Produtores buscam mercado financeiro para bancar filme
Rodado na pandemia num estilo startup, 'Moscow' quer servir de exemplo para cinema do país e procurou alternativas de recursos para não depender da Ancine
Os produtores de cinema buscam uma forma de se reinventar. Com o sucateamento da Agência Nacional de Cinema, a Ancine, que tem sustado a captação de recursos para produções audiovisuais por meio de novos editais, um grupo de amigos resolveu procurar outra forma de financiamento. Para o longa-metragem Moscow, que foi rodado em apenas 12 dias, o diretor Mess Santos e o produtor-executivo Cláudio Macedo firmaram uma sociedade e amealharam recursos com investidores, que ficaram com 50% das cotas do filme e terão prioridade no retorno do investimento. Com isso, Santos e Macedo libertaram-se das amarras previstas em alguns editais, como o lançamento do longa em salas de cinema, algo que seria prejudicial neste momento, já que a pandemia do novo coronavírus tem abalado as bilheterias do circuito exibidor mundo afora.
Com a sociedade, Santos e Macedo ficam com 50% das cotas do filme, sendo que a outra metade se distribui entre sócios-investidores e contratos de permutas. Como a produtora responsável pelo longa só receberá pagamentos uma vez que todos os sócios tenham seu investimento ressarcido ou sua permuta paga, o diretor e o produtor-executivo trabalharam árduo para finalizar o filme no menor tempo possível, seguindo à risca o orçamento previsto. O resultado é que, mesmo com rostos conhecidos do grande público no elenco, a produção saiu por 1,1 milhão de reais (800 mil reais em dinheiro e 300 mil reais em permuta), valor ínfimo se comparado à média do mercado.
“O que fizemos foi algo novo para o cinema brasileiro, mas que já é usado em outros países. A linha de raciocínio é a mesma de uma startup, por exemplo. Os ganhos da equipe de produção não foram incluídos nos custos do filme, como acontece no modelo tradicional. Nós não temos salários. Somente um bônus de performance e percentual na sociedade do filme. Isso faz com que tenhamos de ser mais eficientes, pois só recebemos se o filme lucrar”, explica Macedo. “Rodamos o longa-metragem, que normalmente demoraria de dois a três meses, em 12 dias. Com isso, tivemos uma redução de custos gigantesca.”
Esse modelo visa garantir uma maior segurança para os investidores, mas não é exatamente uma novidade na indústria cinematográfica. Recentemente, a produção sul-coreana Parasita, dirigida por Bong Joon-ho, fez história ao ganhar o Oscar, o prêmio mais reconhecido do setor audiovisual. As quatro estatuetas, incluindo a de melhor filme do ano, foram celebradas não só pela equipe do longa, mas também por um fundo de investimento, o Ryukyung PSG Asset Management, que foi um dos primeiros a alocar recursos no longa-metragem. Em 2018, a companhia investiu 500 mil dólares na produção e, com o sucesso no mundo todo, obteve um retorno sobre o investimento acima de 70%, segundo a agência de notícias Bloomberg. “Essa linha de raciocínio que aplicamos vem lá de fora, onde as produções são bancadas por investidores privados e depois disso são oferecidas aos estúdios que também pensam na melhor forma de distribuição. Vários diretores, como Spike Lee e Tarantino, fazem isso”, diz Mess Santos, diretor do longa. “É um pouco diferente do que acontece quando se tem incentivo público.”
Ainda sem data de lançamento, o longa finalizado em outubro deve estrear em alguma plataforma de streaming nos próximos meses. Os produtores negociam a venda dos direitos de exibição do produto ou o licenciamento, o que pode garantir com que o filme esteja em mais de uma plataforma. Com as medidas de restrição das filmagens por conta da enfermidade, o streaming está sendo desafiado a trazer novidades ao catálogo, ponto que pode valorizar o poder de barganha das produções. “Se a gente fecha uma compra, que é o que deve acontecer, o resultado é positivo, fecha a conta e é um caminho mais seguro. Se a gente vai para o licenciamento, aí é uma conversa mais ampla, pois eu posso fechar um acordo, por exemplo, com a Netflix no Brasil, com o Amazon Prime nos EUA, e HBO em outro lugar do mundo”, diz Macedo. “Como o nosso intuito é devolver o retorno o quanto antes aos acionistas, faz mais sentido para nós fazer a venda e distribuir os dividendos”, reitera.
Com um elenco que conta com personalidades como Thaila Ayala, Werner Schünemann, Jennifer Nascimento, Bruno Fagundes e a cantora Ludmilla, a trama do filme gira em torno de uma noite no clube de jazz paulistano Moscow e é inspirado no mundo dos HQs.