento de longo prazo e rever caminhos quanto ao uso eficiente das termelétricas, estimulando fontes menos poluentes, como biomassa e gás natural, ou mesmo combustíveis líquidos para usos mais esporádicos. Os futuros leilões de reserva de capacidade já podem considerar esse cenário para que se possa atender os requisitos elétricos e energéticos. Reforçamos que a diversificação de nossa a matriz é muito importante ao país e as térmicas asseguram confiabilidade e controlabilidade. Precisamos mirar esforços para consolidar uma matriz equilibrada e harmoniosa, que contemple as demandas de uma transição sustentável.
A guerra de “narrativas” sobre a matriz futura ideal no setor é uma prática recorrente. Quase sempre “demonizam” as térmicas devido às emissões e ao custo de operação. Vale uma revisão sobre esse conceito, já que que elas serão utilizadas como um “seguro” momentâneo. Seu custo e intensidade de emissão ocorrem conforme a necessidade do sistema e sob os comandos do operador nacional. Entendemos que os “debates” sem embasamento técnico buscam defender parcelas futuras cada vez maiores de energia. Esquecem de colocar a segurança do consumidor como protagonista e deixam de fazer a conta do “custo evitado” da falta de energia para toda a sociedade.
Ao longo dos anos, questões como a intermitência e o armazenamento de energia poderão ser sanadas sem risco de abastecimento aos consumidores do sistema elétrico. As termelétricas seguirão em processo de evolução, tornando-se mais eficientes e menos poluentes. Essa coexistência garantirá ao Brasil a possibilidade de realizar mudanças estruturais e ampliar investimentos em renováveis com segurança elétrica e energética.
Luiz Fernando Leone Vianna* é vice-presidente Institucional e Regulatório do Grupo Delta Energia. Na empresa, tem ocupado posições de liderança. Formado em Administração de Empresas e Engenharia Elétrica, pela UFPR, foi diretor geral da Itaipu Binacional e da Companhia Paranaense de Energia – Copel Holding e presidente da Apine. Também integra o Conselho de Administração da Abraceel e a presidência do World Energy Council Brasil, entre outros.
João Carlos Mello** é CEO e fundador da Thymos Energia. Na empresa, lidera projetos de Consultoria, P&D e Gestão. É membro da Academia Nacional de Engenharia e diretor-presidente do Cigré Brasil. Mello é doutor e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC-RJ.