Sempre em Frente: as novas apostas da Sem Parar
Dona de quase 60% do mercado de tags para veículos no Brasil, empresa foca em negócios voltados para empresas e em novas tendências como o sistema free flow
Na lógica do mundo corporativo, uma empresa que detém quase 60% do mercado no qual atua tem bons motivos para acreditar que não há muito espaço para crescimento. Mas a companhia em questão, a Sem Parar, dedicada à automatização de pagamentos por veículos, vai na direção contrária — na sua perspectiva, o horizonte de expansão é promissor, apesar da primazia no setor. Faz alguns anos que o segmento das chamadas tags, dispositivos inteligentes que são inseridos em carros e caminhões para realizar pagamentos, tem conquistado as estradas brasileiras, de modo a diminuir as filas em pedágios. Atualmente, 12 milhões de veículos contam com a tecnologia. A oferta está concentrada em cinco empresas, mas o pioneirismo da Sem Parar explica sua liderança folgada no setor — dos veículos com tags, 7 milhões estão equipados com o produto da companhia.
Os principais nomes do mercado estão reunidos na Associação Brasileira das Empresas de Pagamento Automático para Mobilidade (Abepam), cujas projeções demonstram um otimismo generalizado: a quantidade de veículos com tags deverá crescer para 20 milhões até 2027, uma alta de 67% em relação ao número atual. Diversas tendências apontam para o apelo crescente dessa solução tecnológica. Entre as que já são realidade, desponta o mergulho das marcas nos negócios B2B (as vendas para pessoas jurídicas, na sigla em inglês). “Sempre olhávamos para o B2C (vendas ao consumidor), que é gigante, e o B2B estava meio esquecido”, diz Bruno Portnoi, diretor de marketing da Sem Parar Empresas, divisão da Sem Parar fundada em 2020 para dar o devido foco ao segmento corporativo. O movimento foi acertado. Impulsionada pela criação da estrutura B2B, a receita da companhia tem crescido cerca de 20% ao ano desde então.
A aposta da Sem Parar no B2B foi incentivada em 2017 após a aquisição da empresa pelo grupo americano Corpay, especializado na gestão de pagamentos. Os americanos ficaram entusiasmados com o potencial do negócio no Brasil, dada a prevalência do modal rodoviário e a integração do sistema de tags em todo o território nacional. Nos Estados Unidos, um caminhão que transporta mercadorias de um estado para outro tende a sofrer entraves no pedágio, porque cada unidade federativa costuma trabalhar com soluções específicas para suas estradas. Em contraste, o Brasil parece ser uma terra sem limites — o Sem Parar está presente em 100% da malha pedagiada brasileira. Mais de 2,6 milhões de veículos corporativos já têm tags instaladas no Brasil, sendo que metade delas pertence à Sem Parar Empresas.
A divisão de negócios voltados para empresas projeta crescer 16% em 2024, em comparação com 2023, mais do que o triplo do esperado para a área B2C da Sem Parar. Além de automatizar o pagamento de pedágios por companhias, a vertente B2B da Sem Parar se dedica a desenvolver serviços para demandas típicas desse segmento, como um sistema para gerir o pagamento do abastecimento de veículos corporativos, além da gestão de benefícios a funcionários, como vale-transporte e vale-refeição. Segundo Maurício Lima, sócio-diretor da consultoria de logística Ilos, existem 185 000 transportadoras e mais de 1 milhão de motoristas autônomos no país, uma escala que representa tanto uma oportunidade quanto uma complexidade para empresas como a Sem Parar. “O principal desafio é a integração de diversas ferramentas de transporte, incluindo o processo de pagamento, de modo que a parte do dono da carga converse com a da transportadora”, afirma o consultor.
O uso de tags para o pagamento do consumo em postos de gasolina também é conhecido pelos clientes pessoas físicas das empresas do setor. A expansão do uso da tecnologia para além dos pedágios é outra prioridade de nomes como Sem Parar, ConectCar, Veloe, Taggy e Move Mais. “Além de ser um centro de despesas, o carro se tornou uma carteira digital ambulante”, diz André Turquetto, presidente da Abepam e da Veloe, em alusão à nova fase do pagamento de mobilidade. No caso da Sem Parar, mais de 7 200 “pontos de uso urbano”, na terminologia utilizada pela empresa, aceitam as suas tags como meio de pagamento. Esse contingente, que inclui postos de combustível, estacionamentos, lava-rápidos e drive-thrus de grandes redes, como o McDonald‘s, dobrou nos últimos quatro anos. Por mais que o pedágio siga mais presente no imaginário dos consumidores ao pensar nessas empresas, os pontos urbanos representam uma fatia expressiva e crescente do negócio. Cerca de 40% de todo o dinheiro movimentado pela Sem Parar já provém de fora do pedágio.
As empresas de pagamento automático para mobilidade estão atentas a duas mudanças estruturais nas rodovias brasileiras que devem impulsionar seus negócios nos anos por vir. A primeira decorre de uma resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres publicada no ano passado. A agência decidiu pelo fim do uso de meios físicos para o pagamento do Vale-Pedágio Obrigatório (VPO) a partir de 2025, o que posicionou as tags como uma alternativa atraente. O VPO busca garantir que os contratantes, não as transportadoras ou os caminhoneiros, arquem com os custos do pedágio, como prevê a lei.
A segunda mudança promete uma verdadeira revolução na maneira como as concessionárias fazem a cobrança do pedágio no Brasil, com a implementação do chamado modelo free flow (fluxo livre). “Apostamos muito no free flow como tecnologia que vai impulsionar o uso das tags”, diz Ricardo Kaoru, presidente da ConectCar, empresa que tem o Itaú e a Porto Seguro como acionistas. O modelo consiste na total eliminação das cancelas de pedágio. Em vez disso, estruturas em forma de portal vão identificar as tags ou, na ausência delas, as placas dos veículos para cobrar o pedágio virtualmente, de modo que os motoristas seguirão livremente pela via sem nenhum entrave físico. As empresas associadas da Abepam argumentam que, para quem não tiver a tag instalada, o processo de pagamento do pedágio será mais trabalhoso do que é hoje em dia. Após a viagem, o motorista sem tag terá um prazo para entrar no site da concessionária e quitar a tarifa.
O novo sistema de cobrança, atualmente presente em poucas estradas, também aumenta o interesse das próprias concessionárias pela tecnologia das tags. No caso dos motoristas que a utilizam, a chance de haver inadimplência no pedágio é zero, enquanto é difícil garantir que os demais vão entrar, de fato, na internet para pagar a conta após a viagem. Como resposta ao problema, empresas como a CCR oferecem um Desconto Básico de Tarifa de 5% para quem pagar o valor do pedágio por meio de uma tag. Pode parecer pouco para um motorista individualmente, mas, para grandes companhias que utilizam muito o transporte rodoviário e gastam milhões de reais em pedágios, a poupança é expressiva.
A Abepam, contudo, almeja um benefício maior para instigar todas as pessoas que pegam a estrada a adotar tags. “Considero insuficiente”, diz Turquetto sobre o desconto de 5%. “Estamos brigando para que seja maior.” De todo modo, a Sem Parar, principal protagonista do setor, reforça que tendências como o free flow prometem ser muito positivas para os negócios. “Não vai mais ter fila, mas vamos seguir facilitando o pagamento do pedágio”, diz Portnoi. “As pessoas às vezes pensam na Sem Parar como uma empresa que ajuda a não pegar fila, mas somos muito mais que isso, somos uma empresa de pagamentos.” Com esse foco, a companhia pretende seguir sempre em frente.
Publicado em VEJA, novembro de 2024, edição VEJA Negócios nº 8