Promessas de Lula e Bolsonaro já superam gastos de R$ 150 bi para 2023
Levantamento de VEJA mostra que o presidente acumula 159 bilhões em compromissos e o petista, 153 bilhões. O dinheiro não existe no Orçamento do ano que vem
Componentes intrínsecas ao processo eleitoral, as promessas dos candidatos costumam ser ainda mais abundantes em campanhas como a que vem sendo travada entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. O problema é que a retórica do palanque, ao virar realidade, custa dinheiro e, na maioria dos casos, exige a aprovação no Congresso — uma situação desafiadora mesmo com o país navegando em águas tranquilas em termos orçamentários, o que não será o caso em 2023. Em um levantamento realizado por VEJA com o apoio de economistas e instituições especialistas em contas públicas, até a quinta-feira 20 as promessas eleitorais dos candidatos já superavam os 150 bilhões de reais para o próximo ano, para cada um deles. Bolsonaro acumula 159 bilhões de reais em compromissos e Lula, 153 bilhões. “Há ainda um conjunto de passivos enormes que vamos ter de resolver de alguma maneira no ano que vem, como por exemplo despesas adiadas com precatórios e acertos com estados e municípios. Tudo isso pode levar a um impacto fiscal negativo de até 430 bilhões de reais”, avalia Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre).
Alguns programas já são dados como certos para 2023, como a manutenção do Auxílio Brasil (ou Bolsa Família, como deve ser renomeado no caso de vitória de Lula) no valor de 600 reais, em vez de voltar a 400 reais como foi previsto no projeto orçamentário enviado ao Congresso. Essa promessa, sozinha, mantida por ambos os candidatos custará 52 bilhões de reais, valor que representa um considerável estouro na regra de teto de gastos. Outras propostas, como a feita por Bolsonaro no sentido de manter a renúncia fiscal para combustíveis e gás de cozinha, por um custo de quase 53 bilhões de reais, já significam recursos que deixarão de entrar nos cofres do governo.
O problema é que os valores das promessas pesando sobre o teto de gastos tende a aumentar ainda mais. Seja devido a novas ideias aparecendo constantemente nas campanhas, como foi o caso recente de Bolsonaro se comprometendo a dar 13º salário a mulheres beneficiárias do Auxílio Brasil, e de Lula oferecendo 150 reais por criança de até 6 anos no programa Bolsa Família. Seja pelo fato de algumas propostas ainda serem iniciais, sem custo determinado, e precisarem de mais detalhamento e estudos aprofundados de impacto. Por exemplo, Bolsonaro diz que, se reeleito, os beneficiários do Auxílio Brasil que conseguirem emprego formal receberão um bônus de 200 reais. A campanha de Lula, por sua vez, já acenou positivamente a algumas propostas dos candidatos derrotados Simone Tebet e Ciro Gomes, em troca do apoio deles. Uma delas, de Tebet, prevê conceder 5 000 reais a jovens de baixa renda que chegarem ao ensino superior. Tanto essa como a proposta de bônus de Bolsonaro são de difícil mensuração, por não se saber quantas pessoas conseguirão emprego ou quantas entrarão na faculdade a cada ano.
Escaldado com o pouco apreço dos governantes brasileiros pela responsabilidade fiscal, o mercado financeiro já precifica que o próximo governo pedirá uma licença para gastar, ou waiver, no jargão em inglês. Até aí, essa concessão no primeiro ano de gestão pode trazer pouco impacto para a economia, desde que obedeça a uma condição: tal permissão para gastar não poderá ser exagerada. “A pressão vai variar de baixa a alta a depender do tamanho do gasto público. Valores acima de 80 bilhões de reais do teto de gastos representam um risco médio, mas ele ficará alto se passar dos 100 bilhões de reais”, diz Lucas de Aragão, sócio da consultoria política Arko Advice. “Se não houver contrapartidas fiscais e os gastos continuarem a aumentar, o mercado pode reagir mal.”
Os investidores que compram títulos públicos e ações brasileiras, que fomentam a criação de empresas e empregos, desejam receber acenos garantindo que o governo não entrará numa espiral de rombos que o levará à insolvência. Apenas as promessas de prorrogação para 2023 das desonerações sobre os combustíveis e do auxílio de 600 reais devem gerar no próximo ano um déficit primário de 103 bilhões de reais, segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI). Trata-se de um valor muito acima da meta de déficit de 65,9 bilhões de reais prevista pelo governo na Lei de Diretrizes Orçamentárias, que por sua vez já representava uma grande reversão diante do superávit primário de 50,9 bilhões de reais estimado para este ano e que vem sendo tão comemorado pelo Ministério da Economia durante a campanha presidencial.
Para evitar déficits contínuos por mais uma década, uma regra para substituir o teto de gastos atual, colocado em descrédito pelo governo atual e criticado por Lula, precisará ser apresentada prontamente. Será a única forma de tranquilizar os investidores, não afugentá-los do país e não desestabilizar a economia. “É importante saber qual será a regra que vai limitar o crescimento da dívida nos próximos anos”, diz Cassiana Fernandez, economista-chefe para o Brasil do banco americano J.P. Morgan. “A primeira coisa que o investidor quer é uma regra que seja viável e crível o suficiente para garantir a solvência do país em médio e longo prazo.” Além disso, o governo também precisará demonstrar que respeitará a nova regra fiscal, para que não seja apenas mais uma a se tornar letra morta. Nessa linha, um compromisso firme com a aprovação das reformas administrativa e tributária já seria um bom começo.
Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812