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Resultados desastrosos colocam o Facebook na berlinda do mercado

A Meta, dona da rede social, perdeu a confiança dos investidores — e poucos acreditam numa reviravolta

Por Luana Zanobia Atualizado em 4 jun 2024, 12h41 - Publicado em 11 fev 2022, 06h00
LIDERANÇA ABALADA - O fundador Mark Zuckerberg: de modelo de empreendedor a cenário de risco no horizonte -
LIDERANÇA ABALADA - O fundador Mark Zuckerberg: de modelo de empreendedor a cenário de risco no horizonte – (Jessica Chou/The New York Times/Fotoarena/.)

O nome Meta Plataforms e o logotipo inspirado no símbolo do infinito são novidades com pouco mais de três meses, mas a gigantesca corporação que hoje reúne Facebook, Instagram e WhatsApp já enfrenta seu maior desafio. Numa crise avassaladora, a companhia que melhor simboliza a era das redes sociais viu o anúncio de resultados relativos ao quarto trimestre de 2021 lançar uma sombra sobre seu futuro. Os números — muito ruins — do Facebook, seu produto principal e coração da empresa, provocaram uma verdadeira hecatombe no preço de suas ações nas bolsas de valores de Nova York. Depois de anunciar a primeira queda no número de usuários em seus dezoito anos de história, a empresa sofreu a maior perda de valor do capitalismo americano. Em um único dia, suas ações caíram 26%, acarretando numa queima de impressionantes 230 bilhões de dólares de valor de mercado. A queda continuou pelos dias seguintes e a Meta — que junto com Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon e Tesla fazia parte do seletíssimo grupo de empresas avaliadas acima da marca do trilhão de dólares — passou a valer 599 bilhões de dólares, na terça-feira 8.

arte Valor do Facebook

Além da corrosão de valor, o inferno astral da empresa se estendeu em novos abalos que seguiram o terremoto principal. No Vale do Silício, o controverso investidor Peter Thiel, mentor do fundador e CEO da companhia, Mark Zuckerberg, e o primeiro a apostar na empresa, deixou o conselho de administração. O motivo alegado é seu interesse em se dedicar a suas atividades como financiador político e ajudar na eleição de apoiadores de Donald Trump ao Congresso americano este ano, sem prejudicar a Meta. Mais preocupante foi a queda de braço que a empresa protagonizou com a União Europeia, na segunda-feira 7, quando ameaçou retirar o Facebook e o Instagram do continente se novas regras proibirem a transferência de dados dos usuários para os Estados Unidos. A resposta dos ministros da Economia da Alemanha e da França veio rapidamente, no mesmo dia. “Depois de ser hackeado, vivi sem Facebook e Twitter por quatro anos e a vida foi fantástica”, afirmou Robert Habeck, ministro alemão, em evento em Paris. Ao que seu par francês, Bruno Le Maire, completou: “Nós viveremos muito bem sem o Facebook”.

Tamanho desprezo é uma novidade para a empresa que, uma década atrás, era vista como o maior símbolo de uma nova era dos negócios. Zuckerberg havia se tornado o modelo do jovem empreendedor de startups. Alguém capaz de criar todo um novo setor e, de quebra, se tornar o bilionário mais jovem da história, aos 23 anos de idade. Mas quem observava a história de perto podia perceber perturbadores traços nessa trajetória de inovações. Quando o filme A Rede Social (2010), do cineasta David Fincher, despontou, contando a turbulenta gênese da empresa repleta de brigas de Zuckerberg com seus primeiros sócios, já se percebia que a empresa teria sido fundada sobre bases preocupantes.

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PRESSÃO - Depoimento no Congresso americano: o uso de dados dos usuários está sob investigação do governo -
PRESSÃO - Depoimento no Congresso americano: o uso de dados dos usuários está sob investigação do governo – (Michael Reynolds/EFE)

Mas ninguém poderia imaginar o tamanho das encrencas que viriam pela frente, com envolvimento em polêmicas em série nos anos seguintes, perdendo o lustro de futuro do capitalismo para ser vista como um risco às democracias. O péssimo retrospecto no uso dos dados dos usuários e na permissividade da difusão de discursos de ódio e fake news em suas plataformas causou rachaduras em sua imagem. Para piorar, em 2021, uma ex-funcionária denunciou casos escabrosos, em que alertas internos sobre conteúdo postado que promovia massacres de minorias, desvirtuamento de eleições e efeitos psicológicos devastadores em crianças e adolescentes eram menosprezados, para não prejudicar os algoritmos viciantes que prendem os usuários às redes sociais da empresa (leia mais sobre o efeito nocivo do ambiente digital na página 56).

arte Facebook

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Nesse percurso, o Facebook passou a ser visto pelas novas gerações como uma rede infestada por pessoas mais velhas, incluindo a indesejável presença dos pais, avós e tios discutindo política. Zuckerberg, no entanto, desenvolveu uma estratégia agressiva para contornar essa tendência. Sempre que ameaçado por novos negócios de apelo mais inovador e capazes de atrair o público mais jovem, o Facebook os copiava sem dó, buscando neutralizar seu crescimento. E, quando a cópia parecia difícil, Zuckerberg pagava bilhões de dólares para comprá-las. Foi assim que trouxe o Instagram e o WhatsApp para o grupo e massacrou o concorrente Snapchat ao criar novos recursos em suas plataformas. Com isso, manteve o crescimento de sua base de usuários e continuou a seduzir os investidores.

Se agradava ao mercado, a estratégia agressiva de Zuckerberg atraiu a sanha de reguladores americanos e europeus, preocupados com a posição dominante da empresa nas redes sociais. Tanto que, atualmente, a Meta não consegue mais a aprovação nem da quase inofensiva compra da Giphy, uma empresa de gifs (imagens em movimento). E pior: isso acontece no momento em que enfrenta uma de suas maiores ameaças, o aplicativo chinês TikTok, de vídeos curtos, famoso por ser usado pelos jovens para mostrar dancinhas. A Meta vem tentando impulsionar uma cópia dele, o Reels, que faz parte do Instagram. Mas, dessa vez, não tem funcionado. Além da dificuldade de monetizar o Reels, o rival TikTok se tornou o aplicativo mais baixado do mundo nos últimos dois anos, tirando o reinado das três redes da Meta. Ele ainda alcançou a marca de 1 bilhão de usuários em apenas cinco anos, enquanto o Facebook levou oito anos para alcançar tal feito. “O Tik­Tok se tornou uma kriptonita para a Meta, pois continua a dominar a geração mais jovem”, diz Edward Moya, analista de mercado financeiro da corretora Oanda, baseado em Nova York.

MUNDO PARALELO - Aposta no metaverso: projeto pode levar até quinze anos para se concretizar -
MUNDO PARALELO – Aposta no metaverso: projeto pode levar até quinze anos para se concretizar – (./Divulgação)
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A despeito de tantos problemas e polêmicas, os investidores não vinham dando ouvidos aos sinais de risco. Pelo menos, até agora. Depois dos maus resultados apresentados, Zuckerberg pediu um novo voto de confiança do mercado financeiro, de que será capaz de vencer o novo momento difícil. Mas, a julgar pela massiva perda de valor da empresa nos últimos dias, parece que a confiança se esgotou. Ficou a sensação de que a companhia já teria passado de seu auge e chegado a seu limite para continuar crescendo, uma vez que tem a fonte de receitas menos diversificada das Big Techs, com 98% dela vindos de anúncios on-line. “Nos últimos cinco anos, o faturamento do Facebook subiu a taxas superiores a 30% ao ano, mas isso não vai se repetir na próxima meia década. A empresa atingiu a maturidade, o crescimento não se dará mais na mesma intensidade”, avalia Marcelo Cabral, gestor de investimentos da Stratton Capital, sediada em Nova York. A receita esperada para 2022 é de 132,5 bilhões de dólares, aumento de 12%.

AMEAÇA - Charli D’Amelio, a maior estrela do TikTok: o apelo das dancinhas -
AMEAÇA - Charli D’Amelio, a maior estrela do TikTok: o apelo das dancinhas – (@charlidamelio/Tiktok/.)

Nesse novo contexto, as vozes pedindo a saída de Zuckerberg da gestão aumentaram. Mas ele não dá sinais de que pretende se afastar, uma vez que detém a maioria das ações com direito a voto e já indicou que pretende permanecer por pelo menos mais cinco anos no posto. Também tem um plano, que está na origem da mudança do nome da empresa. O metaverso é o conceito que a Meta defende como o futuro da internet. Trata-se de uma espécie de réplica da realidade no mundo digital, onde as interações vão acontecer em um ambiente on-line coletivo e compartilhado (uma espécie de Second Life mais moderno). Mas a própria empresa admite que a construção desse espaço virtual deve levar entre dez e quinze anos para seu pleno funcionamento, uma eternidade quando a pressão é tão alta. Dona de um caixa de 48 bilhões de dólares, a companhia já comprometeu 10 bilhões de dólares no novo projeto. Dinheiro existe, mas o cenário no horizonte é de uma gravidade considerável.

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ARTE QUE IMITA A VIDA - O filme A Rede Social: origem controversa -
ARTE QUE IMITA A VIDA – O filme A Rede Social: origem controversa – (Columbia Pictures/.)

O metaverso ainda é um ambiente fictício, não regulado e que gera muitos questionamentos sobre a utilização de dados biométricos das pessoas. Por isso, a gestão de dados deve continuar sendo um problema para a empresa. “O que o Facebook descobriu nos últimos anos é que proibir conteúdos de fake news e que estimulam emoções negativas gera muita perda de engajamento. Quando começa a se criar um ambiente mais civilizado na rede social, você limita o crescimento do negócio”, diz Luca Belli, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas.

Se a guinada rumo ao metaverso não der certo, as opções para reavivar os negócios ficarão escassas. No filme A Rede Social, um diálogo parece refletir bem o atual momento da empresa: “A ruína de vocês será pelo que já fizeram”, diz um dos personagens ao ator Jesse Eisenberg, que vive o controverso Zuckerberg. Envolvida em escândalos, enfrentando pela primeira vez um concorrente que não pode abater ou comprar e com seus projetos ainda muito distantes de amadurecer, o risco para a empresa é que a temporada de más notícias esteja apenas começando.

Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776

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