Prontos para a guerra: a corrida global por armas bate recorde
Países somam 2,7 trilhões de dólares em gastos militares no primeiro semestre de 2025, a maior cifra desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945
Nos últimos oitenta anos, a história nunca produziu uma sequência tão acirrada, intimidadora e trilionária de anúncios em investimentos militares como a verificada no primeiro semestre deste ano. Os negócios globais de 2,7 trilhões de dólares em compras de armas, desenvolvimento de sistemas e modernização de exércitos, de acordo com o Instituto Internacional para Estudos Estratégicos, configuram a maior quantia para fins de defesa desde o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945. A onda de insegurança surgida com a guerra Rússia-Ucrânia, a pressão dos Estados Unidos sobre aliados e os mais de trinta países envolvidos em 134 conflitos registrados pela ONU no ano passado turbinaram a escalada iniciada uma década atrás, com recordes ano a ano.
Nesse cassino de guerra, o Brasil vive um paradoxo. Ao mesmo tempo que entra para a elite dos fabricantes de caças supersônicos, com o Gripen F-39, e tem no cargueiro militar KC-390, da Embraer, o maior sucesso de vendas externas da sua história, o setor de defesa pena por falta de verbas e enfrenta o sucateamento das forças e a fuga de centenas de militares especializados. No mundo, a temporada de gastos militares é vertiginosa. Sob o topete do presidente americano Donald Trump, em junho os 32 países-membros da Otan, uma aliança ocidental de defesa, anunciaram a elevação de gastos militares para 5% dos respectivos PIBs até 2035, passando a dedicar 3 trilhões de dólares por ano ao setor. A alternativa seria assistir aos americanos saindo da Organização, insatisfeitos com bancar a maior parte da proteção à Europa. Na prática, a decisão não só projeta em mais dez anos a atual disputa pelas armas, mas causa um acirramento imediato.
No mês passado, dias após a assinatura de um tratado com o Reino Unido para a aproximação entre arsenais nucleares, a França informou que irá dobrar o orçamento militar até 2027, com meta de 67 bilhões de euros. Os britânicos, por sua vez, anunciaram a destinação de 15 bilhões de libras para tornar as forças armadas “dez vezes mais letais”, na expressão do primeiro-ministro Keir Starmer. As prioridades são maior poderio nuclear, integração de drones à defesa aérea e fabricação de munição.
“Mais de 100 países aumentaram os orçamentos de defesa no último ano, o que não se via desde o fim da Guerra Fria, em 1989”, afirma Vitelio Brustolin, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense e pesquisador de Harvard. “Além da evidente aceleração armamentista, há o aumento das ogivas nucleares. A China tinha 350 ogivas até há pouco tempo, mas agora está com 650 e quer chegar a 1 500 para se equiparar ao arsenal nuclear de Estados Unidos e Rússia.”
Na indústria, as vendas estão variadas e fartas. Com sede na Virgínia e 95 000 empregados, o grupo Northrop Grumman administra uma encomenda de 100 caças B-21 Raider feita pelo governo americano, ao preço de 692 milhões de dólares por unidade. A expectativa é de que eles ocupem o posto dos F-35, da Lockheed Martin, como os aviões de combate de maior autonomia e invisibilidade a radares do planeta. Do outro lado do mundo, o sucesso dos caças chineses J-10C no conflito entre Índia e Paquistão, em maio, tem valido novos pedidos à Chengdu Aerospace. Sob a bandeira paquistanesa, o avião se consagrou pela derrubada de três Rafales, franceses, um MiG e um Sukhoi, russos, em uma semana. Ganhou os apelidos de “Rafale Killer” e “Dragão Vigoroso” e a encomenda de um lote pelo Irã após o confronto de doze dias contra Israel, em junho.
Por terra, a Holanda anunciou, em maio, a reativação de sua divisão de blindados, extinta em 2011. O governo do país assinou contrato de compra de 46 tanques Leopard 2A8, desenvolvidos pela alemã Krauss-Maffei Wegmann e utilizados por quinze países europeus. Por mar, a própria Alemanha comunicou, no final de junho, o investimento de 800 milhões de euros, nos próximos dez anos, para a modernização de seus seis submarinos não nucleares Type 212A, a ser feita pela Thyssenkrupp Marine Systems.
A indústria bélica brasileira tem tirado proveito do frenesi global. As vendas a 100 países no ano passado superaram 1,8 bilhão de dólares, salto de 23% sobre 2023. O portfólio das 235 empresas do ramo no país chega a 1 700 produtos, entre aviões, navios, radares, sistemas de comunicação e armamentos. A parceria entre empresas nacionais e multinacionais é um traço forte. “Trabalhamos diretamente com a Embraer no cargueiro KC-390 Millennium, com a Emgepron, na fabricação de munição, e com a Marinha no suporte a navios, entre eles o NAM Atlântico, o maior da frota”, enumerou a VEJA NEGÓCIOS o diretor regional da BAE Systems para as Américas, John Stocker. “Nosso objetivo é fazer mais pela defesa do Brasil dentro do Brasil.”
Para fins militares, a Embraer anunciou neste ano a compra da sexta unidade do KC-390 por Portugal, uma negociação com o Marrocos estimada em 600 milhões de dólares e entendimentos para a venda da aeronave a dez países da Otan. “Temos uma combinação imbatível de desempenho, capacidade de carga e custos operacionais”, diz o presidente da Embraer Defesa & Segurança, Bosco da Costa Junior, referindo-se ao fato de o aparelho transportar até 26 toneladas a uma velocidade de 870 quilômetros por hora e operar em pistas não pavimentadas ou danificadas.
Fabricante do caça Gripen F-39 em São Bernardo do Campo, a sueca Saab comemora mais de uma dezena de encomendas do avião por Colômbia e Peru. O primeiro supersônico montado no Brasil deve voar até o final do ano. A linha de produção do Gripen instala o país no restrito clube dos fabricantes de caças, mas não esconde o fato de o Ministério da Defesa estar passando por uma das maiores crises financeiras desde a sua criação, em 1999. “Daqui a pouco vai ter marinheiro sem navio, aviador sem avião e soldado sem equipamento para lutar”, disse o ministro da Defesa, José Múcio. Em paralelo, os pedidos de baixa feitos por militares qualificados, especialmente na Marinha e na Aeronáutica, já são contados às centenas. Líder militar no continente, o Brasil tem trunfos, mas também muitos problemas para se sair bem na corrida armamentista global.
Publicado em VEJA, julho de 2025, edição VEJA Negócios nº 16


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