Queda no desemprego traz bons sinais, mas tendência não está consolidada
O pleno emprego é alcançado quando as pessoas que procuram vagas de trabalho as encontram facilmente, sem esforço. Certamente não é o caso atual
A melhor definição sobre a importância do mercado de trabalho para o crescimento dos países foi dada pelo britânico John Keynes, um dos grandes economistas do século XX. Segundo ele, “o emprego é o ponto de partida para a prosperidade de qualquer nação.” Com base nessa perspectiva, os mais recentes indicadores divulgados no Brasil abriram novas frestas de otimismo. No trimestre encerrado em agosto, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, o índice de desemprego estava em 7,8% — o menor nível desde fevereiro de 2015. Por sua vez, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) informou que, em agosto, foi criado um total de quase 221 000 vagas, o segundo melhor desempenho mensal de 2023.
A forte geração de empregos é um sinal inequívoco do aquecimento da economia. De fato, o produto interno bruto (PIB) ganhou tração no segundo trimestre, o que certamente teve impacto no aumento das contratações. Nesse contexto, o setor de serviços, que tende a prosperar quando a economia está em expansão, reforçou seu papel como grande empregador. Alguns segmentos chamaram especial atenção. O turismo, que vive forte retomada no pós-pandemia, respondeu, sozinho, por 20% das vagas surgidas em agosto dentro da categoria de serviços. “Estamos em um processo de chegar à situação de pleno emprego”, comemorou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho.
Embora os resultados apontem para um cenário positivo, Marinho, como é do feitio dos políticos, exagerou na avaliação. Na teoria econômica, o pleno emprego é alcançado quando as pessoas que procuram vagas de trabalho as encontram facilmente, sem esforço. Certamente não é o caso atual — não há, a despeito do que diz o governo federal, uma fartura de postos no mercado. Além disso, sustentar a tendência não será fácil. Segundo o Indicador Antecedente de Emprego (IAEmp), medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), houve uma queda de 0,5 ponto em setembro nesse termômetro que mede a expectativa de absorção de mão de obra. O número reflete um certo pessimismo quanto à manutenção do crescimento econômico do país daqui para a frente.
Se não bastasse, a fim de atingir uma situação de pleno emprego, erroneamente vislumbrada para um horizonte próximo pelo ministro Marinho, há uma enorme distância, infelizmente. Para chegar a esse ponto tão desejado, estima-se que o PIB deveria crescer acima de 6% ao ano, algo absolutamente distante da realidade — em 2023, segundo os otimistas, a taxa será de 3% e, em 2024, abaixo disso. Foram poucos os períodos na história em que o país alcançou tal marco de expansão da economia. Um deles foi justamente na década de 1970, quando havia crescimento demográfico altíssimo. Depois, apenas no final do governo Lula 2, em 2010, e então o índice de desemprego caiu para 5,3% — em decorrência do forte crescimento do PIB, anabolizado pelo boom de exportações para a China.
No debate em torno do assunto, há ainda uma discussão a respeito se o índice oficial de desemprego retrata com exatidão o problema. Alguns economistas estimam que a taxa está um pouco subestimada (eles projetam algo em torno de 10%), pois muitos brasileiros simplesmente desistiram de procurar emprego nos últimos anos. Segundo esses especialistas, a queda do índice de desempregados está, em parte, relacionada à redução da população economicamente ativa. Ou seja, da força de trabalho. “Esse é um dado crucial”, afirma Fernando Barbosa Filho, doutor em economia pela Universidade de Nova York e pesquisador da FGV. “Muitas pessoas saíram do mercado de trabalho, o que fez a taxa de desemprego alcançar um nível artificialmente mais baixo.”
Independentemente da discussão sobre qual é a real taxa de desemprego, é consenso que o país precisa criar condições para tentar acelerar a abertura de mais postos de trabalho. Uma boa medida, embora ainda não devidamente reconhecida, foi a reforma trabalhista promulgada em 2017, no governo Michel Temer. A despeito do furo das promessas exageradas de geração imediata de 6 milhões de vagas — o que, mais uma vez, deve ser atribuído à verborragia dos políticos —, a reforma começa a trazer resultados consistentes. No segundo trimestre de 2017, logo após a aprovação das novas regras, 34,2 milhões de brasileiros trabalhavam com carteira assinada. No segundo trimestre de 2023, o número chegou a 37,2 milhões, uma diferença expressiva de 3 milhões de postos de trabalho. Não fosse a inesperada crise trazida pela pandemia, que ceifou empregos em quase todos os setores, o resultado seria provavelmente melhor. Entre outros atributos, o projeto simplificou normas para contratação e flexibilizou jornadas laborais. “A reforma trabalhista, de fato, potencializou a ocupação formal”, diz Hélio Zylberstajn, professor de economia da Universidade de São Paulo.
Um desafio que permanece é o alto índice de informalidade no país. Atualmente, 39 milhões brasileiros trabalham nessa condição, número superior ao de profissionais com carteira assinada. Isso se deve, sobretudo, aos altos custos que ainda pesam para as empresas contratantes. A reforma trabalhista teve o mérito de reduzir entraves como o excesso de litígios entre empregadores e empregados, mas ela não resolveu por completo o problema. “A realidade é que há pouca vontade política para discutir a disparidade entre os custos de empregos formais e informais”, afirma Barbosa Filho. Além disso, a reintrodução do imposto sindical, como quer o ministro do Trabalho, poderá significar lamentável retrocesso. “Pessoalmente, vejo que há mais riscos associados a um retrocesso das conquistas da reforma trabalhista do que a um progresso”, lamenta o economista.
De fato, se a radiografia do momento é positiva, permanecem as incertezas quanto ao futuro. Os recentes indicadores, ressalte-se mais uma vez, mostraram que o setor de serviços foi o campeão na geração de vagas, também com forte participação do comércio. Em breve, com as festas de fim de ano, as lojas devem contratar e produzir nova redução da desocupação. Mas será um efeito temporário. No ano que vem, com a economia provavelmente em ritmo mais fraco que em 2023, os especialistas projetam uma criação de vagas menos vigorosa. Outro desafio urgente é gerar empregos de qualidade. Para isso, deve-se antes qualificar os trabalhadores, algo só realizável com educação melhor e mais abrangente, chegando a todas as classes sociais. Os números do emprego melhoraram, mas o Brasil está longe de ter resolvido os seus problemas na área.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2023, edição nº 2862