Reforma tributária: apesar do consenso, aprovação terá caminho tortuoso
Haddad terá a seu favor o fato de o tema ser considerado importante tanto para os parlamentares de sua base de apoio quanto para os bolsonaristas
Congresso inicia a nova legislatura, resultado da eleição de 2022, cercado de novidades, entre elas o governo do PT, o ambiente tumultuado após os acontecimentos de 8 de janeiro e a nova correlação de forças no arranjo parlamentar. Em meio a esse cenário incomum, uma prioridade, entretanto, logo deve se impor. Para evitar desgastes e pautas de menor importância, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, tendo Fernando Haddad à frente do Ministério da Fazenda, vai tentar aprovar com certa rapidez a tão elusiva reforma tributária, uma pauta tão complexa como consensual. Haddad terá a seu favor o fato de a reforma ser considerada importante, de forma quase unânime, tanto para os parlamentares de sua base de apoio quanto para os bolsonaristas, uma vez que o governo anterior também tentou implementá-la. “Está muito amadurecida a discussão. A reforma das reformas é a tributária”, afirmou Haddad, no último dia 17, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.
Para o ambiente de negócios brasileiro, ela promete trazer uma simplificação para o confuso cipoal que constitui o atual regime de impostos. É algo que já ajudaria bastante o país. Além disso, o PT promete tornar o sistema mais progressivo, para que os mais pobres paguem menos em relação a sua renda do que os mais ricos. As mudanças também trazem a expectativa de diminuição da carga fiscal excessiva que pesa sobre a sociedade, ainda que nesse ponto caiba atenção, uma vez que governos costumeiramente gostam de gastar. Em momentos de mudanças na estrutura de impostos tendem a, no máximo, redistribuir a carga, sem cortar os próprios custos.
Com benefícios indiscutíveis, a reforma tributária vem sendo tentada — sem sucesso — por três décadas. As iniciativas do ex-ministro da Economia Paulo Guedes para emplacar o seu texto durante o governo de Jair Bolsonaro podem servir como uma enciclopédia de equívocos a ser evitados. Se a máxima diz que o sábio aprende com os erros dos outros, enquanto o tolo, nem com os próprios, os negociadores do governo no Congresso tentarão se mostrar sábios. Do ponto de vista político, a ideia é aproveitar o começo da legislatura para aprovar o tema, já que quem passa agora para a oposição é majoritariamente reformista. “Se o governo tiver o interesse de promover uma reforma tributária, nós estaremos dispostos a nos debruçarmos sobre ela, obviamente sem abrir mão da nossa condição e de colocamos a nossa visão”, afirmou a VEJA Rogério Marinho, ex-ministro de Bolsonaro, senador eleito pelo Rio Grande do Norte e candidato à presidência do Senado.
As duas PECs sobre o assunto que tramitam no Congresso — a 45, já em plenário da Câmara, e a 110, atualmente na Comissão de Constituição e Justiça do Senado — evoluíram mais por iniciativa do Parlamento do que por conta do governo anterior. A estratégia de Guedes foi garantir primeiro a reforma da Previdência, que vinha mais madura da presidência de Michel Temer. Mas, depois, perdeu a oportunidade de agilizar a tributária. O ministro levou nove meses após a aprovação da Previdência para enviar a primeira parte de sua proposta, um projeto de lei para unificar apenas PIS e Cofins, e só no último ano de gestão passou a endossar o texto que tramita no Senado.
Entre muitas idas e vindas, Guedes também insistiu num tema sem aprovação da sociedade, a criação de um imposto sob transações, nos moldes da CPMF, o que gerou um grande desgaste com a Câmara. Haddad tem deixado claro que essa ideia está “morta e sepultada” e prevê um calendário de aprovação da reforma em duas fases.

Em Davos, o ministro detalhou que o governo prevê passar no primeiro semestre a “primeira fase” da reforma, que trata da simplificação dos impostos sobre o consumo. Os técnicos trabalham para chegar a um texto que unifique a PEC 45 da Câmara, inspirada em um estudo de Bernard Appy, atualmente secretário especial de Haddad para tratar desse tema, e a PEC 110, do Senado. Ambos os textos versam sobre a criação de um imposto sobre valor agregado (IVA) não cumulativo, cobrado no destino e com legislação uniforme em todo o país.
A principal diferença é que a 110 prevê um sistema de IVA dual, que cria um tributo único federal e outro para estados e municípios. Já o desenho da PEC 45 estabelece apenas um IVA nacional, que reúne todos os impostos sobre o consumo. A equipe de Haddad ainda não bateu o martelo sobre o modelo. O segundo é mais simples, mas o primeiro é mais bem-visto pelos secretários de Fazenda país afora, evitando embates políticos. “A proposta está muito amadurecida e tem como base as melhores práticas de IVA no mundo”, afirma Appy (veja a entrevista abaixo).
Nessa primeira fase, o governo já espera encontrar resistência de alguns setores, em especial o agronegócio, que, junto com as empresas de serviços, é apontado pela Fazenda como o setor mais resistente. Já a segunda fase do projeto ficará, segundo Haddad, para o segundo semestre: a mudança na tributação de renda, assunto caro ao PT e uma promessa de campanha de Lula. Com a relevância que o tema ganhou no Congresso, o governo se encontra em uma posição bastante favorável para aprová-la, mas espera-se que não use a oportunidade para, nos meandros do processo, dar vazão a seu apetite por arrecadação. O diabo, nesse caso, mora nos detalhes.
“Como está hoje, não dá mais”
Em sua primeira entrevista após assumir como secretário especial para a reforma tributária, o economista Bernard Appy promete trabalho conjunto com o Congresso para tirar do papel uma das reformas estruturantes mais relevantes para o país.
Como avalia o empenho do governo para conduzir a reforma tributária? O ministro Fernando Haddad já deixou claro que o foco agora vai ser a tributação do consumo, um assunto que já está maduro no Congresso. A proposta de reforma da tributação da renda e, possivelmente, da folha de pagamentos ficará para o segundo semestre. Se fizermos uma boa reforma da tributação do consumo, teremos um efeito muito positivo.
Como a reforma pode garantir crescimento econômico? Há um consenso de que a reforma da tributação do consumo terá um impacto muito positivo sobre o potencial de crescimento do país. Estimativas apontam um aumento do PIB variando entre 4% e 20% em quinze anos.
Existe uma confiança em que essa reforma, almejada por governos anteriores, finalmente sairá do papel? Sim. Existe uma percepção generalizada de que o sistema tributário brasileiro como está hoje não dá mais. Chegou ao seu limite e se tornou extremamente disfuncional. Essa visão cresceu ao longo do tempo, está muito mais clara hoje.
Colaborou Luisa Purchio
Publicado em VEJA de 1º de fevereiro de 2023, edição nº 2826
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