Clique e Assine VEJA por R$ 9,90/mês
Continua após publicidade

Sob pressão do governo, Petrobras repete erros e deve penalizar acionistas

Petroleira reestatiza refinarias e retoma investimentos em empresas que foram alvo da Lava-Jato. A sociedade brasileira paga o preço

Por Luana Zanobia 2 dez 2023, 08h00

Em 2 de janeiro de 2023, apenas um dia depois de tomar posse, o presidente Lula afirmou que revogaria ao menos oito processos de privatização iniciados em governos anteriores. Agora, sua promessa começa a ser cumprida. Na segunda-feira 27, a Petrobras anunciou a reestatização da refinaria Lubrificantes e Derivados de Petróleo Nordeste (Lubnor), localizada em Fortaleza, no Ceará. O argumento para o ato: algumas “condições estabelecidas por contrato não foram cumpridas”. Uma das maiores fornecedoras de asfalto do país, a Lubnor havia sido comprada em maio de 2022 pela Grepar Participações, por 34 milhões de dólares. Na ocasião, a Grepar anunciou que investiria ao menos 80 milhões de dólares no aperfeiçoamento das operações da empresa com o objetivo de “torná-la mais eficiente”. O plano, contudo, não será realizado. A Lubnor seguirá sendo da Petrobras.

SUJEIRA - Lula lambuza a mão com petróleo do pré-sal: fórmula ultrapassada
SUJEIRA - Lula lambuza a mão com petróleo do pré-sal: fórmula ultrapassada (Felipe Dana/AP Photo/Imageplus)

O caso descrito é o exemplo mais recente da sanha estatizante que caracteriza os governos petistas. Foi assim em gestões anteriores do partido, com resultados pífios para a Petrobras, a maior vítima do receituário do PT. A fórmula ganhou tração em 2007, no início do segundo mandato de Lula, pouco depois da descoberta das reservas petrolíferas do pré-sal nas águas fundas do Oceano Atlântico. Desde então, o presidente determinou a ampliação impetuosa do parque de refino da Petrobras — uma área em que a empresa tinha então o monopólio, dominando 98% do mercado no país. Em 2008, a estatal estabeleceu como meta chegar à marca de 3,4 milhões de barris refinados por dia em até sete anos. O objetivo jamais foi cumprido, apesar dos altos investimentos feitos pela empresa. Mais que isso: com o passar dos anos, a euforia do pré-sal foi substituída por prejuízos para a Petrobras, atrasos nas obras e denúncias de superfaturamento, conforme revelaram o Tribunal de Contas da União e a Operação Lava-Jato. Não à toa, em 2007 as dívidas da Petrobras somavam 40 bilhões de dólares. Em 2015, no ocaso do governo Dilma Rousseff, haviam triplicado para 126 bilhões de dólares.

A estratégia malsucedida não foi suficiente para mudar a visão equivocada de Lula sobre o papel que a Petrobras deveria desempenhar. Há alguns dias, a empresa anunciou seu plano estratégico para os próximos cinco anos. A estatal prevê investimentos de 102 bilhões de dólares, um acréscimo de 31% versus o plano atual. Serão destinados 17 bilhões de dólares para a área de refino, cifra 80% maior em relação aos desembolsos para o mesmo segmento feitos no ciclo anterior. Ou seja: a ultrapassada fórmula de colocar recursos públicos em refinarias ineficientes será revigorada. Além disso, a Petrobras vai retomar a produção de fertilizantes, segmento em que tem pouca expertise. “Não foi nenhuma surpresa o plano apresentado”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). “Ele reflete, de maneira geral, as posições do atual governo e da nova gestão da empresa.”

Continua após a publicidade

arte nacionalização

Um caso chocante é o plano para retomar a expansão da Refinaria Abreu e Lima. Localizada em Pernambuco, ela foi fruto de uma sociedade, em 2009, no tempo do ditador Hugo Chávez, entre a estatal venezuelana PDVSA e a Petrobras. Mais tarde, os venezuelanos desistiram do projeto e a Petrobras teve de arcar sozinha com os recursos necessários para fazê-lo deslanchar. Ao longo dos anos, o custo das obras passou de estimados 2 bilhões de dólares para 20 bilhões de dólares. Mas a refinaria jamais entregou os resultados esperados. Pior: em 2014, a Operação Lava-Jato descobriu irregularidades nos contratos. Anos depois, em fevereiro de 2021, a Justiça condenou cinco pessoas por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em acordos firmados para a construção da refinaria. Nada disso foi suficiente para frear o ímpeto da petrolífera, que pretende investir mais 1,6 bilhão de dólares no malfadado projeto. É grande a chance de a estatal jogar dinheiro fora: atualmente, o custo de produção de Abreu e Lima é sete vezes o observado em suas pares.

E O CUSTO? - Estaleiro no Rio de Janeiro: projetos nacionais serão priorizados
E O CUSTO? - Estaleiro no Rio de Janeiro: projetos nacionais serão priorizados (Dado Galdieri/Bloomberg/Getty Images)

Há outras iniciativas semelhantes em curso. Na semana passada, a Petrobras aprovou a retomada dos investimentos em refinaria no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), projeto que foi alvo da Operação Lava-Jato e havia sido descartado pelas gestões anteriores. A empresa também planeja realizar em 2024 licitações para a contratação de 36 embarcações de apoio à produção de petróleo em alto-mar. Segundo a Petrobras, as encomendas deverão privilegiar estaleiros nacionais, o que só reforça o modelo de negócios baseado na nacionalização de ativos. “As propostas de investimento da Petrobras resgatam debates sobre a eficácia dessas abordagens no passado”, diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper e da Ivey Business School, no Canadá. “A preocupação reside na possibilidade de repetição de estratégias ineficientes.”

Continua após a publicidade

arte nacionalização

Para além do mau uso dos recursos públicos, a estratégia de reestatização desenhada por Lula embute uma série de problemas. Entre outros efeitos nocivos, ela cria um cenário de insegurança jurídica, o que poderá inclusive afastar investimentos. Controlador do grupo Grepar, o empresário Clovis Fernando Greca disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que a incorporação da Lubnor pela Petrobras é um caso clássico de quebra de contrato. Por isso, Greca afirmou que pedirá indenização à Justiça e que não investirá mais no país. Outro aspecto preocupante diz respeito à governança da Petrobras. Não há dúvida de que a nova estratégia de negócios da petrolífera teve interferência direta do governo, que pressiona a Petrobras para agir conforme os seus interesses. Como o passado recente ensina, interferências desse tipo são nefastas para a empresa e abrem caminho para outros males, incluindo a corrupção. Procurada, a Petrobras não quis se pronunciar.

O novo plano estratégico deverá penalizar os milhares de acionistas da Petrobras — o que inclui, ressalte-se, o próprio governo. Com o aumento dos investimentos em refino e outras áreas consideradas menos rentáveis, haverá naturalmente menor disponibilidade de recursos que deveriam ser distribuídos. No plano anterior, analistas projetavam o pagamento de até 70 bilhões de dólares anuais em dividendos, mas agora o número deverá cair para 45 bilhões de dólares nos próximos cinco anos. Ou seja: a má gestão da Petrobras não penaliza apenas a empresa, mas também a sociedade brasileira.

Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.