Dono de um império bilionário que vai além do SBT, Silvio Santos, morto no último sábado, deixou uma herança estimada em 1,6 bilhão de reais. Caso o apresentador tivesse falecido ou doado seus bens em vida após a entrada em vigor da reforma tributária, suas herdeiras pagariam o dobro de imposto sobre herança para ter acesso à fortuna do pai, no estado de São Paulo.
Com a reforma tributária, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) será progressivo, com uma alíquota máxima que pode chegar a 8%, caso a regulamentação seja mesmo aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente Lula. Atualmente, estados como São Paulo têm uma alíquota fixa de 4%. Com o imposto progressivo, quanto maior a fortuna, maior o imposto. “A gente vai ter uma majoração progressiva até 8%, o que é bastante significativo”, diz a advogada Laísa Santos, especialista em planejamento patrimonial e tributário.
Na semana passada, a Câmara dos Deputados deu mais um passo nessa direção na regulamentação tributária e aprovou o texto-base do segundo projeto de lei da reforma. Além das regras para o comitê gestor do IBS, parte do sistema de Imposto sobre Valor Agregado dual, o projeto manteve as mudanças na cobrança do imposto da herança, o ITCMD. No entanto, para a mudança entrar em vigor, será preciso também que haja essa regulamentação estadual. Em São Paulo, as novas faixas e alíquotas propostas pelos deputados estaduais para o ITCMD indicam que somas a partir de 9.900.800,00 reais seriam tributadas com alíquota máxima de 8%.
Com um patrimônio avaliado em 1,6 bilhão de reais, a partilha seria tributada com alíquota máxima. Morto aos 93 anos, Silvio, no entanto, começou a divisão da sua herança em vida. Cada uma das seis filhas teria recebido, segundo reportagem da TV Record, uma soma de 100 milhões de reais em dinheiro. A mulher, Íris Abravanel, também teria sido contemplada, segundo a mesma reportagem. Caso ela e Silvio tenham se casado no regime de comunhão parcial de bens, metade de todos os bens adquiridos durante a relação é dela, lembra a advogada.
Além da fortuna e dinheiro, as herdeiras — Cintia Abravanel, Patrícia Abravanel, Silvia Abravanel, Rebeca Abravanel, Daniela Beyruti e Renata Abravanel — também têm direito a imóveis, empresas e investimentos que compunham o império do apresentador, construído ao longo de seis décadas.
“O meu pai já dividiu, sim, uma parte da herança, e eu acho importante. Ele está tendo a oportunidade de ver o que nós estamos realizando com as coisas que ele construiu”, disse Cíntia Abravanel em entrevista recente ao F5, da Folha de S.Paulo.
Não há informações oficiais de que haja um testamento do apresentador ou se toda a divisão foi feita em vida, mas é muito provável que que ele tenha sido assessorado por especialistas em planejamento sucessório. Segundo Laísa Santos, advogada especialista nessa área, é comum que o planejamento de partilha de pessoas com grandes fortunas seja feito com antecedência para evitar brigas, reduzir os custos e diminuir a burocracia em um momento de dor e sofrimento.
“A gente sabe que é bastante comum, após o falecimento, ficam várias indagações de quem deve receber o quê, e principalmente, também uma questão bastante relevante, é a tentativa de diminuição de custos. Quando a pessoa falece, a família fica com um encargo bastante alto de pagamento de tributos, de taxas, emolumentos, misturado com o luto”, diz.
No Grupo Silvio Santos, a sucessão não deve ser uma surpresa e deve ficar com a filha caçula, Renata Abravanel, que atualmente é a presidente do conselho de administração do grupo.
Em entrevista à Contigo em 2014, ela falou sobre sucessão. “É óbvio que estamos trabalhando nisso, toda função importante tem que ter um plano B. Porém, Silvio Santos é insubstituível. Meu pai é meu mentor. Gosto de observar como ele conduz reuniões, sua visão e o jeito como trata as pessoas. Eu duvido que ele vá se aposentar tão cedo”, disse na época. Formada em administração na Universidade Liberty, nos Estados Unidos, ela também estudou gestão em escolas brasileiras e fez um curso na Universidade Harvard voltado à presidência de empresas.
A sucessão empresarial, quando se trata de cotas ou participações societárias, envolve tanto o direito sucessório quanto o direito societário, diz a advogada. Geralmente, pessoas com participações em empresas estabelecem regras no contrato ou estatuto social, ou em acordos de sócios ou acionistas, sobre a entrada de herdeiros na sociedade. “Falecendo um sócio, um acionista, o herdeiro pode ingressar automaticamente na empresa ou ele vai necessitar da aprovação dos demais sócios para ingressar nessa sociedade”, explica.
“Planejamento sucessório é ato de amor aos herdeiros”, diz advogada
O planejamento sucessório e patrimonial pode evitar conflitos, mas é preciso que os instrumentos de transmissão de bens sejam revisitados, de modo que fiquem em dia com a vontade do dono do patrimônio. A revisão do testamento poderia, por exemplo, ter evitado, ao menos em parte, a briga pela herança de outro famoso apresentador, Augusto Liberato, o Gugu, morto em 2019, aos 60 anos.
Em testamento, Gugu deixou 75% do patrimônio, estimado em 1 bilhão de reais, para os três filhos, e os 25% restantes para os cinco sobrinhos. Em desacordo com a família, a vontade de Gugu está sendo questionada na Justiça tanto pela ex-mulher quanto pelo suposto ex-namorado do apresentador.
“Se o Gugu tivesse revisitado esse testamento em um momento próximo do falecimento, deixando claras as suas vontades, que poderiam não mais refletir aquelas vontades do último testamento, talvez não houvesse toda essa discussão judicial que nós estamos tendo hoje. Por isso que a gente diz que o planejamento patrimonial sucessório é um ato de amor aos herdeiros.”
Ao contrário do caso de Gugu, em que a falta de acordo familiar gerou problemas, Silvio Santos preparou suas filhas tanto para serem herdeiras quanto sucessoras de seu império. A única possível complicação seria se ele tivesse feito doações desiguais entre as filhas sem justificativa clara, mas não há informações sobre isso.
“Quando o patrimônio inclui imóveis, empresas e se estende por vários países, e, principalmente, em casos com vários herdeiros, a divisão antecipada é fundamental para evitar problemas devido à grande complexidade desse processo”, diz o advogado Sérgio Vieira.