Proteínas de plantas, que prometiam revolução, têm futuro incerto
Preços altos e sabor questionável levantam dúvidas sobre um mercado que já está em queda nos Estados Unidos
Algumas inovações parecem seguir um ciclo inevitável. Primeiro elas despertam curiosidade, depois geram certa euforia e, por fim, levam à decepção. Foi assim com o Blu-ray, uma espécie de DVD dotado de alta qualidade, e com o patinete Segway, para citar apenas exemplos recentes. Na área de alimentos, as carnes de plantas cumpriram bem as duas etapas iniciais do processo. Há uma década, quando as primeiras empresas começaram a colocar no mercado proteínas à base de milho, jaca, grão-de-bico e ervilha, entre muitos outros vegetais, elas atraíram a atenção pelo fato de não existir nada parecido no mercado. Com o tempo, e o surgimento de inúmeras variedades de itens — de hambúrgueres a filés, de linguiça a bolinhos, tudo feito de vegetais —, o setor plant-based arrebatou fãs mundo afora com a promessa de proteger animais e o meio ambiente. A fase do encantamento foi impulsionada por startups famintas que diziam ser possível substituir, em pouco tempo, o consumo de carne de verdade pela nova onda. Agora, contudo, há o temor de que o terceiro estágio do ciclo de inovações fracassadas esteja prestes a entrar em cena.
Nos Estados Unidos, principal mercado desse tipo de produto no mundo, as vendas estão em queda. Em julho, segundo dados apurados pela consultoria Circana, elas diminuíram 20% em relação ao mesmo período do ano passado. O caso mais marcante é o da Beyond Meat, startup californiana que já foi a principal referência da revolução trazida pelas proteínas de plantas. No segundo trimestre, suas receitas tombaram 30% em comparação com igual período de 2022. Para cortar custos, a empresa demitiu recentemente um quinto de sua força de trabalho e novos ajustes dolorosos estão previstos para os próximos meses.
Em entrevista recente, o presidente da Beyond Meat, Ethan Brown, afirmou que grupos de interesse “semearam dúvidas e medo” em torno das carnes vegetais. A crise se alastrou para outros países. A britânica Meatless Farm, que fornecia produtos veganos para redes de restaurantes, pediu falência, enquanto gigantes como a suíça Nestlé reduziram sua linha de produtos. Para completar o ciclo negativo, o McDonald’s, que nunca lançou uma alternativa à carne animal no Brasil, retirou a opção vegetal de lanchonetes nos Estados Unidos.
Por que o apetite do mercado diminuiu? Há diversas explicações para o fenômeno. A principal delas está relacionada a preço. “O grande desafio é que a carne vegetal custe o mesmo valor da convencional”, diz Fabricio Stocker, professor da Fundação Getulio Vargas e pesquisador do tema. Mas isso não ocorreu — na verdade, as proteínas de planta são bem mais caras que suas rivais. “Por isso, o consumidor tem resistência para mudar”, acrescenta Stocker. Outro aspecto a considerar é o sabor. “Ele é a principal barreira à experimentação de alimentos e bebidas alternativos à base de plantas”, disse Steve Markenson, vice-presidente da entidade americana The Food Industry Association, que realizou uma pesquisa sobre o assunto. A carne verdadeira também leva vantagens em relação a aspectos nutricionais. Uma pesquisa feita pela Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, constatou que o bife de boi contém mais aminoácidos essenciais do que as proteínas vegetais.
Somados, esses fatores explicam por que o mercado plant-based é considerado de nicho. Estudos mostram que apenas 4% da população brasileira se declara vegana ou vegetariana — para quebrar essa barreira, seria preciso uma combinação melhor de preço e sabor. Uma nova tendência, entretanto, poderá saciar a fome de vegetarianos e carnívoros. São as carnes sintéticas, também conhecidas como clean meat (carne limpa) ou cultured meat (carne cultivada). Elas são fabricadas em laboratórios a partir de células reais de animais, sem que haja a necessidade de abate. Por ora, o método também esbarra na questão do preço, pois ainda é custoso demais. De todo modo, seria imprudente cravar o fim definitivo do mercado de carnes alternativas, até porque existem projetos bem-sucedidos. Lançado em 2019 no mercado brasileiro, o hambúrguer de planta do Burger King continua no cardápio da rede. Ainda assim, é inegável que a fome do planeta pelas carnes fake por ora diminuiu. Ou seja: o lugar do churrasco tradicional está garantido por anos.
Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2023, edição nº 2865