Terapia de choque: os desafios dos planos de saúde na pandemia
O aumento dos preços assusta os clientes e novos modelos de serviços tentam evitar debandada no setor
Saúde foi o grande tema do último ano. E uma das consequências da pandemia de Covid-19 foi o aumento da procura por planos de saúde, revertendo uma tendência de queda que se arrastava por seis anos. Em 2020, entraram no sistema privado 560 000 novos usuários. Dessa forma, a cobertura atingiu 47,6 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população. “O importante agora é saber como manter e ampliar essa base de segurados, o grande desafio dos próximos anos”, afirma Marcos Novais, superintendente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Desde 2014, a prolongada crise econômica e seu impacto no mercado de trabalho fizeram com que muitos dos usuários perdessem seu plano de saúde junto com o emprego — 65% dos beneficiários têm planos empresariais.
Por isso, o aumento da base de clientes, mesmo que um tímido 1,2% em relação a 2019, pareceu tão auspicioso. A preocupação é se os altos preços dos planos permitirão uma retomada mais consistente. Há motivos para atenção quanto a uma fuga de clientes nos próximos meses. Ao fim de 2019, o preço médio de um contrato era de 367,76 reais por usuário, cerca de um terço do salário mínimo. Anualmente, a Agência Nacional de Saúde (ANS) autoriza um aumento de preços dos planos individuais de acordo com a evolução da inflação de produtos e serviços da área médica. Para 2020, o reajuste autorizado foi de 8,14%.
Apesar do crescimento de usuários, a crise causada pelo novo coronavírus teve impacto financeiro nas operadoras, que agora buscam reaver suas perdas. A ANS adiou a correção de 2020 para janeiro deste ano. Muitos dos clientes, além de pagar por essa fatura, terão de arcar com novo aumento, relativo a 2021, ainda este ano. Além disso, terão de acertar os oito meses relativos ao congelamento de preços aplicado no setor durante o ano passado. Se o aumento autorizado para 2021 se mantiver no mesmo ritmo de 2020, esse usuário verá os seus boletos corrigidos em mais de 16%.
Para responder a esses desafios, o setor aposta em fusões e em novos modelos de negócios. Como os planos que têm preços regulados pela ANS são exatamente os voltados para pessoas físicas, as operadoras nos últimos anos gradualmente foram abandonando essas ofertas. A Qualicorp, por exemplo, fez sucesso vendendo contratos a associações de profissionais. A Amil, controlada pela americana UnitedHealth, chegou a ter a sua carteira de planos individuais posta à venda, e depois desistiu do negócio quando percebeu que precisaria pagar, pelo menos, 350 milhões de dólares para quem aceitasse assumir a operação, que era deficitária. Mas essa lacuna de mercado começou a atrair interessados e levou ao surgimento de novos modelos de cobertura como o da QSaúde, operadora fundada em 2020 por José Seripieri Filho, que, no passado, fundou (e depois vendeu) a Qualicorp. A nova empresa, focada na capital paulista, comercializa planos individuais baseados em consultas, como a dos antigos médicos de família. “Nesse modelo o paciente saudável garante a eficiência financeira do negócio”, afirma Anderson Nascimento, vice-presidente executivo da QSaúde.
Outras formas de ampliar o lucro são a telemedicina e o modelo de coparticipação, em que os clientes pagam parte da conta médica. Tais estratégias são a aposta para as 345 cooperativas médicas da Unimed espalhadas pelo Brasil baixarem os preços dos planos para enfrentar os novos concorrentes e um mercado mais consolidado. Nesse sentido, a grande novidade será a fusão entre a Hapvida e a NotreDame Intermédica, que finalizam os termos para formar uma empresa avaliada em 120 bilhões de reais. Ambas têm como grande força a atuação por meio de rede própria de atendimento e de exames, o que permite gerir melhor as receitas e despesas. Tamanha movimentação é um sinal de que o setor, assim como todos os brasileiros, está preocupado com a própria saúde.
Publicado em VEJA de 10 de fevereiro de 2021, edição nº 2724