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Recuperação das montadoras passa por demissões e preços mais altos

Apesar de números animarem, os investimentos foram adiados e os cortes na produção podem representar uma diminuição definitiva do setor no país

Por Diego Gimenes
Atualizado em 15 set 2020, 17h51 - Publicado em 16 ago 2020, 10h56

Em abril de 2020 o setor automotivo atingiu o fundo do poço. Foram produzidos apenas 1.847 veículos, contra 267.561 no mesmo período de 2019, o menor volume da história e não por menos, afinal, todas as montadoras permaneceram com as portas fechadas em função do avanço do coronavírus no país. É no mínimo irresponsável considerar como histórico qualquer tipo aumento após esse balanço, em vista que o setor praticamente não operou em abril, logo, é natural que o crescimento percentual chame atenção a priori, mas a comparação correta a ser feita é em relação ao mesmo período de anos anteriores. Mesmo assim, é fato que o setor apresenta um crescimento sustentável desde abril. Passados 4 meses, o otimismo aumentou entre os executivos e especialistas do ramo, mas o número crescente de demissões e o adiamento de metas importantes firmadas nos anos anteriores podem comprometer o futuro das montadoras no país, que dobraram suas dívidas e demitiram funcionários, pois as fábricas diminuíram de tamanho. A diferença para as crises anteriores é que dessa vez o governo não irá intervir na situação, tanto que as empresas já não contam com a linha de capital de giro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e tampouco com uma redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), como aconteceu em 2011. Os danos da crise do coronavírus podem ser irreversíveis.

Com uma recuperação ainda lenta da economia e com o desemprego em crescimento, fica difícil imaginar quem toparia investir dinheiro em veículos zero quilômetro para dar fôlego às concessionárias, que precisam escoar os estoques. Apesar da queda do poder de compra do brasileiro, o agronegócio segue na contramão, com um volume cada vez maior. Um alento é que, em meio à pandemia, uma parcela da população apresenta resistência ao transporte público, o que pode representar algum crescimento nas vendas. “Muitos postergaram a compra de carros no início da pandemia e talvez agora estejam começando a procurar novamente, mas essas pessoas estão atrás de oportunidades, descontos e condições especiais. Eu acredito que neste momento as pessoas que procuram são aquelas com capacidade de trocar seus veículos, aqueles que não perderam renda e não perderam emprego. Todavia, tenho uma preocupação: se quase 70 milhões de brasileiros estão acessando os 600 reais do governo, significa que quase 1/3 da população está dependendo do auxílio, logo, temos uma população que ficou mais pobre na pandemia. Outra questão é o desemprego, dos que recebem o auxílio, cerca de 60% ou 70% são informais e que acabaram ficando sem renda, mas o número de desempregados também está aumentando, e com tendência de aumentar ainda mais, então é nessa equação que a gente precisa ficar de olho”, salienta Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

Independente do formato da recuperação, seja ela em V ou em U, existe um consenso entre os envolvidos: o setor levará, pelo menos, 5 anos para recuperar os patamares pré-pandemia, que já mostrava sinais de cansaço. Em julho de 2020 foram produzidos 170.287 veículos, contra 266.992 no mesmo período de 2019, queda de 36%. Com uma produção nitidamente menor, as demissões se tornam quase inevitáveis, a conta não fecha. Mesmo com a suspensão de contratos e os acordos com sindicatos, as montadoras demitiram cerca de 1.500 funcionários no mês de julho, de acordo com a Anfavea. Desde o fim de julho, os funcionários da Renault estavam em greve na planta de São José dos Pinhais por causa das 747 demissões realizadas à época. Somente nesta semana houve um acordo, que revogou todos os cortes. Evidente que num primeiro momento essa atitude pode soar como esperança, mas fato é que com indústrias cada vez menores, nada garante a manutenção desses postos por muito mais tempo. Se não fosse a MP 936, que garante o artifício da suspensão dos contratos, o estrago seria ainda maior.

“Toda a cadeia precisa reajustar o negócio à nova realidade de mercado. Serão 5 anos para retornarmos ao patamar de 2019. Temos hoje, como indústria, capacidade instalada no Brasil para produzir 5 milhões de carros por ano. Nosso mercado fechou 2019 com 2,9 milhões. Ou seja, já estávamos com capacidade instalada ociosa. Essa ociosidade aumentou ainda mais. A conta é simples, é preciso menos gente para produzir menos carros. O custo fixo de uma fábrica automotiva é muito alto. Então, é muito melhor operar em uma fábrica na sua capacidade máxima do que operar em duas com metade da capacidade cada. Dentro deste raciocínio, há risco para a indústria de fechamento de fábricas no Brasil. Porém, isto não está nos planos da GM. Mas o importante nesta crise é entender que para contornar o problema da liquidez, o nível de endividamento da indústria automotiva praticamente dobrou. Com isso, além do controle de custos e ajuste da produção à demanda do mercado, temos de pagar a dívida, o que impacta na capacidade de investimento do setor”, ressalta Carlos Zarlenga, presidente da GM América do Sul. Com relação às condições especiais para atrair os consumidores, a Chevrolet lançou uma campanha em que paga os 12 primeiros boletos do financiamento do cliente. Por outro lado, em junho a montadora anunciou mais um reajuste no preço do Onix, carro mais vendido do país, que agora custa a partir de 56.290 reais. O aumento médio do modelo foi de 3%.

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Desta vez, uma ajuda por parte do governo, seja federal ou estadual, de direita ou de esquerda, parece cada vez mais improvável. Essa pode ser considerada a principal diferença da crise atual para as demais. Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff (PT) reduziu drasticamente o IPI dos veículos, impulsionando a indústria. Em 2019, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), defendeu com unhas e dentes o programa IncentivAuto, que evitou, à época, demissões em massa. Sem ajuda do governo e com suas matrizes também em crise, os recursos ficaram ainda mais escassos, e as empresas ficaram sem saída. “Neste momento em que a indústria não tem mais condições de se endividar, nem pode pedir auxílio para as matrizes, que também foram afetadas pela crise atual, proteger a rentabilidade é fundamental para a sustentabilidade do negócio. E a rentabilidade passa pela exposição cambial, que é enorme no Brasil. Sendo assim, os aumentos de preços são inevitáveis”, lamenta Zarlenga. O socorro às montadoras por parte do BNDES também não saiu e as empresas precisaram encontrar outras maneiras de aumentar suas receitas. “Nós conseguimos operacionalizar pelo sistema bancário tradicional e independente disso, as linhas tracionais do BNDES sempre estiveram disponíveis e algumas montadoras podem ter usado alguma dessas linhas. O que o BNDES não conseguiu capitalizar foi a linha para capital de giro, mas a gente continua tendo acesso às linhas tradicionais. Agora, a questão do emprego não depende de financiamento, mas sim do aumento da demanda”, alerta o presidente da Anfavea.

A alemã Volkswagen também sofre com os impactos da crise provocada pela covid-19. Apesar de ter retomado a produção nas 6 fábricas na América do Sul e operar com dois turnos nas 4 fábricas brasileiras — com redução de jornada assim como as demais — já se sabe que o segundo turno vai se encerrar em dezembro na planta de Taubaté. A ordem é adequar o quadro ao novo ritmo da produção. “As negociações com o governo federal para obter crédito para o setor não avançaram da forma que imaginávamos. Desde o início enfatizei que era importante que este socorro chegasse à cadeia da indústria automotiva, dos pequenos fornecedores às concessionárias, para que conseguíssemos passar pelo auge da crise. Os fornecedores da indústria são os mais frágeis de toda a cadeia, e alguns já foram à falência por causa da crise. A ajuda do governo com a flexibilização laboral nos deu fôlego para chegar até aqui e por mais alguns meses, outra medida que adotamos foi preservar o nosso caixa e congelar por ora os investimentos”, revela Pablo Di Si, presidente da Volkswagen. Apesar da diferença do real frente ao dólar ter diminuído em relação a maio, as dificuldades ainda permanecem, o que pode abrir as portas para o processo de nacionalização da indústria, uma das alternativas para o setor. “O impacto da oscilação cambial acaba nos obrigando a repassar parte dos custos para o preço final dos veículos, uma vez que muitos componentes são importados. Uma alternativa, que já estávamos implementando antes da pandemia, é o processo de nacionalização de peças que começou no ano passado. O processo será acelerado, mas é necessário ter volume para desenvolver peças novas pois há necessidade também de investimento e tecnologia por parte do fornecedor. Estamos verificando, dentro do conjunto de fornecedores, quais peças que importamos que podem ser produzidas no Brasil”, indica o chefe da VW.

Dentre as ações para mitigar os efeitos devastadores da pandemia está o pedido de adiamento das metas do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), previstas para entrar em vigor a partir de 2022. O aporte necessário para o cumprimento das metas é de aproximadamente 12 bilhões de reais. Levando em conta que, segundo a Anfavea, as montadoras terão uma perda de caixa na ordem de 60 a 80 bilhões de reais em 2020, a própria associação entrou com um pedido para adiar a primeira parte do plano para 2025. “Estamos observando uma recuperação aparentemente em V, mas devemos aguardar próximos meses. Será que é o momento de investir em carros elétricos? É a hora de colocar o pé no acelerador? É preciso ter cautela. A tendência é de subida de preços por causa dos déficits altíssimos e das fontes estarem secando, mas tem a questão de estoque, se ninguém quer os meus produtos, vou abaixando gradativamente o preço até conseguir escoar esse meu estoque atual. Então o que acontece é que em vez de reduzir o preço-base de 100 mil para 90, por exemplo, o que se oferece é um desconto de 10 mil para o cliente”, analisa Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics.

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Um dos bons exemplos da pandemia e que pode indicar uma alternativa para a produção no Brasil continuar sustentável está no lançamento do Nivus, um veículo 100% desenvolvido no Brasil e que possui um novo sistema de entretenimento, o VW Play. “Nossa estratégia de oferecer mais conectividade e novas tecnologias em nossos produtos permanece, atributos muito valorizados pelos nossos clientes. O lançamento exclusivamente digital do Nivus ocorreu durante a pandemia e vendemos todas as unidades durante a fase de pré-venda em tempo recorde, sem que o cliente tivesse visto o carro fisicamente em nossas concessionárias”, comemora Di Si. Ao mesmo tempo em que é preciso reduzir os custos, e nisso uma operação cada vez mais nacional faz todo o sentido, é imprescindível encontrar maneiras de agradar o cliente, a ponta final de todo o processo. “É preciso focar em lançamentos com produtos para atender melhor o consumidor. A montadora tem que atender o consumidor, e pode fazer isso com mais conectividade, com equipamentos móveis e itens de conforto, apostando no meio ambiente com tecnologias como o start-stop, com ferramentas para auxiliar em subidas muito ingrimes, fazer com que a dirigibilidade melhore consideravelmente. É por esse caminho que o setor pode ressurgir no pós-pandemia”, aposta Kalume Neto

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